8 Janeiro 2015

É uma vida de desespero ainda para dezenas de milhares de pessoas que permanecem sem casa, cinco anos depois do sismo que varreu o Haiti, na esteira do redondo falhanço das políticas governamentais, dos desalojamentos forçados e de soluções a curto prazo que nada resolveram para os que perderam tudo na catástrofe, avalia a Amnistia Internacional.

Em novo relatório, intitulado “15 minutes to leave: Denial of the right to adequate housing in post-quake Haiti” (15 minutos para partir: a negação de alojamento condigno no Haiti pós-terramoto), a organização de direitos humanos documenta pormenorizadamente casos extremamente inspiradores de preocupação sobre pessoas que foram forçadas a abandonar os abrigos em que viviam em campos de deslocados e em acampamentos improvisados. Este documento analisa também como a ajuda ao desenvolvimento que fluiu para o país após o sismo de janeiro de 2010 não foi capazmente transformada em soluções de habitação segura e a longo prazo.

“Muitas pessoas que perderam tudo no terramoto enfrentaram novas dificuldades ao serem expulsas dos abrigos nos campos de deslocados e nos acampamentos improvisados. Outros vivem sem-abrigo e em estado de indigência por longos períodos, conforme os programas de ajuda financeira dos dadores internacionais começaram a ficar com os seus recursos esgotados”, explica a investigadora da Amnistia Internacional especialista na região das Caraíbas, Chiara Liguori. “Há cinco anos, o mundo todo estava a olhar para o Haiti, depois de o sismo ter destruído vidas e deixado dois milhões de pessoas sem casa. Infelizmente, desde então o interesse mundial dissipou-se. Mas dezenas de milhares de pessoas continuam desesperadas, sem casa e na penúria”, prossegue a perita da organização de direitos humanos.

Os dados mais recentes registam 123 campos de deslocados internos no Haiti a operar, nos quais estão alojadas 85.423 pessoas. Apesar de o número dos que se encontram nos campos ter diminuído significativamente desde 2010, mais de 22 mil famílias continuam sem habitação digna.

As condições em muitos destes campos de deslocados são terríveis. Um terço dos que vivem nos campos não tem sequer acesso a latrinas. Em média um sanitário é partilhado por 82 pessoas.

Desalojamentos forçados

As expulsões dos campos continuam a ser um problema muito grave. Mais de 60 mil pessoas foram desalojadas à força dos abrigos que tinham construído nos acampamentos improvisados desde 2010. A grande maioria não viu tão pouco ser-lhe disponibilizadas quaisquer localizações alternativas onde pudessem restabelecer-se – o que os empurra de novo e mais profundamente para a insegurança e para a pobreza.

A Amnistia Internacional documentou seis casos de desalojamentos forçados de campos de deslocados internos e de acampamentos informais apenas no período de abril de 2013 para cá. Esta medida afetou mais de mil famílias.

Além dos campos de deslocados, uma das áreas mais visadas pelos desalojamentos forçados é o enorme acampamento improvisado em Canaan, um subúrbio nos arredores a norte de Port-au-Prince, a capital. Entre 7 e 10 de dezembro de 2013, mais de 200 famílias foram obrigadas a abandonar os seus abrigos, no sector Mozayik do campo. Grande parte destas famílias tinham-se restabelecido naquela área depois de terem sido desalojadas de um campo de deslocados em 2012. Mais desalojamentos foram registados em Canaan já em 2014.

Em algumas ocasiões, estes desalojamentos à força envolveram o uso de granadas de gás lacrimogéneo e disparos para o ar com munições reais por parte da polícia. Noutros casos, grupos armados com facas de mato e paus tomaram de assalto os campos com o propósito de dispersar os campos, atacando as pessoas que ali residiam e incendiando os seus abrigos. A Amnistia Internacional recolheu provas também de incidentes em que crianças muito novas, mulheres grávidas e idosos foram atacados durante desalojamentos forçados.

Embora o número de desalojamentos forçados documentados nos campos de deslocados tenha diminuído em 2014, em comparação com os anos anteriores, o Governo do Haiti continua a não julgar os responsáveis por aqueles atos. As autoridades estão a falhar também na tarefa de aprovar legislação que proíba os desalojamentos forçados no país.

Em consequência, esta prática continua a verificar-se nas áreas fora dos campos de deslocados e está a ser usada como meio para desimpedir as terras para projetos de reconstrução e desenvolvimento de infraestruturas.

Soluções de habitação a longo prazo são urgentes

Na esteira do sismo de 2010, o dinheiro e a ajuda humanitária fluíram para o país. Algum teve como destino programas de subsídios ao arrendamento, que apoiam os deslocados internos a conseguirem pagar acomodação ao longo de um ano. Muito embora estes programas tenham reduzido significativamente o número de deslocados nos campos, não podem ser considerados soluções a longo prazo e duradouras.

O relatório da Amnistia Internacional demonstra que menos de 20 por cento das soluções de habitação avançadas até à data podem efetivamente ser avaliadas de longo prazo, ou até sustentáveis. Em vez disso, a maior parte dos programas de ajuda limitaram-se a fornecer respostas temporárias, como é o caso da construção dos chamados abrigos-T, que consistem em pequenas estruturas feitas de materiais leves construídos para durar entre três a cinco anos.

“Estes programas temporários, apesar de bem-intencionados, não são mais do que gesso na fissura de uma parede, apenas uma solução rápida e simples que não dá resposta ao problema subjacente e que carece de soluções de desenvolvimento a longo prazo. O que tem realmente de acontecer agora é a concretização de iniciativas que garantam o direito a habitação digna para todos aqueles a quem o sismo tornou sem-abrigo e a todos os que vivem na pobreza”, insta Chiara Liguori.

Neste último ano, o Governo haitiano começou a analisar soluções mais duradouras, como a regularização dos campos de deslocados e o acesso a serviços essenciais para aqueles que ali vivem. Em agosto de 2014 foi aprovada a primeira Política Nacional de Habitação, a qual dá enquadramento a futuros programas. A Amnistia Internacional manter-se-á atenta a estes passos com o objetivo de assegurar que os mesmos cumprem as obrigações de direitos humanos a que o Haiti está vinculado.

A organização de direitos humanos urge o Governo haitiano a criar garantias contra os desalojamentos forçados e a asseverar que as opções de habitação que estão a ser desenvolvidas são verdadeiramente acessíveis para aqueles que se encontram em mais elevado risco de verem ser violado o seu direito a habitação digna. A Amnistia Internacional insta ainda os doadores e as agências internacionais a tomarem medidas para garantir que quaisquer iniciativas que financiem, ou às quais deem o seu apoio, têm no cerne de todo o seu planeamento as necessidades a longo prazo das pessoas e os direitos humanos.

“Após a catástrofe de 2010 parecia haver a ambição comum de finalmente dar uma resposta séria aos problemas de habitação no Haiti de forma sustentável e abrangente. Esse sonho parece ter sido esquecido há muito tempo. Cinco anos depois da tragédia, é mais do que chegada a altura para o Governo e as agências internacionais renovarem o seu empenho e intensificarem esforços para garantir que a reconstrução irá realmente proporcionar o exercício dos direitos humanos”, remata a investigadora da Amnistia Internacional.

Mais: Dez factos e números sobre a crise de habitação no Haiti

 

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