16 Janeiro 2015

A vaga de pelo menos 69 detenções em França esta semana com base em acusações vagas de “apologia do terrorismo” arrisca-se a violar a liberdade de expressão no país, defende a Amnistia Internacional.

Todas as detenções feitas nestes últimos dias parecerem alicerçar-se em declarações feitas por aquelas pessoas após o ataque brutal à redação do jornal semanário satírico Charlie Hebdo, a um supermercado kosher e contra unidades das forças de segurança em Paris, nos dias 7 e 9 de janeiro.

“Na mesma semana em que líderes mundiais e milhões de pessoas por todo o mundo se fizeram ouvir em defesa da liberdade de expressão, as autoridades francesas têm de agir com o maior cuidado e zelo para não violarem elas próprias este direito fundamental”, alerta o diretor do Programa Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional, John Dalhuisen.

A forma como as autoridades francesas vão agir “depois das mortes horríveis [em Paris] constitui uma prova de fogo do seu compromisso com os direitos humanos para todos”, prossegue o perito.

Estas detenções e formulações de acusações são as primeiras a serem levadas a cabo ao abrigo da lei de antiterrorismo francesa, em vigor desde novembro de 2014. Alicerçam-se num artigo do código penal, segundo o qual o “incitamento” ou “apologia” do terrorismo é punível até cinco anos de prisão e uma multa de 45.000€, penas que são agravadas para sete anos de prisão e multa de 100.000€ caso o “incitamento” ou “apologia” sejam feitas na publicação de algum conteúdo na internet.

Tanto o “incitamento” como a “apologia” do terrorismo eram já ofensas em França, mas a lei de novembro passado mudou-as do enquadramento da lei de imprensa para o código penal. E isto significa que o processo pode ser acelerado judicialmente pelas autoridades, o que já se verificou em alguns dos casos que emergiram esta semana.

Além do muito publicitado caso do comediante Dieudonné M’bala M’bala, outros casos envolvem um homem que gritou nas ruas “tenho orgulho em ser muçulmano, não gosto do Charlie e eles [os atacantes] fizeram bem”, assim como um outro indivíduo, que se encontrava alcoolizado, e que ao ser detido por conduzir sob o efeito de álcool terá dito ao polícia que “deviam haver mais irmãos Kouachi e espero que sejas o próximo”.

Um outro caso envolve um indivíduo de 21 anos que foi apanhado a viajar num elétrico sem bilhete e acabou condenado a dez meses de prisão por ter alegadamente afirmado: “Os irmãos Kouachi são só o começo. Eu devia ter estado com eles para matar mais gente”.

Vários destes casos foram já levados a tribunal, de onde saíram com condenações emitidas em processos sumários. As detenções, investigações e condenações foram conduzidas após a emissão de uma circular pela ministra da Justiça, Christiane Taubira, com instruções para os procuradores no sentido de que “palavras ou irregularidades, de ódio ou desprezo, ditas ou cometidas contra alguém devido à sua religião, têm de ser combatidas e enfrentadas com extremo vigor”.

Os Governos estão obrigados à luz da lei internacional de direitos humanos a proibir a defesa e promoção do ódio racial, religioso ou de nacionalidade que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência. Mas ofensas criminais vagamente definidas como “apologia do terrorismo” arriscam que sejam criminalizadas declarações e outras formas de expressão que ficam aquém de incitar outros à violência ou à discriminação, mesmo que indubitavelmente sejam ofensivas para muitos.

Os tratados internacionais de prevenção do terrorismo preveem a criminalização do incitamento à execução e planeamento de um ato terrorista. Mas existe um enorme e verdadeiro risco de que conceitos como “apologia do terrorismo” sejam usados para criminalizar declarações feitas sem a necessária intencionalidade e a probabilidade direta e imediata de que as mesmas provoquem tal violência.

Alguns dos casos reportados em França nesta última semana podem ultrapassar o limiar fundamental de expressão que os torna de forma legítima passíveis de uma acusação por parte dos procuradores. Outros, porém, apesar de serem declarações ofensivas, não ultrapassam essa fronteira.

“A liberdade de expressão não tem favoritos. E este não é o momento para acusações judiciais impulsivas, antes de respostas bem ponderadas que protejam vidas e respeitem os direitos de todos”, remata John Dalhuisen.

 

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