19 Abril 2012

Já se passaram quase seis anos desde que o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de captura em nome de Bosco Ntaganda, acusado de recrutar e alistar menores de 15 anos para participarem das hostilidades na província de Ituri, na República Democrática do Congo (RDC) em 2002/3.

As acusações remontam à data em que era comandante do grupo armado Forças Patrióticas para a Libertação do Congo (FPLC), dizem respeito ao recrutamento e uso de crianças soldado e espera-se que sejam alargadas, incluindo os crimes contra a humanidade de homicídio e violação.

Tal como Joseph Kony, líder do Exército de Resistência do Senhor (LRA), cuja notoriedade foi drasticamente impulsionada pela campanha Kony 2012, Ntaganda continua a monte.

Segundo relatos, continua a viver livremente na cidade de Goma e atua como general no exército nacional depois de ter sido integrado juntamente com parte do grupo armado que formou – Congresso Nacional para a Defesa do Povo (CNDP) – nas forças armadas da RDC. É conhecido no país como “o exterminador”.

A integração – que significa que, até agora, tem estado a salvo da justiça – foi explicada como sendo o preço da paz. Mas não pode haver paz sem justiça.

Além disso, proteger um fugitivo do TPI é claramente uma violação da obrigação legal da RDC como estado membro do Estatuto de Roma do TPI, através do qual o país concordou cooperar completamente com o TPI executando os seus mandados de captura e entregando suspeitos para julgamento.

E não é como se Ntaganda se tivesse retirado calmamente da sua vida antiga. Do reduto de Ntaganda em Goma, a oeste da RDC, os soldados sob o seu comando continuam a estar envolvidos em muitas violações dos direitos humanos, mesmo depois de o TPI ter emitido o mandado de captura.

Os membros do CNDP cometeram alegadamente assassinatos, crimes de violência sexual, tortura, e procederam ao recrutamento de crianças soldados na província de Ituri, no nordeste da RDC, e na província no norte de Kivu.
Um dos piores crimes ocorreu em novembro de 2008 quando o CNDP matou pelo menos 150 civis em Kiwanja, no território Rutshuru, na província de Kivu-norte.

Mas pode ser que o chão sob os pés de Ntaganda, até agora firme, esteja a começar a ceder.

Recentemente, informações vindas do leste do Congo indicam que a vontade política de levar Bosco Ntaganda perante a justiça pode estar finalmente a concretizar-se.

Relatos na comunicação social indicam que centenas de tropas congolesas, conhecidas por serem leais a Ntaganda, desertaram do exército nacional.

Na semana passada, o Presidente Kabila afirmou: “Não precisamos de deter Bosco e levá-lo ao TPI… Nós próprios podemos detê-lo e temos mais de cem razões para o fazer e podemos julgá-lo aqui e, se tal não for possível, noutro lado qualquer, possivelmente em Kinshasa. O que não nos faltam são razões.”

Deter Bosco, um comandante poderoso do exército, não será fácil. Muitos temem que os civis possam ser colocados em risco quando tentarem deter Bosco e retirá-lo do poder. A força de manutenção da paz da ONU na RDC, MONUSCO, deve desempenhar um papel de apoiar na sua captura e na garantia de que os civis não sejam colocados em perigo.

E enquanto as palavras do Presidente Kabila são de alguma maneira um sinal positivo, em caso de Bosco ser detido e não transferido para o TPI, a DRC corre risco de estar a violar a sua obrigação de cooperação com o TPI.

Ao abrigo do Estatuto de Roma, Bosco Ntaganda apenas pode enfrentar um julgamento nacional se a RDC puder demonstrar com sucesso aos juízes do TPI que os seus tribunais estão genuinamente com vontade e tem capacidade para julgar os crimes dos quais é acusado.

A Amnistia Internacional tem relatado como décadas de negligência, corrupção e interferência política na RDC têm resultado num sistema doméstico de justiça que é pouco confiável e que não é capaz de tratar os crimes mais sérios.

O relatório de 2011, “The Time for Justice is Now!: New Strategy Needed in the Democratic Republic of the Congo”, documenta a incapacidade do poder judicial da RDC em proteger as testemunhas e vítimas, de fazer cumprir as suas próprias sentenças ou mesmo de manter os prisioneiros condenados atrás das grades.

No presente, os tribunais militares têm jurisdição exclusiva nos casos de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra – incluindo nos casos que dizem respeito a réus civis.

No entanto, o sistema de justiça militar não tem sido capaz de julgar ou deter Ntaganda devido à falta de apoio por parte do governo congolês e às constantes ameaças e intimidações.

Colocar Ntaganda perante um tribunal militar, onde pode enfrentar a pena de morte e ver ignorada a existência de um mandado do TPI, para responder por crimes não especificados, seria uma violação flagrante das obrigações internacionais da RDC.
A Amnistia Internacional opõe-se à pena de morte em todos os casos sem exceção, sendo uma violação do direito à vida e ao direito de estar livre de um castigo cruel, desumano ou degradante.

