- No período antecedente à COP27, as autoridades libertaram 766 prisioneiros, mas detiveram mais do dobro desse número de pessoas: 1.540.
- Alaa Abdel Fattah, ativista injustamente preso e que se encontra em greve de fome há vários meses, intensificou agora a sua ação, recusando-se a beber água.
Só nas duas últimas semanas, a detenção de centenas de pessoas pelas autoridades egípcias, no âmbito dos apelos a manifestações durante a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27), relembra a triste realidade da política egípcia de detenção arbitrária em massa para silenciar a dissidência. Atualmente, pelo menos 151 pessoas detidas estão a ser investigadas pela Procuradoria Suprema de Segurança do Estado, enquanto centenas se viram confrontadas com detenções e interrogatórios mais curtos.
Por um lado, as autoridades egípcias libertaram 766 prisioneiros no período antecedente à COP27, na sequência de uma decisão do presidente Abdelfattah al-Sisi de reativar um Comité de Perdões Presidenciais (CPP) em abril. Por outro, durante o mesmo intervalo temporal, a Amnistia Internacional documentou a detenção de 1.540 pessoas, o dobro do número das que tinham sido libertadas. Estas 1.540 foram interrogadas sobre o seu exercício de liberdade de expressão e associação pacífica.
Nos últimos seis meses, a Amnistia Internacional recolheu dados de dezenas de advogados que assistem regularmente a interrogatórios e audiências de renovação de detenções. Além disso, a organização reviu decisões judiciais e outros documentos oficiais, e entrevistou pessoas que estiveram presas, bem como familiares de cidadãos detidos.
“A detenção de centenas de pessoas, apenas por serem suspeitas de apelar à realização de manifestações pacíficas, suscita sérias preocupações sobre o protocolo de resposta das autoridades para com aqueles que pretendam manifestar-se durante a COP27. As autoridades egípcias devem permitir uma reunião livre e pacífica de manifestantes, abstendo-se da utilização de força ilegal ou de detenções arbitrárias para dissuadir os protestos”, ressalva Philip Luther, diretor de investigação e defesa da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.
“Longe dos deslumbrantes hotéis resort onde ficarão, existem milhares de defensores de direitos humanos, jornalistas, manifestantes pacíficos e membros da oposição política injustamente detidos”
Philip Luther
“Os líderes mundiais que chegam a Sharm El-Sheikh para a COP27 não devem deixar enganar-se pela campanha de relações públicas do Egito. Longe dos deslumbrantes hotéis resort onde ficarão, existem milhares de defensores de direitos humanos, jornalistas, manifestantes pacíficos e membros da oposição política injustamente detidos. Estes representantes devem instar o presidente egípcio a libertar todos aqueles que foram detidos de forma arbitrária, apenas pelo exercício dos seus direitos humanos. É urgente que esta libertação inclua Alaa Abdel Fattah, ativista ilegitimamente preso, que além da sua greve de fome que dura há meses, deixou agora de ingerir água”, acrescenta.
“É urgente que esta libertação inclua Alaa Abdel Fattah, ativista ilegitimamente preso, que além da sua greve de fome que dura há meses, deixou agora de ingerir água”, acrescenta”
Philip Luther
Alaa Abdel Fattah – ativista egípcio, em maio de 2010. Créditos: Hossam el-Hamalawy
A Amnistia Internacional relembra que, na sua jornada para defender Alaa Abdel Fattah, também Mohamed Baker, seu amigo e um corajoso advogado de direitos humanos, foi preso. Baker já passou mais de dois anos detido, sem nunca ter sido formalmente acusado ou levado a tribunal. As autoridades fizeram acusações falsas, relacionadas com terrorismo, apesar de ser muito claro que Baker foi posto atrás das grades pelo seu trabalho em direitos humanos. Está atualmente numa prisão de alta segurança, em condições cruéis e desumanas, sem acesso a cuidados de saúde e privado de um colchão, água quente, exercício ao ar livre e até de ter fotos de família. É possível assinar uma petição, pela sua liberdade, dirigida ao presidente do Egito, aqui.
Mohamed Baker, advogado de direitos humanos egípcio. Créditos: Hossam Sarhan
Restrições às manifestações em Sharm El-Sheikh
O website da presidência egípcia para a COP27 indica que quem desejar organizar manifestações em Sharm El-Sheikh deve informar as autoridades com 36 horas de antecedência e mostrar aos organizadores um distintivo COP27. Os protestos só serão permitidos entre as 10h00 e as 17h00, numa área distante daquela onde se realiza a conferência, que é monitorizada por videovigilância. As autoridades também limitaram a permissão apenas para manifestações climáticas.
