4 Maio 2015

As autoridades francesas estão prestes a receber alargados poderes para monitorizar os cidadãos tanto online como fora do mundo digital, depois de a Assembleia Nacional ter aprovado esta terça-feira, 5 de maio, uma nova legislação de vigilância intrusiva que não exigirá autorização de um tribunal para ser feita, alerta a Amnistia Internacional. O projeto-de-lei ainda subirá a votos ao Senado antes da sua promulgação. (atualização a 6 de maio de 2015)

A organização de direitos humanos entende que o aval já antes dado a esta peça legislativa pelo primeiro-ministro francês, Manuel Valls, sem receber validação da mesma pelo poder judicial, não forneceu os freios e contrapesos necessários a esta peça legislativa.

“A proposta-de-lei levará a França para mais perto de um Estado de vigilância, onde nada é segredo a não ser a própria vigilância. Até jornalistas, juízes, políticos e cidadãos que tenham estado involuntariamente em contacto com alegados suspeitos podem ser sujeitos a uma monitorização invasiva”, frisa a vice-diretora da Amnistia Internacional para a região da Europa e Ásia Central, Gauri van Gulik. “As autoridades francesas poderão muito em breve instalar escutas nas casas das pessoas, nos seus carros, nos seus telefones sem autorização prévia de um juiz, mesmo em situações em que não existem suspeitas razoáveis de que possam a estar a fazer algo de errado”, prossegue a perita.

Apesar de o Governo francês apresentar esta iniciativa legislativa como uma medida de antiterrorismo, a sua aprovação irá permitir que o primeiro-ministro autorize operações de vigilância intrusiva com objetivos bastante alargados e indefinidos, como “interesses essenciais de política externa”. Não está esclarecido o que termos tão vagos incorporarão – podem, por exemplo, ser direcionados a pessoas que organizem manifestações pacíficas.

Segundo explicou o chefe de Governo, as autoridades francesas poderão aceder a computadores e a equipamentos de comunicações móveis, rastrear a localização dos cidadãos e espiar os seus emails, mensagens de telemóveis e outras formas de comunicação de qualquer pessoa que entendam possa ter estado em contacto com alguém envolvido em atividades suspeitas, mesmo que o tenha feito involuntariamente.

A proposta-de-lei prevê também que agentes dos serviços secretos, entre outros, coloquem equipamento de gravação em carros e casas, usem sensores de proximidade para mapear os movimentos de uma pessoa, e ainda instalem nos computadores programas que vigiam e gravam aquilo que é pressionado nos teclados (key loggers) em tempo real. E tudo isto sem autorização prévia de um tribunal.

Porta aberta a “caixas negras” online e interceção das comunicações

Com a argumentação do combate ao terrorismo, esta iniciativa legislativa obriga ainda os fornecedores de serviços de Internet e de telecomunicações a instalarem uma espécie de “caixas negras” nas suas infraestruturas para registarem o fluxo de metadata (dados estruturais e descritivos sobre os dados comunicados como, por exemplo, informação sobre quem são as pessoas às quais se escrevem emails ou mensagens na Internet e quando isso é feito).

Em vez de solicitar autorização a um juiz para levar a cabo a operação de vigilância, o chefe de Governo passará a consultar um novo organismo denominado “Comité Nacional de Controlo Técnico da Vigilância” – o qual apenas se pronunciará com recomendações não vinculativas, e não deterá nenhuma autoridade para impedir vigilâncias ilegítimas.

Além disto, esta proposta-de-lei irá depositar nas mãos do primeiro-ministro o poder de autorizar a interceção de comunicações “enviadas para ou recebidas do estrangeiro”. Sem uma definição precisa, esta provisão poderá permitir uma vigilância indiscriminada em larga escala da atividade dos utilizadores de Internet em que os servidores utilizados – como é o caso dos da Google Inc. – estão localizados em outros países. Tal incluirá a monitorização de emails, mesmo se estes forem enviados para pessoas que se encontram no mesmo país do remetente, e ainda a vigilância de informação sensível que esteja alojada e a qual é acedida na Internet, registos confidenciais online, incluindo a marcação de consultas médicas, e informações sobre as buscas feitas na Internet.

As condições requeridas para que este tipo de vigilância seja feito serão posteriormente definidas em decreto-lei de conhecimento público. Já as técnicas a que o Estado recorrerá para levar a cabo a vigilância ficarão determinadas em decreto categorizado como confidencial.

“Esta proposta-de-lei é demasiado vaga, demasiado vasta e deixa muitas perguntas por responder. O Parlamento francês tem de assegurar que medidas que visam proteger as pessoas do terrorismo não vão violar os seus mais básicos direitos”, remata a vice-diretora da Amnistia Internacional para a região da Europa e Ásia Central.

Um eco dos programas do Reino Unido e dos EUA

Com a aprovação desta iniciativa legislativa na Assembleia Nacional, a proposta-de-lei sobe agora para apreciação e voto no Senado, onde poderá ser criada uma comissão especial para a analisar antes de lhe ser dado aval. A proposta fora incialmente debatida no Parlamento entre 13 e 16 de abril passado, após discussões na respetiva comissão, a 1 de abril.

São listados na proposta-de-lei sete “interesses públicos” no âmbito dos quais as agências de serviços secretos podem encetar operações de vigilância. Neles incluem-se a promoção dos “interesses essenciais de política externa” e a prevenção de “qualquer forma de interferência estrangeira”, de “violência coletiva que possa afetar a segurança nacional” e de “delinquência organizada”.

A Amnistia Internacional é demandante em processos legais contra os governos do Reino Unido e dos Estados Unidos, onde são questionados os poderes e programas de vigilância em larga escala naqueles países – e que, em certa medida, ecoam aqueles que o Governo francês quer agora ver aprovados.

 

Integrada na campanha #UnfollowMe, lançada em março passado, a Amnistia Internacional promove uma petição dirigida aos líderes dos países da Aliança dos Cinco Olhos (Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), instando-os a respeitarem o direito à privacidade, e a banirem a vigilância indiscriminada em larga escala e a partilha ilegal de dados privados dos cidadãos pelas agências de serviços secretos. Assine!

 

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