3 Junho 2023

Os Estados que participam numa reunião sobre o clima que se inicia a 5 de junho, em Bona, e que ajudará a definir a agenda da COP28 no Dubai no final do ano, devem instar os Emirados Árabes Unidos (EAU) a melhorar o seu historial de direitos humanos para garantir o êxito da conferência, afirmou hoje a Amnistia Internacional.

Uma nota informativa da Amnistia Internacional, intitulada “A situação dos direitos humanos nos Emirados Árabes Unidos antes da COP28“, identifica os principais riscos para os direitos humanos nos Emirados Árabes Unidos (EAU) que ameaçam o êxito da COP28, como a supressão do direito à liberdade de expressão e o encerramento do espaço cívico, o perigo da espionagem e monitorização digital, bem como a oposição do país anfitrião a uma célere eliminação progressiva dos combustíveis fósseis.

“O êxito da COP28 é fundamental para os direitos humanos e para o planeta. Este ano, é urgente ver um compromisso de todos os Estados no sentido de eliminar rapidamente qualquer combustível fóssil, para nos mantermos no caminho certo e evitarmos uma espiral de alterações climáticas”, afirmou Heba Morayef, diretora regional da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

“O êxito da COP28 é fundamental para os direitos humanos e para o planeta”

Heba Morayef

“No entanto, o caminho para uma conferência que produza estes resultados está ameaçado pelo encerramento efetivo do espaço cívico nos Emirados Árabes Unidos, pelo seu conhecido uso de vigilância digital para espiar as vozes críticas e pela sua resistência à eliminação progressiva da produção e utilização de combustíveis fósseis. A COP28 deve ser um fórum em que a sociedade civil possa participar livremente e sem medo. Em que os povos indígenas, as comunidades e os grupos afetados pelas alterações climáticas possam partilhar as suas experiências e definir políticas sem intimidação, e em que os direitos à liberdade de expressão e à reunião pacífica sejam respeitados. A conferência de Bona prepara o caminho para a COP28 e os participantes devem aproveitar esta oportunidade para deixar claro aos Emirados Árabes Unidos (EAU) que o seu comportamento necessita de mudança”, conclui a responsável.

“A COP28 deve ser um fórum em que a sociedade civil possa participar livremente e sem medo. Em que os povos indígenas, as comunidades e os grupos afetados pelas alterações climáticas possam partilhar as suas experiências e definir políticas sem intimidação”

Heba Morayef

 

Sociedade civil reprimida

Os direitos à liberdade de expressão, de associação e de reunião pacífica, essenciais para o êxito da conferência, estão claramente ausentes nos Emirados Árabes Unidos. A lei do país proíbe as críticas ao “Estado ou aos governantes” e impõe punições, incluindo a prisão perpétua ou a pena de morte, por associação a qualquer grupo que se oponha ao “sistema de governo” ou por “crimes” vagos como “prejudicar a unidade nacional” ou “os interesses do Estado”.

O governo respondeu a uma petição pública que apelava a reformas democráticas – assinada por centenas de cidadãos em 2011 – com uma repressão feroz. Prendeu dezenas de juristas, académicos e funcionários públicos dos Emirados. Dissolveu a direção da Associação de Juristas dos Emirados, da qual dois antigos presidentes tinham assinado a petição pró-democracia. Atualmente, estas pessoas permanecem presas.

 

Software de espionagem nos telemóveis

Há muito que o governo dos EAU procura espiar digitalmente defensores dos direitos humanos e outras vozes críticas. Entre os visados esteve o ativista Ahmed Mansoor, galardoado com o prestigiado Prémio Martin Ennals para Defensores dos Direitos Humanos, detido em 2017 em represália pelo seu ativismo pacífico, que incluía publicações nas redes sociais. Foi condenado a dez anos de prisão sob acusação de “insultar o prestígio dos Emirados Árabes Unidos”.