Quem desejar organizar manifestações em Sharm El-Sheikh deve informar as autoridades com 36 horas de antecedência e mostrar aos organizadores um distintivo COP27. Os protestos só serão permitidos numa área distante daquela onde se realiza a conferência, que é monitorizada por videovigilância
A Amnistia Internacional considera estas medidas desnecessárias e desproporcionadas, destinadas a restringir a capacidade de uma manifestação em segurança, que possa de facto ser vista e ouvida. As autoridades devem assegurar que a exigência prévia de notificação é só utilizada para facilitar as reuniões e não implica uma autorização. Perante protestos que não cumpram com esta exigência, não deve ser adotada uma postura violenta, de repressão e dispersão.
As medidas arbitrárias e desproporcionadas estenderam-se ao povo egípcio. O acesso a Sharm El-Sheikh está limitado mediante a utilização de passes e reservas de hotel. Mesmo os movimentos dos trabalhadores da cidadeestão fortemente restringidos.
Pessoas presas antes da COP27
Nas últimas semanas, as forças de segurança egípcias prenderam e detiveram centenas de pessoas no centro do Cairo e nas praças principais de outras cidades, devido ao conteúdo dos seus telemóveis – uma tática frequentemente utilizada pela polícia antes das manifestações esperadas. A maior parte destas pessoas foi libertada horas ou alguns dias depois, outras foram conduzidas até procuradores. De acordo com 11 advogados no Cairo, Alexandria, Sharqiya e Dakahliya, algumas foram ainda submetidas a desaparecimentos forçados, sendo que o seu paradeiro permanece desconhecido.
Em setembro, Abdelsalam Abdelghani de 55 anos, foi preso em casa, na periferia do Cairo, devido a um grupo de facebook chamado “O nosso direito”, onde constavam mensagens que eram também apelos para a participação em manifestações no dia 11 de novembro. Abdelsalam foi interrogado por procuradores, sob acusações de dispersar”falsas notícias” e de ser “membro de um grupo terrorista”. A sua detenção foi posteriormente ordenada, na pendência de uma investigação.
Quem é libertado e quem permanece detido?
As agências de segurança do Egito continuam a utilizar poderes extrajudiciais para determinar quais os prisioneiros que são libertados e bloquear a libertação de milhares de outras pessoas arbitrariamente detidas apenas por usufruírem daqueles que são os seus direitos humanos.
Abdelmoneim Aboulfotoh, antigo candidato presidencial, é uma das pessoas detidas com a sua saúde em risco. Os advogados Hoda Abdelmoniem e Mohamed Baker continuam detidos, apenas pelo seu trabalho na defesa de vítimas de violações de direitos humanos. Por outro lado, qualquer pessoa que se acredite ser membro ou filiado na organização Muslim Brotherhood (Irmãos Muçulmanos), tem sido excluída pelas autoridades.
As autoridades têm ignorado também as decisões de libertação dos detidos, numa prática conhecida como rotação. Desde abril, as agências de segurança egípcias recusam-se a implementar ordens judiciais para a libertação de, pelo menos, 60 pessoas detidas. Em vez disso, os agentes da Agência Nacional de Segurança (ANS) tiraram-nas da prisão sem notificar os seus familiares. Muitas foram sujeitas a desaparecimentos forçados durante dias, antes de serem levadas perante procuradores para enfrentarem falsas acusações de terrorismo e outras incriminações relacionadas com segurança nacional.
A maioria dos indivíduos libertados após a reativação do Comité de Perdões Presidenciais ainda enfrenta restrições à sua expressão e liberdade. Sete pessoas recentemente libertadas partilharam à Amnistia Internacional que a ANS os ordenou a apagar o conteúdo crítico que tinham colocado nas redes sociais, sob ameaça de serem presos após a conclusão da COP27.
Alguns que não cumpriram este pedido já voltaram às prisões. Sherif al-Roubi, ativista libertado em junho, foi novamente detido em setembro, depois de prestar declarações à imprensa acerca das dificuldades enfrentadas por antigos presos. Há quem, após a libertação, permaneça sob vigilância policial, enquanto muitos estão arbitrariamente proibidos de viajar.