5 Junho 2015

 

#UnfollowMe

 

Passados dois anos desde que deu a conhecer ao mundo documentos que revelaram a extensão das redes de espionagem governamentais, Edward Snowden conversou com a Amnistia Internacional sobre como ele próprio e o panorama político mudaram. O ex-administrador de sistemas da Central Intelligence Agency e consultor subcontratado da Agência de Segurança Nacional norte-americana responde às perguntas do Produtor de Conteúdos Globais da Amnistia Internacional, Ben Beaumont. E há algo que deixa claro: a liberdade nas vidas online é “um dos assuntos com maior impacto nos direitos humanos nos próximos 30 anos”.

 

O que acha que mudou nos últimos dois anos?

As pessoas estão agora muito mais céticas em relação aos programas de vigilância do que o eram antes de eu ter avançado. Depois de terem visto a informação que foi relevada, as pessoas confirmaram largamente que os nossos governos andavam a violar a lei. Até os tribunais o fizeram, e tinham todos os incentivos para se limitarem a reagir com um “não há aqui nada para ver, sigam em frente”. Ter sido parte disto, e ter agora a oportunidade de repor não apenas uma medida de legalidade para os governos mas também uma medida de liberdade às nossas vidas online, é algo que me dá razões para me levantar da cama de manhã.

 

O que é que as pessoas na comunidade de serviços secretos dizem?

Há uma série de motivações políticas para as pessoas ligadas aos serviços secretos dizerem que estas revelações “foram extraordinariamente danosas”. Mas em privado muitas delas estão preocupadas se a vigilância em larga escala é ou não correta e se devemos ou não fazê-la.

Entidades responsáveis nesta matéria também creem que a consciencialização pública sobre a vigilância em larga escala até lhes é benéfica. Porque se revelarmos ao mundo que possuímos a mais incrível máquina de espionagem no planeta, todos os outros espiões vão querer falar connosco e “trocar cromos” connosco. Vi isso acontecer muitas vezes.

 

Tem alguns arrependimentos?

Tenho apenas um: devia ter contado tudo mais cedo. Se o tivesse feito, creio que teríamos um muito maior nível de liberdade nas nossas vidas online. Porque o grande desafio que enfrentamos na reforma destes programas de vigilância é que depois de o dinheiro ter sido investido e depois de aquelas práticas se terem institucionalizado em segredo, sem a opinião pública o saber, é muito difícil mudá-las.

O governo não quer arrancar o mal pela raiz, acabar com estes sistemas e deitá-los fora. E os responsáveis das agências de serviços secretos já se habituaram a ter a possibilidade de, sabem, nem precisarem de dar ordem para que alguém seja vigiado – porque já têm na posse deles os registos pessoais dessa pessoa, uma vez que espiam toda a gente. Basta-lhes ir analisar os dados das chamadas telefónicas da pessoa ao longo dos últimos 30 anos, e os seus registos de localização e de passagem nas fronteiras. E é extremamente difícil persuadi-los a abrirem mão disso.

 

O que diz às pessoas que pensam: “não tenho nada a esconder, por isso a vigilância em larga escala não me importa”?

Não é uma questão de não ter nada a esconder. Isto é sobre sermos quem somos. É sobre sermos amigos de quem queremos ser amigos, sem nos preocuparmos como é que isso vai parecer escrito num qualquer papel ou num registo enfiado num qualquer cofre obscuro do Governo.

Esta é uma questão sobre termos a consciência de que há uma razão para fecharmos a porta quando vamos à casa de banho. Há uma razão pela qual não queremos que a polícia tenha uma câmara de filmar em que nos podem observar quando estamos dentro da banheira. Há uma razão que justifica o facto de toda a gente ter ficado preocupada com as televisões da Samsung que são capazes de gravar aquilo que é dito na sala de estar e depois o envia para terceiros [ver artigo]. Porque é isto que vamos ter: já não vamos ver televisão, é a televisão que nos vai ver a nós.

 

O que acha que vai acontecer agora?

Este vai ser um dos assuntos com maior impacto nos direitos humanos nos próximos 30 anos. Porque aquilo que estamos a ver agora é só o começo. Todas as pessoas que trabalham nisto no que toca às engenharias estão a pensar: como é que posso levar isto mais longe? como é que recolhemos ainda mais informação? A tecnologia vai ficar mais barata, as ligações mais fáceis e as redes ainda mais presentes, de tal forma que nunca estaremos fora de um meio de transmissão de dados. Se não controlarmos isto, e se não definirmos padrões internacionais sobre os comportamentos que são apropriados numa sociedade livre e liberal, aquilo que vamos descobrir é que as sociedades livres e liberais já não vão existir.

 

E como têm sido estes tempos para si?

Tenho muito menos tempo livre. É engraçado. As pessoas pensam provavelmente que entrar na clandestinidade é algo ligeiramente negligente, desprendido. Mas a verdade é que agora trabalho muito mais do jamais trabalhei. E sinto-me muito realizado por isso. Normalmente, trabalho sete dias por semana, porque há tanto para fazer.

O mais difícil nestes últimos dois anos tem sido estar longe da minha família e da minha casa. Fiz muitos sacrifícios. Vivo de uma forma mais simples, mas em última análise valeu bem a pena. E as pessoas têm demonstrado grande apoio – até pessoas da comunidade dos serviços secretos.

 

Algumas últimas palavras?

O progresso é o fruto da dissidência. Se ninguém estiver disposto a mudar as coisas ou a tentar fazer algo diferente, se ninguém estiver disposto a arriscar ir além dos limites daquilo que as pessoas fazem normalmente, teremos sociedades muito estáticas e, acho eu, muito limitadas.

 

Integrada na campanha #UnfollowMe, lançada em março passado, a Amnistia Internacional promove uma petição dirigida aos líderes dos países da Aliança dos Cinco Olhos (Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), instando-os a respeitarem o direito à privacidade, e a banirem a vigilância indiscriminada em larga escala e a partilha ilegal de dados privados dos cidadãos pelas agências de serviços secretos. Assine!

 

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