18 Agosto 2022

A Amnistia Internacional considerou esta quinta-feira que as autoridades da Guiné Equatorial devem parar imediatamente de deter jovens, de forma arbitrária e indiscriminada, sob o pretexto da sua ação contra os crimes de gangues, na sequência da recolha de inúmeros testemunhos relacionados com as detenções.

Em resposta a um alegado aumento da criminalidade por gangues de jovens, nomeadamente o grupo conhecido como os “8 Machetes”, o vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Nguema Obiang Mangue, lançou um plano nacional de combate aos gangues, no início de maio, denominado pelas autoridades como “Operação de Limpeza”.

A 9 de maio de 2022, Teodoro Mangue afirmou na televisão nacional que tinha decidido lançar a operação “para limpar” as ruas da Guiné Equatorial “de criminosos e bandidos” e destacar “o caminho certo” para os jovens criminosos.

“Sob o pretexto de combater a criminalidade, os jovens estão a ser arbitrariamente presos e detidos, sendo muitos deles vítimas de tortura ou outros maus tratos, perdendo a vida, ou desaparecendo à força”

Marta Colomer

“A ‘Operação de Limpeza’ na Guiné Equatorial é profundamente preocupante, uma vez que conduz a uma violação flagrante dos direitos humanos. Sob o pretexto de combater a criminalidade, os jovens estão a ser arbitrariamente presos e detidos, sendo muitos deles vítimas de tortura ou outros maus tratos, perdendo a vida, ou desaparecendo à força”, disse Marta Colomer, responsável de campanhas da Amnistia Internacional para a África Ocidental.

“As autoridades da Guiné Equatorial devem colocar imediatamente termo a esta campanha, que equivale a um ataque direcionado aos direitos humanos. É possível tratar de casos criminais, respeitando ao mesmo tempo os direitos humanos”, afirmou.

 

Detenções em massa e recolher obrigatório

O plano do governo da Guiné Equatorial determinou um recolher obrigatório para os jovens, bem como a detenção de suspeitos de crimes para prisões de alta segurança. Durante o mês de maio, em apenas uma semana, mais de 400 jovens foram presos, enquanto três meses depois, milhares de jovens foram alegadamente detidos em todo o país. Devido à falta de provas em alguns casos, alguns juízes decidiram conceder a liberdade condicional aos detidos. No entanto, pelo menos dois dos detidos morreram na prisão.

A Amnistia Internacional falou com familiares de pessoas presas e detidas. Em muitos casos, revelaram que os seus familiares foram maltratados pelas forças de segurança durante a sua prisão e detenção.

Rubén, um jovem de 21 anos de Campo-Yaunde, foi preso com um grupo de outros jovens no dia 20 de maio, enquanto se reunia na zona de Campo-Yaunde, em Malabo, a capital do país. O grupo tinha sido descrito pelas autoridades como criminoso. A 6 de junho, morreu na prisão. A família recebeu o seu corpo e um relatório médico que indicava que Rubén tinha sofrido de dificuldades respiratórias e anorexia, entre outros problemas de saúde. A família afirma que Rubén não tinha problemas de saúde na altura da sua prisão.

Um irmão mais velho de dois rapazes presos disse à Amnistia Internacional: “O governo está a reagir às ações de um gangue criminoso que estava a roubar pessoas, mas eles estão a levar pessoas ao acaso. Alguns são criminosos, mas outros são apenas homens inocentes. Eles não investigam. Nós não somos os únicos afetados. Muitas famílias são também afetadas em todo o país”.

 

“Ele é um gangster, e nós vamos prendê-lo”

O paradeiro de muitos jovens arbitrariamente presos pelas forças de segurança permanece desconhecido e as suas famílias são, muitas vezes, deixadas sem qualquer informação.

Lucas, de 24 anos, foi preso pela Força de Intervenção Rápida a 8 de maio, enquanto passava tempo com a sua namorada e outros amigos. Foram levados para a Esquadra Central da Polícia, em Malabo. Quando a namorada de Lucas, Anita, tentou visitá-lo, a polícia disse que o seu namorado “é um gangster, e nós vamos prendê-lo”.

Através de fontes informais, a família teve conhecimento que Lucas está alegadamente detido em Black Beach, uma prisão de alta segurança em Malabo. No entanto, ninguém conseguiu confirmar esta informação. A falta de informação oficial sobre o seu destino ou paradeiro pode transformar a sua privação de liberdade num desaparecimento forçado – um crime à luz do Direito Internacional.

Anita disse à Amnistia Internacional: “A única coisa que estão a dizer é que nenhum dos detidos é inocente. Se em algum momento se provar que são inocentes, então serão libertados. O que aconteceu a Lucas está a acontecer em todo o país. Não apenas em Malabo”.

Santiago, estudante de 22 anos do município de Bata, foi arbitrariamente detido pela polícia e assim permanece  há três meses. Embora as forças policiais tenham dito à sua família que não havia provas da criminalidade de Santiago, exigiu um pagamento de 100.000 CFA (cerca de 150 dólares) pela sua libertação. Como a família não tem possibilidades de pagar a fiança, Santiago permanece detido num local desconhecido.

“Todas as esquadras de polícia estão sobrelotadas com jovens rapazes que foram detidos. No outro dia, quando lá fui, havia pelo menos mais de 400 rapazes”, disse o pai de Santiago.

De acordo com a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que a Guiné Equatorial integra, as pessoas presas e detidas têm o direito de contactar um membro da família ou outra pessoa à sua escolha. Alguns dias antes do lançamento da “Operação de Limpeza”, o presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo disse ao povo da Guiné Equatorial que o plano não prejudica os direitos humanos, e que as organizações internacionais de direitos humanos que o criticam estão a tentar desestabilizar o país.

“As autoridades devem facultar urgentemente informações transparentes sobre mortes na sequência de detenções e tortura, e outros maus-tratos. Devem também assegurar que os suspeitos de cometerem crimes enfrentem a justiça em julgamentos justos perante os tribunais civis comuns, e libertar todos aqueles que tenham sido arbitrariamente presos e detidos”, disse Marta Colomer.

 

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