A Amnistia Internacional está a apelar ao governo da RDC para que Bosco Ntaganda seja detido e para que seja levado ao TPI para enfrentar um julgamento sem mais demoras.

O tempo para fazer justiça é agora

Desde que foi criado há dez anos, em 2002, o TPI emitiu mandados de captura contra 17 pessoas. No entanto, até à data apenas sete desses suspeitos foram entregues a Haia. Aqueles que continuam foragidos gozam de impunidade e as vítimas dos crimes dos quais são acusados continuam a sofrer sem verem ser feita justiça ou sem receberem reparações. É um dos maiores desafios que o novo sistema de justiça internacional enfrenta.

As razões para a falta de mandados são específicas para cada situação.

•    Joseph Kony e outros três líderes do Exército de Libertação do Senhor estão escondidos em áreas remotas da República Centro Africana, da República Democrática do Congo e do Sudão do Sul. Pensa-se ser muito provável que um deles – Vincent Otti – esteja morto.
•    O presidente sudanês, Omar al-Bashir, continua no poder do país e está a proteger três outros funcionários do governo acusados pelo TPI de crimes cometidos no Darfur. Perturbador é o facto de Bashir ter viajado para muitos países que se recusaram a detê-lo.
•    Saif al-Islam Gaddafi foi capturado na Líbia mas o novo governo recusa-se a levá-lo perante o TPI, insistindo num julgamento nacional perante um sistema nacional de justiça colapsado, que não consegue cumprir os padrões internacionais. Abdullah al-Senussi foi capturado recentemente na Mauritânia. No entanto, ao invés de levá-lo ao TPI, o governo anunciou a sua extradição para a Líbia.

No entanto, a atenção global que se tem virado para os fugitivos do TPI traz esperança de que esta situação irá mudar.

•    A campanha Kony 2012 intensificou a atenção pública para as violações continuadas do LRA. Os esforços internacionais para detê-lo têm-se também intensificado nos últimos anos.
•    O presidente Bashir está a ser cada vez mais pressionado a repensar os seus planos de viagem e arrisca-se cada vez que coloca um pé fora do Sudão. Um verdadeiro teste será saber se o governo do Malawi, que foi fortemente criticado por permitir que Bashir visitasse o país em 2011, irá autorizá-lo a participar na Cimeira da União Africa que se realizará em junho.
•    A captura do antigo chefe dos serviços secretos líbios, Mohammed al-Senussi, durante a sua tentativa de fugir para a Mauritânia, demonstra que alguns estados já não estão com vontade de providenciar abrigo aos fugitivos da justiça internacional. A pressão para as autoridades líbias entregarem Saif al-Islam Gadaffi ao TPI está a aumentar, na sequência de um acórdão recente do TPI a insistir na sua cooperação.
•    Sob uma crescente pressão nacional e internacional, como resultado da condenação do TPI em março do seu então superior Thomas Lubanga Dyilo, o presidente Kabila declarou que Bosco Ntaganda podia ser detido. No entanto, o presidente referiu que não iria entregá-lo ao TPI, mas sim tentar que fosse julgado no país.

Ações públicas exigindo a detenção dos suspeitos do TPI e a sua transferência para o TPI estão a ter um papel muito importante na construção de pressão sobre os governos para assegurar que esses fugitivos à justiça internacional sejam levados a julgamento. A campanha da Amnistia Internacional para a Justiça Internacional está empenhada a trabalhar com os seus membros de todo o mundo para dar luz a estes casos.

Ação global para acabar com a impunidade

O interesse público renovado nos fugitivos do TPI serve para pressionar a comunidade internacional a tomar mais medidas efetivas para garantir que os acusados de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra não sejam autorizados a fugir à justiça. O fracasso na responsabilização daqueles que cometeram violações tão graves tem um impacto pernicioso e de longo alcance. Isto prejudica o esforço de estabelecer um estado de direito e contamina a credibilidade do sistema judicial aos olhos do povo. Talvez mais importante, a impunidade conduz à continuação do sofrimento das muitas vítimas, negando-lhes o acesso à justiça, à verdade e a uma reparação total.

Cada um de nós pode ajudar a deter Bosco Ntaganda e outros suspeitos do TPI. Agora mesmo, encorajamo-lo a fazer parte da ação da Amnistia Internacional para dizer ao secretário-geral da ONU que defende que a ONU tenha um papel ativo na detenção dos suspeitos do TPI, particularmente reforçando as suas missões de manutenção de paz. Pode seguir ações futuras e novos desenvolvimentos na página do facebook e do twitter da campanha da Amnistia Internacional pela Justiça Internacional.

Por Yuna Han da campanha da Amnistia Internacional para a Justiça Internacional

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