17 Julho 2020

A Amnistia Internacional apela aos líderes do G20, que irão reunir-se esta semana, para que tomem medidas sem precedentes de combate às desigualdades globais que estão a agudizar as crises da COVID-19 e das alterações climáticas – duas das maiores ameaças aos direitos humanos dos nossos tempos.

Os ministros das finanças do G20, que irão reunir-se a 18 e 19 de julho, deverão comprometer-se a cancelar a dívida dos países mais pobres do mundo, a alavancar os investimentos na proteção social e da saúde e a eliminar progressivamente a dependência dos combustíveis fósseis para permitir uma recuperação justa e sustentável da pandemia.

A COVID-19 expôs as desigualdades gritantes que existem no nosso mundo. Para construirmos resiliência a crises futuras, temos que introduzir mudanças estruturais a longo prazo que irão exigir coragem e liderança por parte dos países do G20.

Julie Verhaar, Secretária-geral Adjunta da Amnistia

“As prioridades questionáveis dos ricos e poderosos levaram-nos a um estado de emergência global. Os países do G20 devem romper com o passado e investir nas pessoas e nos direitos humanos, abrindo o caminho para uma recuperação justa, sustentável e inclusiva.”

Cancelamento da dívida

A Amnistia Internacional apela ao G20 para que cancele a dívida dos países mais pobres por um período mínimo de dois anos, libertando assim recursos para os países responderem à pandemia da COVID-19.

Os 77 países mais pobres gastarão quase 85 000 milhões de dólares em pagamentos de dívida em 2020 e 2021. Cerca de 40% deste montante representa a dívida aos países ricos e o restante a instituições internacionais e a credores privados. Segundo a Campanha para o Jubileu da Dívida, 64 países gastam mais nos pagamentos da dívida que nos serviços de saúde pública.

Em abril, o G20 comprometeu-se a suspender até 12 mil milhões de dólares de pagamentos de dívida de 77 países em 2020 – mas os Estados que queiram aceitar esta oferta terão ainda a obrigação de pagar este dinheiro, com juros, em anos futuros.

“Deveria ser impensável qualquer país gastar mais dinheiro em pagamentos de dívida do que nos cuidados de saúde perante uma situação de pandemia. O atual plano do G20 não só não dá a resposta necessária no presente como acumula problemas que irão impedir os países de recuperar no futuro,” comentou Julie Verhaar.

“O serviço da dívida nunca deveria ter precedência sobre os esforços para garantir os direitos humanos. O G20 deve impedir que os países mais pobres do mundo fiquem presos num ciclo vicioso de dívida, doença e paralisia económica.”

À luz da legislação internacional em matéria de direitos humanos, os países mais ricos, incluindo os países do G20, têm a obrigação de auxiliar os países com dificuldades na mobilização do financiamento necessário para enfrentar a pandemia.

A Amnistia Internacional apela ainda para que o cancelamento da dívida seja acompanhado por mecanismos robustos de transparência e responsabilização em todos os países doadores e beneficiários, para assegurar que o dinheiro libertado não tenha como destino a corrupção ou o esbanjamento. O cancelamento da dívida deve ser uma medida adicional a outras formas de auxílio financeiro e não meramente realocado de outras áreas de auxílio já existentes.

O Secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou no mês passado que é necessária uma resposta multilateral coordenada e abrangente, em grande escala, correspondente a pelo menos 10 por cento do PIB global, para fazer face ao impacto da COVID-19.

Recuperação inclusiva e justiça climática

Na sua última reunião em abril, os ministros das finanças do G20 comprometeram-se a “apoiar uma recuperação ambientalmente sustentável e inclusiva”, coerente com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Essa recuperação deve incluir o investimento na saúde, um novo plano de proteção social e investimento em setores que ofereçam empregos dignos e amigos do ambiente.

Contudo, nos últimos meses, vários países, tais como os EUA, o Reino Unido e a Rússia, permitiram que empresas de combustíveis fósseis, do setor da aviação e outras indústrias responsáveis por emissões poluentes de dióxido de carbono beneficiassem de medidas de estímulo económico, tais como reduções fiscais e empréstimos. Estes foram concedidos em grande parte sem condições associadas, o que significa que estas indústrias podem continuar a operar e até a expandir-se sem compromisso de redução de emissões ou sem utilizar o auxílio do governo exclusivamente para apoiar os seus funcionários.

Dada a dimensão das suas economias e o seu contributo para a crise climática, os países do G20 devem liderar na adoção de pacotes de estímulo e medidas de recuperação que facilitem a transição para uma economia de zero emissões de carbono, fomentem a resiliência social e coloquem as pessoas e os seus direitos humanos – especialmente os mais afetados pela transição – no centro das suas preocupações.

Isto significa absterem-se de medidas de viabilização incondicional das empresas de combustíveis fósseis e de aviação e investirem antes em energias renováveis, produzidas com respeito pelos direitos humanos. Os países do G20 devem assegurar que todos os trabalhadores e comunidades dependentes de setores afetados pela transição para uma economia de carbono zero sejam apoiados na obtenção de postos de trabalho dignos e ecológicos, bem como na manutenção de um nível de vida adequado.

A não ser que sejam desencadeadas iniciativas rápidas para combater a crise climática, a pandemia da COVID-19 é apenas a ponta do icebergue no que toca às ameaças que pairam sobre a humanidade

Julie Verhaar

Contexto

A COVID-19 obrigou à realização de uma reunião virtual do G20, em 18 e 19 de julho.

A grande maioria dos Estados, nomeadamente os 17 Estados-membros do G20, são signatários de tratados de direitos humanos, que preveem a obrigação de dar resposta a pedidos de cooperação e auxílio internacional, tais como o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC).

O Comentário Geral 14 do PIDESC declara que, dado que algumas doenças são facilmente transmissíveis para além das fronteiras de um Estado, a comunidade internacional tem a responsabilidade coletiva de intervir para resolver este problema. Os Estados economicamente desenvolvidos têm uma responsabilidade e interesse acrescidos em auxiliar os Estados mais desfavorecidos neste domínio.

Os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre dívida externa e direitos humanos determinam que os pagamentos da dívida externa não devem interferir nos esforços dos governos beneficiários para cumprir com as suas obrigações fundamentais de direitos humanos, nomeadamente no que se relaciona com os direitos económicos e sociais, tais como a saúde, a proteção social e a subsistência, e devem ser renegociados com os credores em conformidade com estes princípios.

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