3 Fevereiro 2012

 

Declare Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina

Hoje, 6 de fevereiro, quando se assinala mais um Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, recordamos que este é um fenómeno que não afeta apenas mulheres africanas. O Parlamento Europeu estima que 500 mil mulheres e raparigas, na Europa, sofram as consequências da mutilação genital feminina e que outras 180 mil, por ano, sejam colocadas em risco de serem mutiladas.

 

Muitas são portuguesas, uma vez que existe uma forte comunidade emigrante oriunda da Guiné-Bissau, país onde a prática está bem enraizada. Uma realidade que nos foi transmitida, em entrevista, por Fatumata Djau Baldé, Presidente do Comité Nacional para o Abandono de Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança, diretamente da Guiné-Bissau, e por Sofia Branco, jornalista portuguesa especializada na temática.

 

Os Estados devem fazer mais pelo combate à Mutilação

Neste dia 6 de fevereiro, a Amnistia Internacional e a Associação para o Planeamento da Família estão a apelar ao Estado português para que ratifique a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, que assinou em Maio de 2011. Pretende-se ainda que Portugal garanta a sua implementação, a nível nacional, e que se torne líder na eliminação da violência sobre as mulheres.

A nível internacional, a Amnistia e o Lóbi Europeu das Mulheres mantêm o desafio lançado à União Europeia para que clarifique o compromisso assumido em 2010 de lutar pela eliminação da mutilação genital feminina e de outras formas de violência sobre as mulheres.Apelos que estão a ser lançados no âmbito da Campanha Europeia “Fim à Mutilação Genital Feminina”, promovida em Portugal pela Amnistia Internacional e pela Associação para o Planeamento da Família.

 

Mais sobre a Mutilação Genital Feminina e o que pode fazer para a combater

A Mutilação Genital Feminina é uma violação grave aos Direitos Humanos de mulheres e raparigas. Para quem não sabe o que esta prática ancestral significa, lê-se na Declaração Conjunta Eliminação da Mutilação Genital Feminina, que pode ler aqui: “a mutilação genital feminina inclui todas as intervenções que envolvam a remoção parcial ou total dos órgãos genitais femininos externos ou que provoquem lesões nos órgãos genitais femininos, por razões não médicas”.

Entre as principais justificações para esta prática bárbara está o facto de se acreditar que uma mulher não excisada, ou mutilada, não é uma mulher completa. Esta crença está a desaparecer à medida que são conhecidas as consequências graves desta prática para a saúde das mulheres, entre as quais se inclui perigos durante o parto, dores durante as relações sexuais e diminuição ou ausência total do prazer sexual, hemorragias e infeções frequentes, entre outras, que pode conhecer na Declaração referida.

A mutilação genital feminina continua a ocorrer sobretudo no continente africano, estando documentada em pelo menos 28 países, refere o mesmo documento. Nos últimos anos percebeu-se que a mutilação genital feminina afeta também a Europa, nomeadamente Portugal, pelas comunidades emigrantes existentes, oriundas dos países onde a mutilação é frequente.

 

Portugal e Guiné-Bissau: dois olhares, um mesmo problema

 

“Temos notado uma diminuição da resistência ao fim desta prática” 

Fatumata Djau Baldé, Presidente do Comité Nacional para o Abandono de Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança, na Guiné-Bissau

 

Amnistia Internacional (AI): Na Guiné-Bissau a mutilação genital feminina está muito enraizada. Há alguma ideia de quando começou esta prática?

Fatumata Djau Baldé (FDB):Infelizmente não, mas sabe-se que antes ainda da existência do próprio profeta Maomé já se praticava a excisão. Nas histórias que se conta do Islão o profeta encontrou essa prática em curso e disse para a senhora que praticava essa profissão que, se continuasse a fazê-lo, levantasse a mão. Hoje entende-se que isto significa que ele queria diminuir essa prática.

AI: Isso no século VII. Agora que estamos no XXI, como se explica que ainda não se tenha conseguido acabar com esta prática?

FDB:A mudança de tradições e culturas muito enraizadas leva muito tempo, exige muita informação, muita sensibilização. Tratando-se de continentes, como o africano, onde ainda persiste uma elevada taxa de analfabetismo, é difícil fazer chegar à população analfabeta informação que a convença que aquela prática tem consequências na saúde das pessoas.

AI: Mas têm-se notado melhorias? Há hoje menos mutilação genital feminina?

FDB: Temos notado uma diminuição da resistência ao fim desta prática e eu diria que a diminuição tem sido grande.

AI: Um estudo que data de 2007 aponta que 44,5% da população da Guiné-Bissau pratica a excisão (verranking aqui, página 34). São esses os números hoje?

FDB:É a taxa que temos neste momento, sim. Mas foi mais elevada noutras alturas. Hoje em dia está a diminuir. Até a forma como a excisão era feita, acompanhada de grandes rituais, pelo som dos tambores… Hoje em dia estes acontecimentos já não se registam. Mas é verdade que isso não significa que a prática acabou, pois pensamos que as pessoas que resistem mudaram simplesmente de estratégia: em vez de recorrerem aos rituais tradicionais, fazem a excisão a crianças mais pequenas, aos dois, quatro ou seis anos, ou até mesmo enquanto bebés.

Ler entrevista completa aqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Aqui em Portugal as pessoas têm noção de que a mutilação é crime”

 

Sofia Branco, Jornalista

 

Amnistia Internacional (AI): Foi enquanto jornalista que se cruzou pela primeira vez com a temática da Mutilação Genital Feminina?

Sofia Branco (SB):Foi. Fui fazer uma espécie de conferência de imprensa, penso que organizado pela UMAR-União de Mulheres Alternativa e Resposta, e as oradoras eram duas pessoas – uma portuguesa e uma guineense – que trabalhavam no projeto do fanado alternativo na Guiné-Bissau. Elas falaram da sua experiência lá e no final deixaram no ar que era possível que a mutilação também acontecesse aqui, em Portugal. Foi a partir dessa deixa… Depois percebi que é um tema muito complexo, com os Direitos Humanos de um lado e a tradição e uma cultura diferente do outro. E comecei por tentar estabelecer contato com a comunidade muçulmana aqui em Portugal…

AI: Para perceber a questão religiosa? Porque há quem defenda que a mutilação se prende com questões religiosas, o que se sabe desde já que não é verdade, correto?

SB:Não, não é, mas na Guiné-Bissau essa ligação existe, é feita. Os próprios religiosos defendem a mutilação genital feminina.

AI: Com que justificação?

SB: Nenhuma. É um analfabeto a falar com outro analfabeto, por isso pode dizer o que quiser. Ou seja, ninguém sabe o que está escrito no Al Corão e se a pessoa que é responsável por lê-lo diz que está lá, a pessoa que não sabe ler acredita. Isto falando dos imãs locais e não dos líderes religiosos mais importantes e mais letrados, que já não o dizem.

Ler entrevista completa aqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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