23 Abril 2015

As crianças das comunidades ciganas na República Checa enfrentam todos os dias discriminação e segregação nas escolas, em resultado do falhanço de há já longa data das autoridades do país em encontrarem soluções para mudar os preconceitos profundamente enraizados no sistema de ensino, sustenta a Amnistia Internacional ao lançar um novo relatório e uma nova campanha.

Must try harder: Ethnic discrimination of Romani Children in Czech schools” (“É preciso tentar fazer melhor: a discriminação étnica das crianças das comunidades ciganas nas escolas checas) – divulgado esta quinta-feira, 23 de abril – documenta a forma como as autoridades da República Checa continuam a violar os direitos humanos das crianças das comunidades ciganas nas escolas por todo o país.

Estas crianças são segregadas do sistema de ensino regular em turmas, edifícios e escolas separadas e compostas exclusivamente por crianças das comunidades ciganas, e até colocadas em escolas para crianças portadoras de “deficiências mentais moderadas”. As que são integradas em escolas regulares e multiculturais enfrentam bullying e intimidação constantes.

“A segregação generalizada das crianças das comunidades ciganas é um exemplo atroz da discriminação sistemática de que são alvo, com as escolas a sujeitarem as crianças a esta amarga conduta desde idades muito novas”, frisa o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty, no lançamento oficial do novo relatório esta manhã em Praga, capital da República Checa. “Ao falhar em solucionar este problema ao longo de anos, o Governo checo está não só a violar leis da União Europeia e de direitos humanos mas também a limitar as oportunidades de vida a dezenas de milhares de cidadãos checos. Há que chamar a isto o que isto é: racismo, puro e simples”.

O novo relatório da organização de direitos humanos surge na altura em que a Comissão Europeia se prepara para avaliar o progresso feito pela República Checa neste assunto. Em setembro de 2014, a Comissão Europeia anunciou que daria arranque a um procedimento sem precedentes por infração daquele país por violação da legislação anti discriminação da União Europeia (UE). Se o Governo não levar a cabo as medidas necessárias, a Comissão poderá enviar o caso para a tutela do Tribunal de Justiça da UE.

Segregação

A Amnistia Internacional apurou que as crianças das comunidades ciganas são colocadas de forma rotineira em escolas para alunos com “deficiências mentais moderadas” com reduzidas possibilidades de aprendizagem.

Perto de um terço dos alunos nestas escolas, designadas como “escolas práticas” são crianças das comunidades ciganas, apesar de a comunidade da qual são oriundas representar menos de três por cento da população da República Checa.

Andrej foi colocado numa dessas “escolas práticas” quando estava no quinto ano de escolaridade. Tem agora 15 anos e disse à Amnistia Internacional que não compreendia porque fora posto numa escola destinada a alunos com deficiências mentais. “Tratam-nos como idiotas na escola prática. É tudo muito fácil. Ensinam muito devagar e acho que não vou conseguir passar para um bom liceu quando sair daqui”, explicou o adolescente.

As crianças das comunidades ciganas enfrentam também segregação no sistema regular de ensino, acabando muitas vezes em escolas frequentadas exclusivamente por outras crianças da comunidade ou então em escolas regulares mas em edifícios e turmas separadas das demais.

Falhanço em apoiar a aprendizagem e impedir o bullying racial

As crianças das comunidades ciganas que se encontram em escolas regulares e multiculturais depressa são confrontadas com o facto de serem tratadas de forma diferente pelos seus colegas de turma e pelos professores.

Não lhes é tão pouco oferecido apoio escolar na aprendizagem da língua checa, apesar de muitas não terem o checo como língua materna.

Petr, um rapaz das comunidades ciganas, que frequenta o quinto ano numa escola regular em Dìèín, contou à Amnistia Internacional que é frequentemente sujeito a bullying na escola: “Chamam-me nomes porque sou cigano. A professora não faz nada, e quando lhe digo o que se passa ela acusa-me de ser eu a provocar as situações. Ela trata-nos de maneira diferente”.

“A solução para as crianças que têm dificuldades na escola não é segregá-las segundo critérios étnicos, mas sim encontrar formas de apoiar todas as crianças de forma inclusiva, de maneira a que todas possam usufruir em igualdade do direito à educação. Isto não é um ‘luxo’, antes uma exigência legal e um imperativo moral”, avalia Salil Shetty.

Fazer melhor

Em fevereiro de 2015, o Governo checo anunciou planos para acabar com as “escolas práticas” e que iria também rever as políticas de financiamento do ensino. Porém, até à data não há quaisquer planos em curso para que tal seja concretizado, nem sequer uma calendarização precisa sobre quando isso será feito.

“O primeiro-ministro checo, Bohuslav Sobotka, e todo o seu Governo, têm mostrado muito mais vontade do que os predecessores em resolver este problema, mas ainda há muito por fazer. Já antes vimos serem feitas muitas promessas vãs de reforma do sistema de ensino da República Checa. E a discriminação das crianças das comunidades ciganas perdura há décadas. É mais do que chegada a altura para lhe pôr fim”, insta o secretário-geral da Amnistia Internacional.

A organização de direitos humanos urge o Governo checo a criar um sistema que monitorize e faça valer e cumprir as mudanças prometidas, com uma estrutura de inspetores escolares incumbidos de responsabilizar cada escola individualmente no cumprimento de tais reformas.

“Esta segregação na educação não será resolvida com pequenas correções de um sistema deficiente. Isso já foi tentado, e falhou. Até que o Governo enfrente e ponha em marcha soluções para contrariar o preconceito étnico que está no cerne deste problema, ele perdurará”, remata Salil Shetty.

 

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