Investigações de jornalistas e organizações da sociedade civil, bem como uma decisão judicial do Reino Unido, revelaram que os EAU estão provavelmente por trás da vigilância digital de várias figuras públicas. Entre elas, o falecido defensor dos direitos humanos dos EAU, Alaa al-Siddiq, e um membro da Câmara dos Lordes do Reino Unido. Suspeita-se que o país também tenha como alvo escritores e editores de publicações internacionais, como o Financial Times, o The Economist e o The Wall Street Journal. Tendo em conta este historial, há razões para acreditar que os delegados e membros da sociedade civil presentes na COP28 poderão ser sujeitos a espionagem digital ilegal.

há razões para acreditar que os delegados e membros da sociedade civil presentes na COP28 poderão ser sujeitos a espionagem digital ilegal

 

Expansão da produção de combustíveis fósseis

As políticas climáticas dos Emirados Árabes Unidos são uma grande preocupação na COP28. O presidente indigitado para a conferência, Sultan Al Jaber, dirige a empresa petrolífera estatal ADNOC, uma das maiores produtoras mundiais de hidrocarbonetos, e está a desenvolver planos ambiciosos para expandir a sua produção de combustíveis fósseis.

Embora o Sultão Al Jaber e os Emirados Árabes Unidos tenham anunciado um compromisso de transição para as energias limpas, a abordagem atual não tem por objetivo reduzir a produção de combustíveis fósseis. Em vez disso, envolve frequentemente a promoção de tecnologias, como a captura, utilização e armazenamento de carbono, que não estão comprovadas em escala, para limitar as emissões. O presidente indigitado da COP28 está a promover uma abordagem semelhante nas negociações deste ano sobre as alterações climáticas, uma vez que defende a eliminação progressiva das emissões provenientes dos combustíveis fósseis e não a supressão da sua produção e utilização.

“Os Emirados Árabes Unidos falam frequentemente de abordagens respeitadoras do ambiente para a produção de energia, mas muitas vezes trata-se de encontrar formas de encobrir o facto de estarem a planear aumentar a sua produção de hidrocarbonetos. Não podemos permitir que utilizem a presidência da COP28 para promover a mesma abordagem a nível mundial. Acelerar a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis deve ser uma prioridade da COP28. Sem isso, iremos ultrapassar os limites previamente acordados para o aumento da temperatura global, que trazem implicações cada vez mais desastrosas para a humanidade”, declara Heba Morayef.

“Acelerar a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis deve ser uma prioridade da COP28. Sem isso, iremos ultrapassar os limites previamente acordados para o aumento da temperatura global, que trazem implicações cada vez mais desastrosas para a humanidade”

Heba Morayef

 

Enquadramento

A COP28 é a 28ª reunião anual da “Conferência das Partes” da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que está no centro dos esforços globais para evitar alterações climáticas catastróficas, limitando o aumento médio da temperatura global a 1.5°C acima dos níveis pré-industriais. A conferência terá lugar no Dubai, de 30 de novembro novembro a 12 de dezembro. A Conferência de Bona sobre Alterações Climáticas, de 5 a 15 de junho, serve de prelúdio à COP.

No ano passado, a COP27 realizou-se no Egipto, no meio de uma enorme repressão contra a dissidência por parte do governo de Abdel Fattah al-Sisi. O desdém das autoridades egípcias pelos direitos humanos levou a violações antes e durante a conferência, mesmo dentro da área gerida pela ONU, que é suposto estar a salvo da intimidação e vigilância do governo.

Para além das preocupações com o espaço cívico, a vigilância digital e a política climática, os Emirados Árabes Unidos têm um historial deficiente em matéria de direitos humanos no que diz respeito à proteção dos trabalhadores migrantes contra a detenção e deportação arbitrárias e à exploração do seu trabalho; à igualdade das mulheres e dos homens perante a lei; e à criminalização da conduta sexual consensual entre adultos. Nos conflitos armados na Líbia e no Iémen, a sua intervenção direta e indireta envolveu o país em graves violações do direito internacional. A Amnistia Internacional preparou uma nota informativa completa com recomendações que abrangem estas preocupações. A lista completa de recomendações da Amnistia Internacional aos Estados antes da conferência de Bona sobre alterações climáticas e da COP28 está disponível aqui.

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