17 Junho 2011

Por Sherif Elsayed-Ali, Responsável para os Direitos dos Refugiados e Migrantes na Amnistia Internacional

Foram encontrados 150 cadáveres no mar, perto das ilhas tunisinas Kerkena, nas últimas semanas. Os corpos pertenciam a pessoas que fugiram do violento conflito na Líbia, à procura de segurança na Europa. Estas mortes juntam-se às dos inúmeros refugiados e migrantes que morreram ao tentar chegar à Europa. Só este ano, já morreram 1.800 pessoas.

 

Este problema não é novo, há anos que muitos refugiados e migrantes desesperados fazem a mesma jornada perigosa e milhares morrem.

Mas enquanto o Egipto e a Tunísia, no meio da agitação política, acolheram silenciosamente centenas de milhar de refugiados da Líbia, os Estados-membros da União Europeia falharam em tomar medidas credíveis para ajudar na prevenção das mortes no mar, de pessoas que fogem do seu país.

Os Estados-membros deviam ter aumentado a vigilância aérea e as operações de salvamento marítimas para melhorar a capacidade de resgate às embarcações em risco. Para tal, tinham à sua disposição os recursos da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da FRONTEX (Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros da União Europeia). Do mesmo modo, podiam ter permitido a entrada de refugiados vulneráveis oriundos da Tunísia e do Egipto. Em vez disso, os governos da União Europeia focaram-se no que estava a acontecer nos seus países e só se preocuparam quando se aperceberam que as pessoas sobreviveram à travessia do Mediterrâneo e conseguiram alcançar a Europa.

A última década assistiu a um desgaste gradual da protecção dos direitos dos refugiados e migrantes na Europa. As políticas de segurança pós-11 de Setembro foram utilizadas como argumento para afastar as preocupações face aos direitos humanos e às sensíveis políticas de imigração sensíveis, para responder ao sentimento de medo populista. A revolta contra refugiados e migrantes tornou-se uma ferramenta regularmente usada por alguns políticos e media, para culpabilizar estes indivíduos pelo aumento da criminalidade, pelas crises na saúde e pelos problemas económicos.

A Europa, que desempenhou noutros tempos um papel fulcral na protecção aos refugiados, o continente cuja crise de refugiados da Segunda Guerra Mundial deu origem ao regime internacional de protecção aos refugiados, está agora a corroer a protecção aos refugiados.

Os refugiados são obrigados a abandonar as suas casas para fugirem às perseguições e aos conflitos e arriscam as suas vidas para encontrar liberdade e segurança. Os migrantes não procuram vir para a Europa por ganância, deixam para trás a pobreza e o desespero económico e procuram uma vida melhor para si próprios e para as suas famílias. Retratar refugiados e migrantes como indivíduos indignos, interesseiros ou criminosos não é apenas hipócrita, como aumenta o ódio e a violência. De certeza que os anseios destes indivíduos por liberdade, segurança e um futuro melhor são algo que toda a gente consegue compreender ao invés de maldizer.

Movida principalmente por interesses políticos e económicos, a União Europeia não passou de meras palavras, ao longo dos anos, no que diz respeito aos direitos humanos dos refugiados e dos migrantes. Apoiou e financiou políticas de controlo de migração abusiva em países como a Líbia, onde durante anos refugiados e migrantes foram detidos em condições desumanas, frequentemente vítimas de tortura e onde os refugiados foram colocados em risco efectivo de perseguição, ao serem devolvidos aos seus países de origem.

Em Outubro de 2010, a Comissão Europeia assinou uma “agenda de cooperação” com a Líbia sobre a “gestão dos fluxos migratórios” e o “controlo de fronteiras”, ficando de pagar ao país 50 milhões de Euros por este serviço, até 2013. Passados vários meses, os governos europeus expressam-se ofendidos com as violações e ataques generalizados aos direitos humanos, cometidos pelo regime libio contra civis no conflito actual. Enquanto acertadamente o fazem, expõem a hipocrisia que se encontra no centro das políticas de asilo e migração da União Europeia: pretendem promover os direitos dos refugiados e dos migrantes enquanto toleram práticas abusivas, para impedir que estes cheguem à Europa.

A falha em agir efectivamente para ajudar os barcos em perigo no mar Mediterrâneo comprova a vontade dos Estados-membros da União Europeia de dar prioridade aos seus interesses políticos, acima dos direitos de indivíduos que fogem do Norte de África.

Em resposta às crescentes mortes no mar e à falha dos governos europeus em ajudar a conter estes acidentes trágicos, Thomas Hammarberg, Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, afirmou que: “quando a prevenção da entrada de migrantes se tornou mais importante do que salvar vidas, algo correu demasiadamente mal.”

De facto, algo correu mal. Ao não serem capazes de proporcionar ajuda aos indivíduos que fogem da situação desesperante no Norte de África, os governos europeus retrocedem décadas nas conquistas em termos de direitos humanos e lentamente corroem a ideia de igualdade de direitos.

A União Europeia e os Estados-membros têm a responsabilidade de protegerem os direitos dos refugiados e migrantes e de os salvarem quando correm risco de vida. Pessoas em todo o Norte de África e Médio Oriente demonstraram coragem para se defenderem, correndo frequentemente graves riscos pessoais. Não chegou a altura da Europa honrar a coragem destes indivíduos, pelo simples acto de respeitar o ideal de protecção dos direitos humanos para todos?

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