12 Outubro 2015

 

O falhanço moral catastrófico dos líderes mundiais que hesitam e discutem entre si, enquanto insensivelmente votam ao abandono milhões de pessoas a um sofrimento atroz e condições desastrosas de dignidade humana, vai definir o seu legado para muitas gerações vindouras, avalia a Amnistia Internacional no plano de oito pontos concebido para dar respostas às múltiplas crises de refugiados no mundo.

  • Apenas um décimo dos 1,15 milhão dos mais vulneráveis refugiados estão a ser reinstalados.

  • 86% dos refugiados estão acolhidos em países em desenvolvimento.

  • Apelos das Nações Unidas de apoio aos refugiados continuam grave e cronicamente subfinanciados.

Violência horrível na Síria, no Iraque, no Afeganistão e numerosos conflitos na África subsariana e em várias outras partes do globo fizeram com que a população global de refugiados aumentasse para números históricos. Entretanto, começou a “época de navegação” no Sudeste asiático, em que mais refugiados se irão muito provavelmente juntar aos milhares de rohingya (minoria muçulmana) – em fuga da perseguição em Myanmar/Birmânia – apenas para caírem também nas mãos de traficantes e se tornarem alvo de outros abusos.

A resposta a estas crises de refugiados tem sido vergonhosa, em especial por parte dos países mais ricos do mundo, que têm ignorado os pedidos de ajuda humanitária e de reinstalação das pessoas mais vulneráveis. Os países ricos disponibilizaram vagas de acolhimento a apenas cerca de dez por cento do 1,15 milhão de pessoas que precisam ser reinstaladas. Simultaneamente, países em desenvolvimento acolhem milhões de refugiados praticamente sem nenhum apoio.

“Estas crises múltiplas de refugiados a nível global e sem precedentes estão a deixar milhões de pessoas em desespero, mas a resposta dos países ricos é um falhanço catastrófico. Este é um momento crucial que irá definir o legado dos atuais líderes mundiais para muitas gerações futuras – e a história julgá-los-á duramente, a não ser que mudem de rumo”, avisa o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty. “O regime internacional de proteção dos refugiados, criado como uma salvaguarda essencial depois da II Guerra Mundial, está em risco de ficar em cacos se os líderes mundiais continuarem a falhar de forma deplorável no dever de proteger as pessoas vulneráveis que fogem da guerra e da perseguição. Os refugiados têm o direito internacional a procurar e usufruir de asilo”, prossegue.

Países pobres arcam com o ónus

O aumento no número de refugiados que estão a chegar à União Europeia tem dominado os títulos das notícias nos meses recentes, mas a realidade é que são os países pobres que estão a arcar com o ónus de dar resposta às múltiplas crises de refugiados no mundo. Países em desenvolvimento sobretudo no Médio oriente, em África e na Ásia acolhem atualmente 86% do total de 19,5 milhões de refugiados que existem no mundo inteiro.

Os países mais ricos não estão a fazer o suficiente para partilhar este ónus. Os apelos por ajuda humanitária para a crise de refugiados são consistentemente – e amiúde com enorme gravidade – subfinanciados. Por exemplo, a 2 de outubro, o pedido feito pelas Nações Unidas para financiar a assistência humanitária aos refugiados sírios estava apenas com 46% dos objetivos. E o apelo para o apoio para os refugiados do Sudão do Sul alcançou uns miseráveis 17% do que era pedido.

Isto está a ter um impacto devastador no acesso dos refugiados a alimentos, medicamentos e outra assistência humanitária.

“Quando os líderes do G20 se reunirem no próximo mês, na Turquia, não devem sair da sala antes de acordarem num plano concreto e com prazos claros para garantir um financiamento sustentável e completo para a ajuda humanitária a prestar às múltiplas crises de refugiados no mundo. Qualquer coisa menos do que isto será um falhanço total de liderança”, avalia Salil Shetty.

O secretário-geral da Amnistia Internacional frisa ainda que “em vez de se mostrarem à altura do desafio que esta crise sem precedentes coloca, muitos governos têm estado ocupados a elaborar formas de manterem as pessoas do lado de fora das suas fronteiras, enquanto milhares morrem no mar ou enfrentam condições sórdidas à sombra das cercas de arame farpado”. “Isto é uma falência moral ao mais alto nível”, critica.

