5 Junho 2015

 

#UnfollowMe

 

Governos por todo o mundo têm de aceitar que foram derrotados no debate público sobre a legitimidade da vigilância em larga escala, e encetar reformas à supervisão feita aos programas de recolha de informações, sustentam a Amnistia Internacional e a Privacy International numa análise conjunta publicada esta sexta-feira, 5 de junho, dois anos após Edward Snowden ter posto a descoberto a rede internacional de espionagem montada pelas agências de serviços secretos dos Estados Unidos e do Reino Unido.

“A balança do poder está a começar a mudar”, frisa Edward Snowden num artigo publicado hoje em jornais de todo o mundo (em Portugal, no Diário de Notícias). “Com cada vitória nos tribunais, com cada mudança nas leis, demonstramos que os factos são mais convincentes do que o medo”, regojiza-se o ex-administrador de sistemas da Central Intelligence Agency (CIA) e antigo consultor subcontratado da Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA).

Este briefing da Amnistia Internacional e da Privacy International, intitulado “Two years after Snowden: Protecting human rights in an age of mass surveillance” (Dois anos depois de Snowden: proteger os direitos humanos numa era de vigilância em larga escala), alerta que governos pelo mundo inteiro estão a tentar manter e expandir os seus programas de vigilância em larga escala, apesar de esta prática ter já sido condenada como uma violação de direitos humanos por tribunais, parlamentos, e organismos e instituições de direitos humanos.

A análise das duas organizações não-governamentais é publicada pouco após a aprovação pelo Congresso norte-americano da Freedom Act (a nova lei de regulamentação das atividades de espionagem nos Estados Unidos), que aconteceu esta semana, e a qual constitui um exemplo, ainda que isolado e limitado, de um recuo legislativo nos poderes de vigilância desde que foram conhecidas as informações que Snowden revelou.

“É graças a Edward Snowden que milhões de cidadãos sabem agora que nem mesmo os seus mais íntimos segredos estão a salvo da bisbilhotice dos governos. Organismos internacionais e nacionais não podiam ter sido mais claros: a vigilância indiscriminada e em larga escala das comunicações é uma violação de direitos humanos. O jogo acabou e chegou a hora de os governos fazerem reformas aos programas de vigilância indiscriminada e em larga escala”, insta a diretora de Assuntos Jurídicos da Privacy InternationalCarly Nyst.

O vice-diretor da Amnistia Internacional para os Assuntos Globais, Sherif Elsayed-Ali, sublinha, por seu lado, que “é dececionante que os governos não tenham ainda aceitado que a vigilância em larga escala viola os direitos humanos”. “Apesar de a aprovação da Freedom Act ter mostrado que é possível reverter [os programas de] vigilância, a prospetiva de mais poderes de espionagem intrusivos em França e no Reino Unido indica que o apetite dos governos em obterem cada vez mais informação sobre as nossas vidas privadas é insaciável”, prossegue este perito.

Governos contrariam a opinião pública ao expandirem a vigilância

Ao longo dos últimos dois anos, a vigilância em larga escala tem sido repetidamente repudiada como excessiva e uma violação dos direitos humanos nos tribunais, em inquéritos parlamentares e por peritos legais e em tecnologia nomeados por governos e por instituições internacionais como o Conselho Europeu e as Nações Unidas.

Este briefing da Amnistia Internacional e da Privacy Internacional alerta que, em oposição à vaga de condenação global (na foto, manifestação em Berlim, em 2013), os programas de espionagem dos Estados Unidos e do Reino Unido permanecem envoltos em segredos, ao mesmo tempo que vários outros governos tentam obter eles mesmos novos poderes de vigilância.

Na Dinamarca, na Finlândia, na Holanda, no Paquistão e na Suíça estão em curso discussões legislativas ou mesmo prestes a serem apresentadas novas propostas-de-lei sobre espionagem que visam aumentar as capacidades do Estado em vigiar as comunicações nestes países e para lá deles. O Senado francês vai já na próxima semana votar uma nova proposta-de-lei que dará às autoridades muito maiores poderes de vigilância.

O briefing avisa também que os progressos tecnológicos tornarão as tecnologias de vigilância cada vez mais baratas, mais poderosas e mais difundidas. Muitas das capacidades de vigilância que atualmente apenas as agências de serviços secretos dos Estados Unidos e do Reino Unido dispõem estarão muito provavelmente acessíveis a muitos mais países no futuro.

Plano de sete pontos para a proteção dos direitos humanos na era digital

A Amnistia Internacional e a Privacy International apresentam neste briefing um plano de sete pontos que insta os governos a introduzirem um sistema de pesos e contrapesos (checks and balances, em que os três ramos de governação – poder legislativo, judicial e executivo – se monitorizam mutuamente) no que toca ao recurso à vigilância, incluindo adequados controlo judicial e supervisão parlamentar.

As duas organizações de direitos humanos querem que a vigilância das comunicações seja conduzida dentro dos limites determinados pela lei internacional de direitos humanos, o que significa que só pode ocorrer quando:

  • é dirigida a um alvo específico e sustentada por indícios suficientes de transgressão à lei, e ainda autorizada por uma autoridade estritamente independente, como um juiz;

  • é supervisionada por mecanismos parlamentares e judiciais transparentes e independentes;

  • é gerida de acordo com regras e políticas suficientemente detalhas e publicamente conhecidas.

A Amnistia Internacional e a Privacy International instam também as poderosas empresas de Internet e de telecomunicações a fazerem mais para protegerem as comunicações de Internet e de telefone de milhares de milhões de pessoas de serem alvo de vigilância invasiva e ataques criminosos. As empresas devem investir em nova e melhor tecnologia de encriptação e outras tecnologias de privacidade para manterem os dados seguros e anónimos, assim como informar os utilizadores quando a lei as possa obrigar a entregar os dados das pessoas aos governos.

“As empresas de tecnologia têm de fazer muito mais para proteger a privacidade e a liberdade de expressão online dos utilizadores dos seus serviços. Apesar de empresas grandes como a Apple e a Google já terem começado a adotar padrões de encriptação mais fortes, outras estão muito atrasadas neste processo. As empresas de tecnologia têm de introduzir, sempre que possível e como norma-padrão nos seus serviços, sistemas de encriptação end-to-end [a forma mais segura de encriptação de dados porque garante que só o recetor da mensagem tem acesso ao seu conteúdo]”, sustenta Sherif Elsayed-Ali.

A perita legal Carly Nyst, da Privacy International, deixa ainda bem claro que “a questão da legitimidade da recolha de dados das comunicações em larga escala já não está aberta ao debate – é uma violação dos direitos humanos e da lei internacional”. “A vigilância em larga escala tem de ser desmontada e substituída por medidas com objetivos específicos e identificados, nas quais haja responsabilização e respeito pelos direitos humanos”, remata.

Entrevista da Amnistia Internacional a Edward Snowden: “Devia ter contado tudo mais cedo”

Integrada na campanha #UnfollowMe, lançada em março passado, a Amnistia Internacional promove uma petição dirigida aos líderes dos países da Aliança dos Cinco Olhos (Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), instando-os a respeitarem o direito à privacidade, e a banirem a vigilância indiscriminada em larga escala e a partilha ilegal de dados privados dos cidadãos pelas agências de serviços secretos. Assine!

 

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