4 Março 2011

Há 100 anos, mais de um milhão de pessoas marcharam pelas ruas em toda a Europa naquele que foi o primeiro Dia Internacional da Mulher, apelando ao fim da discriminação e para que as mulheres usufruíssem dos mesmos direitos que os homens de poder trabalhar, votar e moldar o futuro dos seus países.

Cem anos depois, a realidade é a de que existe maior probabilidade de as mulheres serem pobres. Maior probabilidade de serem analfabetas. Representam dois terços do trabalho global, mas apenas ganham 10% do rendimento mundial. Produzem cerca de 80% da alimentação nos países em desenvolvimento, mas possuem apenas 1% da propriedade.

Em muitos países, continua a ser dito às mulheres aquilo que podem fazer, até mesmo sobre o que podem vestir. As mulheres na Arábia Saudita, Chechénia e Irão enfrentam perseguição, caso não tenham em conta os códigos religiosos conservadores de vestuário. As mulheres muçulmanas na Bélgica, França e em algumas regiões de Espanha poderão em breve estar a violar a lei, se o fizerem.

As mulheres que promovem campanhas para a mudança deparam-se várias vezes com perseguição, abuso, ou pior. Em países como a Rússia, as Filipinas, o México e o Nepal, as activistas têm sido assassinadas por darem a conhecer a sua opinião. Na China, no Bangladesh, na Índia, no Zimbabué e em muitos outros países, são detidas e torturadas rotineiramente.

A comunidade internacional ainda ignora amplamente estes factos. A igualdade das mulheres é vista como lamentável, mas inevitável.

Durante os acontecimentos dramáticos dos últimos dois meses levaram milhões de pessoas para as ruas por todo o Médio Oriente e Norte de África, apelando à mudança.

As mulheres estavam ao lado dos homens, exigindo o fim da repressão política e apelando a uma reforma radical e de raiz. Tanto as mulheres, como os homens sofreram sob estes governos repressivos. Mas as mulheres tiveram ainda que enfrentar leis discriminatórias e uma desigualdade de género profundamente enraizada.

Por isso, não admira que as mulheres tenham tomado as ruas. Que tenham aplaudido ruidosamente quando o regime de Mubarak caiu. Ou que tenham desejado acreditar na promessa de um novo amanhecer na política egípcia. No entanto, ficou ainda por saber o que realmente irá mudar para as mulheres do Egipto.

Muitos governos – incluindo muitos do Ocidente – parecem continuar a apoiar os direitos das mulheres quando lhes é conveniente. Os seus direitos são muitas vezes usados como peças de negociação na luta pelo controlo da agenda internacional.

Quando as negociações com os talibãs pareciam ser um boa medida, os direitos das mulheres deixaram de repente de ser tão importantes. Quando precisaram do Paquistão como aliado, aceitaram a medida do governo paquistanês em ceder autonomia a regiões do país onde as mulheres são totalmente vitimizadas pelo sistema legal paralelo. E no Iraque, as alianças são criadas com as milícias que, no seu tempo livre, atacam e assassinam activistas que defendem os direitos das mulheres.

E assim acontece no Egipto, onde, à medida que o país começa a olhar em direcção ao futuro, as mulheres estão em perigo de serem novamente marginalizadas.

Incrivelmente, apesar de décadas de discriminação e desigualdade, é negado às mulheres um papel na criação de um novo Egipto. Estão a ser excluídas, tanto pelo governo interino, como pela comunidade internacional. Mais recentemente, um novo comité nacional formado para elaborar a nova Constituição egípcia foi composto apenas por elementos do sexo masculino. Isto é inaceitável.

Se a comunidade internacional se preocupa verdadeiramente com os direitos das mulheres no Egipto, deveria defender a participação activa das mulheres em todos os aspectos de construção de novos sistemas e instituições.

Este comportamento por parte das autoridades interinas e da comunidade internacional acaba por trair um sentido de paternalismo, tão familiar para as mulheres egípcias que viveram durante décadas sob um governo opressivo, apoiado por Estados que supostamente respeitavam os seus direitos.

À medida que os governos instituídos lutam pela mudança e novos governos emergem, todos devem comprometer-se a respeitar a igualdade das mulheres, tanto na lei, como na prática. No entanto, as mulheres apenas irão usufruir dessa igualdade se se envolverem de forma activa em todas as negociações e decisões que terão lugar durante este tempo de transição.

Para que a promessa de mudança no Egipto e em qualquer ponto na região – e no mundo – seja cumprida, as mulheres com diversas origens e credos políticos devem ser consideradas como parceiros de pleno direito.

Muita coisa mudou nos últimos 100 anos, e muitos dos mesmos problemas ainda permanecem. Em muitos países, os compromissos dos governos para com as reformas têm deixado atrasar a abordagem das necessidades. A discriminação continua a marcar profundamente as sociedades, deixando um rasto de desigualdade.

O apelo à igualdade, justiça e respeito foi uma questão central do primeiro Dia Internacional da Mulher. Um século depois, continua a ser.

Widney Brown é Directora Sénior da Amnistia Internacional para o Direito Internacional e Política.

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