Plano de oito pontos

Em última análise, as crises de refugiados acabam quando as causas de origem são resolvidas. Os países devem, por isso, procurar pôr fim aos conflitos e abusos de direitos humanos espalhados pelo mundo – mas estes objetivos são difíceis de alcançar e demoram tempo.

E há coisas que os países mais ricos do globo podem fazer já para diminuir o impacto devastador das crises mundiais de refugiados. A Amnistia Internacional insta a uma ação concertada em oito áreas prioritárias:

  1. Financiamento continuado, suficiente e previsível para as crises de refugiados – todos os apelos de apoio humanitário às crises de refugiados têm de ser totalmente financiados, além de ser providenciado apoio financeiro significativo aos países que acolhem vastos números de refugiados para os ajudar a prestarem serviços aos refugiados assim como às comunidades que os acolhem.

  2. Dar resposta a todas as necessidades de reinstalação identificadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, UNHCR na sigla em inglês) – 1,15 milhão de refugiados vulneráveis precisam atualmente de reinstalação, de acordo com o ACNUR. A Amnistia Internacional estima que este número vá aumentar para 1,45 milhão ao longo dos próximos dois anos.

  3. Rotas seguras e legais para os refugiados – ninguém deveria ter de fazer viagens perigosas para conseguir o seu direito a refúgio. Os Estados têm de facilitar a reunificação de famílias aos refugiados, introduzir vistos humanitários para permitir que os refugiados vulneráveis que não reúnem os requisitos para a reinstalação consigam viajar para esses países e aí requerer asilo, e ainda alocar uma proporção do seu trabalho e programas de vistos para estudantes a refugiados em outros países.

  4. Salvar vidas – os países têm de dar prioridade a salvar as pessoas que se encontram em perigo através da criação de políticas de imigração. Em situações em que as pessoas estão em risco de morte, incluindo – mas não apenas – aqueles que tentam fazer as travessias marítimas, os Estados devem investir em operações de buscas e salvamento, e agirem com prontidão para resgatar as pessoas em perigo.

  5. Garantir acesso aos territórios para os refugiados que chegam às fronteiras – aqueles que procuram asilo devem ser autorizados a passar as fronteiras, independentemente de terem ou não na sua posse documentos válidos de viagem. Os países devem abster-se de adotar quaisquer medidas que impeçam as pessoas de fugirem de um país onde enfrentam perseguição ou violência. E aqui se inclui a refusa de entrada no país sem vistos ou outra documentação, retornos forçados e cercas fronteiriças que barrem os refugiados de entrar num país ou os obrigue a encetar rotas perigosas.

  6. Combater a xenofobia e o racismo – os governos têm de abster-se de conduta ou discurso xenófobos, em que se inclui aludir ou referir que os requerentes de asilo e migrantes têm culpa em problemas económicos e sociais. Os governos têm também de fazer reformas a quaisquer leis ou políticas que explicitamente ou na prática resultem em racismo ou outras formas de discriminação. Devem ainda dotar-se de políticas eficazes para resolver a violência xenófoba e racial.

  7. Combater o tráfico – os países têm de agir de forma efetiva e eficaz na investigação e processamento judicial de grupos criminosos de tráfico de pessoas. Têm também de providenciar proteção e assistência às vítimas do tráfico humano e asseverar que estas pessoas conseguem aceder aos procedimentos de determinação do estatuto de refugiados e/ou oportunidades de reinstalação. Todos os esforços desenvolvidos no combate ao tráfico humano têm de pôr a segurança das pessoas em primeiro lugar.

  8. Ratificação global da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados e desenvolvimento de sistemas nacionais robustos para os refugiados – os países têm de consagrar na lei o direito de procurar e usufruir de asilo, dotar-se de procedimentos nacionais justos para avaliar as pretensões dos refugiados, e garantir aos refugiados os seus direitos fundamentais e acesso a serviços como a educação e cuidados de saúde.

 

A Amnistia Internacional insta os países europeus a darem uma resposta coordenada e eficaz à crise de refugiados, assegurando que estas pessoas chegam ao território da Europa em segurança e que são recebidas com dignidade. De olhos postos nas próximas e importantes reuniões sobre refugiados no seio da União Europeia, com momento decisivo na cimeira de 15 de outubro, assine a petição em que se pede ao Governo português que tenha as necessidades e os interesses dos refugiados no topo das prioridades da agenda política e ajude a abrir a “Fortaleza Europa”.

 

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