Tortura, detenções arbitrárias e execuções extrajudiciais fazem parte da lista de abusos cometidos em quatro décadas de Teodoro Obiang como presidente da Guiné Equatorial. A estes juntam-se ainda a perseguição de críticos ou a pena de morte, cuja abolição foi prometida quando o país entrou na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
“Os cidadãos do país que completam 40 anos, em 2019, nasceram e cresceram num país onde os direitos humanos foram violados de forma constante e sistemática. As pessoas viveram muito tempo com medo”, lembra Marta Colomer, responsável de campanhas da Amnistia Internacional para a África Ocidental.
Obiang ocupa o poder desde 3 de agosto de 1979, após um golpe de Estado contra o tio e então presidente Francisco Masie Nguema, executado no mês seguinte. Desde então, adensou-se o preocupante declínio nos direitos humanos, documentado pela Amnistia Internacional.
“A não ser que o seu governo tome medidas significativas para fazer cumprir a lei, respeite plenamente os direitos humanos e acabe com a repressão, o número de vítimas de violações dos direitos humanos na Guiné Equatorial continuará a crescer”
Marta Colomer, responsável de campanhas da Amnistia Internacional para a África Ocidental
“Houve vislumbres de esperança, como a lei de 2006 que proíbe a tortura e o recente anúncio de um projeto para abolir a pena de morte. No entanto, a não ser que o seu governo tome medidas significativas para fazer cumprir a lei, respeite plenamente os direitos humanos e acabe com a repressão, o número de vítimas de violações dos direitos humanos na Guiné Equatorial continuará a crescer. Isso deve parar”, insta Marta Colomer.
Tortura instituída
Do currículo negro de Obiang consta a prisão de opositores políticos e defensores dos direitos humanos através de acusações forjadas. Muitos foram alvo de tortura, sendo que o período de 1988 a 2009 corresponde ao mais grave.
Membros do partido Unión Popular foram visados em atos desta natureza. Em fevereiro e março de 2009, dez acabaram detidos e torturados nas esquadras de Bata e Malabo.
Os relatos são perturbadores. Amarrados no chão, com papéis enfiados na boca, sacos na cabeça ou presos pelos pés, enquanto eram espancados. Embora alguns dos responsáveis pela tortura tenham sido identificados, não houve lugar a investigações nem julgamentos.
Já em setembro deste ano, o ativista Joaquín Elo Ayeto, membro do partido Convergencia para la Democracia Social, foi detido em casa, em Malabo. Depois, acabou pendurado pelas mãos e espancado por agentes da polícia que tentavam obter a sua confissão pelo alegado envolvimento num plano para matar Obiang.
Outros prisioneiros relataram métodos de tortura com choques elétricos, pedras pesadas sobre as costas ou asfixia.
“O amordaçar de dissidentes pelo presidente Obiang teve um efeito devastador e assustador sobre os defensores dos direitos humanos, jornalistas e ativistas políticos. Têm sido, persistentemente, visados apenas pelo exercício do direito à liberdade de expressão, reunião pacífica e associação”
Marta Colomer, responsável de campanhas da Amnistia Internacional para a África Ocidental
A minoria étnica Bubi também denunciou ter sido visada pelas autoridades, em 1998, quando estas procuravam extrair confissões após um conjunto de ataques a quartéis militares que provocaram a morte a três soldados e a vários civis. A Amnistia Internacional documentou interrogatórios em que as pessoas foram suspensas com as mãos e os pés amarrados. As represálias também incluíram pontapés, socos e orelhas cortadas com lâminas de barbear ou baionetas. As mulheres foram humilhadas, publicamente, no pátio da esquadra de Malabo e forçadas a nadar sem roupa na lama. Há ainda registo de abusos sexuais e, pelo menos, seis vítimas mortais que sucumbiram à violência e maus-tratos.
Execuções extrajudiciais
As execuções de Obiang começaram no mês seguinte ao golpe de Estado que o conduziu ao poder. Foram proferidas sentenças de morte a sete homens, incluindo ao ex-presidente Francisco Masie Nguema. Menos de cinco horas depois, um pelotão de fuzilamento cumpriu a ordem.
Em maio de 2012, o dissidente Blas Engó foi baleado a curta distância, por um soldado, quando tentava fugir da prisão de Bata com outros 46 condenados. No mesmo mês, um oficial do exército matou Oumar Koné, um cidadão do Mali, por este se recusar a pagar um suborno. Em janeiro de 2014, nove homens condenados por homicídio foram executados, 13 dias antes de ter sido estabelecida uma moratória temporária sobre a pena de morte.
Nem as crianças escapam
O futebol costuma ser um momento de festa, mas a edição de 2015 da Taça das Nações Africanas, que teve lugar na Guiné Equatorial, ficou marcada pela detenção arbitrária de 300 jovens, entre os quais menores de idade. A maioria foi retirada das suas casas, pela calada da noite, ou capturada em ruas bem distantes dos estádios de futebol.
O destino de todos foi a Esquadra Central de Malabo, onde cada um recebeu 20 a 30 chicotadas. Além disso, foram atirados para celas sobrelotadas e com pouca ventilação, ocupadas por adultos. A libertação de muitos chegou depois de as famílias pagarem subornos a polícias. Ainda assim, tiveram de comparecer em tribunal, mas nenhuma acusação foi formalizada.
Independência judicial questionável
As quatro décadas de Obiang no poder também ficaram marcadas pela falta de independência da justiça. Um dos casos mais recentes levou à condenação de 112 pessoas, durante um julgamento em massa, na cidade de Bata, após uma alegada tentativa de golpe de Estado, ocorrida em dezembro de 2017. A defesa invocou irregularidades processuais na decisão, mas sem qualquer tipo de sucesso. Já este ano, foi emitida uma ordem judicial para a libertação imediata de Bertin Koovi, um opositor político e ativista do Benin, que continua detido em Bata.
“O amordaçar de dissidentes pelo presidente Obiang teve um efeito devastador e assustador sobre os defensores dos direitos humanos, jornalistas e ativistas políticos. Têm sido, persistentemente, visados apenas pelo exercício do direito à liberdade de expressão, reunião pacífica e associação”, nota Marta Colomer. A Amnistia Internacional exige que o presidente da Guiné Equatorial inaugure “uma nova era em que os direitos humanos são, total e efetivamente, respeitados, protegidos, promovidos e cumpridos”.