30 Setembro 2015

Os maiores comerciantes mundiais de diamantes têm vindo a fazer compras de muitos milhões de dólares na República Centro Africana sem averiguarem devidamente se esses negócios estão a financiar os grupos armados responsáveis no país por execuções sumárias, violações, desaparecimentos forçados e saques, denuncia a Amnistia Internacional em novo relatório, publicado dias após a eclosão de nova vaga de violência em Bangui.

Este relatório – intitulado “Chains of Abuse: The global diamond supply chain and the case of the Central African Republic” (Correntes de abusos: o negócio global dos diamantes e o caso da República Centro Africana) e publicado esta quarta-feira, 30 de setembro – documenta vários abusos cometidos no sector diamantífero, com enfoque na República Centro Africana (RCA), em que se inclui trabalho infantil e extorsão. Na foto: uma criança de 11 anos trabalha numa mina na região de Carnot, oeste da RCA, em maio de 2015.

E muito em breve, as empresas de diamantes que operam na RCA poderão começar a exportar diamantes que têm sido armazenados durante o conflito no país e no qual morreram já 5.000 pessoas. Esta semana, aliás, assistiu-se a uma renovada vaga de violência na capital do país, da qual resultaram dezenas de mortos e mais de uma centena de feridos, e que despedaça o frágil processo de reconciliação e paz.

O embargo às vendas de diamantes que existe desde maio de 2013 será parcialmente levantado assim que o governo transicional demonstre que está a cumprir as condições que foram estabelecidas em julho de 2015 pelo Processo de Kimberley (Sistema de Certificação do Processo de Kimberley), o qual visa certificar a origem dos diamantes de forma a evitar negócios de pedras que sejam originárias de zonas em conflito armado e, assim, impedir o comércio internacional de diamantes de sangue. Antes da eclosão do conflito na RCA, os diamantes representavam metade do volume de exportações do país.

“Se as empresas compraram diamantes de sangue, não lhes pode ser permitido que tenham lucros com esses negócios”, insta a perita da Amnistia Internacional Lucy Graham, da equipa de Negócios e Direitos Humanos. “O Governo tem a obrigação de confiscar os diamantes de sangue, vendê-los e usar o dinheiro para benefício público. O povo da RCA tem direito a lucrar com os recursos naturais do seu próprio país. E conforme o país se tenta reconstruir, precisa que os seus diamantes sejam uma bênção e não uma maldição”.

Com entrevistas a mineiros e a negociantes da indústria diamantífera, este relatório detalha a forma como grupos armados – tanto as milícias cristãs e animistas anti-balaka como as maioritariamente muçulmanas forças Séléka – lucram com os negócios dos diamantes, controlando as explorações mineiras e “taxando” ou extorquindo pagamentos para “proteção” aos mineiros e aos negociantes locais.

A investigação da Amnistia Internacional documenta também as falhas nas inspeções feitas nos centros de comércio de diamantes que tornam possível que sejam negociados e vendidos diamantes de sangue.

Compras de diamantes sem cumprimento dos requisitos

O relatório indica especificamente que há um elevado risco de a empresa Sodiam, a maior compradora de diamantes durante o conflito na República Centro Africana – e que armazenou já uma reserva de diamantes no valor de mais de 7 milhões de dólares –, tenha adquirido e continue a comprar diamantes que financiam as milícias anti-balaka. Em maio de 2015, um representante da Sodiam em Carnot, oeste da RCA, confirmou à Amnistia Internacional que a empresa tem comprado diamantes na região apesar do conflito armado e que está a armazena-los até que possam ser exportados.

As Nações Unidas colocaram na lista negra o segundo maior negociante de diamantes na RCA, a Badica, e a sua empresa-irmã belga, a Kardiam, por comprarem e contrabandearem diamantes oriundos de zonas controladas pelas Séléka na região oriental do país.

O relatório “Chains of Abuse” documenta o envolvimento muito significativo das milícias anti-balaka no comércio de diamantes em toda a região ocidental da RCA. Negociantes entrevistados pelas equipas da organização de direitos humanos nessa zona do país reconheceram saber da participação das anti-balaka, mas nenhum referiu ter recusado diamantes que pudessem estar a financiar aquelas milícias armadas.

Um destes negociantes, o qual explicou ser extremamente perigoso e inseguro deslocar-se às minas, mostrou aos investigadores da Amnistia Internacional recibos de vendas de diamantes à Sodiam. Outros comerciantes do sector que fizeram vendas à Sodiam também referiram estes factos em depoimentos às Nações Unidas.

A Sodiam nega perentoriamente ter jamais comprado diamantes oriundos de zonas em conflito. A empresa garante que não compra diamantes de minas que são controladas por grupos rebeldes nem a mediadores associados a esses grupos. Mas a Amnistia Internacional contesta neste relatório que a Sodiam tome os passos necessários para assegurar o cumprimento dos requisitos legais no negócio dos diamantes.

A organização de direitos humanos defende que as autoridades da RCA devem confiscar os diamantes em causa, a não ser que a Sodiam e outras empresas exportadoras diamantíferas demonstrem que não têm financiado grupos armados. E os diamantes confiscados devem ser vendidos e as receitas obtidas alocadas a gastos do interesse público.

Empresas internacionais têm de resolver falhas do Processo de Kimberley

O relatório “Chains of Abuse” – que analisa o papel de vários países nos negócios de diamantes, da RCA à Bélgica e aos Emirados Árabes Unidos – detalha também uma série de abusos de direitos humanos, e documenta casos de contrabando e de fuga ao fisco ao longo da cadeia de fornecimento.

A Amnistia Internacional insta os governos e as empresas internacionais de diamantes – como as líderes mundiais De Beers e Signet Jewelers – a darem apoio a uma mais forte regulamentação do sector, em particular quando a indústria joalheira e diamantífera se reunir na cimeira especializada de março de 2016. As empresas de diamantes têm o dever de investigar zelosamente as suas cadeias de fornecimentos para deteção de eventuais abusos de direitos humanos, de origem em zonas de conflito ou quaisquer práticas ilegais ou destituídas de ética. E têm de tornar público as medidas que tomam nesse sentido.

“As empresas internacionais de diamantes têm de estar especialmente atentas a abusos cometidos ao longo da cadeia de fornecimentos, desde a ocorrência de trabalho infantil a abusos fiscais. Ao centrar-se apenas na questão dos diamantes oriundos de zonas de conflito, o Processo de Kimberley acaba por camuflar todos os outros abusos de direitos humanos e práticas sem escrúpulos que estão associadas aos diamantes”, explica Lucy Graham.

Esta perita da Amnistia Internacional em Negócios e Direitos Humanos frisa que “esta é uma chamada de despertar para o sector dos diamantes”. “Os países e as empresas não podem continuar a usar o Processo de Kimberley como alibi para tranquilizar os consumidores de que os seus diamantes têm uma origem eticamente responável”.

 

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