26 Setembro 2015

A descuidada investigação feita pelas autoridades mexicanas aos desaparecimentos forçados dos 43 estudantes da Escola de Ayotzinapa, no estado de Gerrero, há um ano já, expõe o escandaloso encobrimento orquestrado aos mais altos níveis da governação no país para não se chegar à verdade e responsabilização, sustenta a Amnistia Internacional.

“O que aconteceu em Ayotzinapa é uma das piores tragédias de direitos humanos na história recente do México. Expõe com toda a clareza como qualquer pessoa pode ser alvo de desaparecimento forçado no país e que aqueles que estão no poder apenas se vão preocupar em apagar as pistas. Se o Presidente do México, Enrique Peña Nieto, não agir agora de forma eficaz continuará a ser visto pelo mundo como um facilitador de que sejam cometidos horrores”, aponta a diretora da Amnistia Internacional para a região das Américas, Erika Guevara-Rosas.

O Governo mexicano tem revelado “uma determinação inabalável para convencer o mundo de que os estudantes foram mortos por um gangue de drogas e que os seus corpos queimados numa lixeira, o que está a desviar as atenções e esforços de quaisquer outras linhas válidas de investigação”, explica a perita da organização de direitos humanos. “[As autoridades] têm de analisar, em especial, o papel das agências militares e policiais nesta tragédia, tendo estas falhado redondamente em agir apesar de saberem dos abusos que estavam a ser cometidos contra os estudantes quando estes estavam a acontecer”, avança ainda.

Os 43 estudantes da Escola Rural Raúl Isidro Burgos (conhecida na região como Escola Rural de Ayotzinapa) desapareceram após terem sido detidos pela polícia municipal quando viajavam para participar numa manifestação na Cidade do México, na noite de 26 de setembro de 2014.

Recentemente foi identificado o corpo de um dos estudantes: Alexander Mora Venancio, de 19 anos, cujos restos mortais terão sido encontrados num saco de lixo junto a um rio. As autoridades mexicanas declararam, também recentemente, que naquele mesmo saco se encontrava um osso do cadáver de Jhosivani Guerrero de la Cruz, outro dos estudantes de Ayotzinapa, com 20 anos. Peritos da Equipa de Antropologia Forense da Argentina contestaram estas declarações, porém, avançando que os testes de ADN que foram feitos aos restos mortais encontrados tiveram resultados “inconclusivos”.

Também o Grupo Interdisciplinar de Peritos Independentes nomeado pela Comissão InterAmericana de Direitos Humanos refutou o relato oficial do Governo mexicano sobre o sucedido em Ayotzinapa: num relatório publicado a 6 de setembro, aquele organismo sustentou ser cientificamente impossível que aquele número de corpos fosse queimado numa lixeira da forma descrita pelas autoridades.

Investigações repletas de falhas

Outras falhas graves nas investigações oficiais ao desaparecimento forçado dos 43 estudantes incluem o manuseamento negligente de provas forenses cruciais, algumas das quais não foram sequer devidamente processadas e registadas.

As equipas oficiais que chegaram ao terreno, na cidade de Iguala, na noite em que os estudantes foram detidos pela polícia municipal, não tiraram fotografias, não fizeram recolha de amostras de sangue, nem de roupas nem de impressões digitais. Várias zonas da cena do crime não foram sequer processadas.

As autoridades mexicanas também impediram que peritos independentes entrevistassem os soldados do 27º batalhão de Infantaria, aquartelados na cidade em que os estudantes de Ayotzinapa foram detidos. Documentos dos serviços secretos, entretanto desclassificados, vieram revelar que oficiais militares em Iguala tiveram conhecimento das detenções ilegais que foram feitas, assim como dos abusos cometidos contra os estudantes.

“Se o Governo está convicto de que os militares não têm nenhuma informação relevante a dar, porque estão tão preocupados? Impedir que os [os testemunhos dos] soldados façam parte das investigações levanta perguntas alarmantes”, frisa Erika Guevara-Rosas.

Desde que os estudantes foram detidos e alvos de desaparecimento forçado, a 26 de setembro de 2014, mais de cem pessoas foram detidas no âmbito deste caso: cerca de 50% delas sendo polícias e a outra metade membros de gangues criminosos. Alguns denunciaram terem sido torturados para que confessassem o rapto dos estudantes de Ayotzinapa.

“A falta de transparência neste caso e a forma como os familiares dos estudantes estão a ser tratados são assombrosas, até no contexto de um país que se mostra totalmente incapaz de resolver os abusos de direitos humanos”, critica a diretora da Amnistia Internacional para a região das Américas. “As autoridades mexicanas têm de parar de brincar com os familiares dos estudantes de Ayotzinapa. E têm de redirecionar urgentemente as investigações e, entre outras medidas, permitir aos peritos independentes o acesso a todos os crematórios na cidade de Iguala e arredores”, insta ainda Erika Guevara-Rosas.

Pelo menos 70 valas comuns foram descobertas desde o desaparecimento dos 43 estudantes, nas quais se encontraram os corpos de dezenas de pessoas. E a maior parte destes corpos não foram ainda identificados. A tragédia do desaparecimento de Ayotzinapa ocorreu num contexto de enorme crise de direitos humanos no México, em que mais de 26.500 pessoas foram dadas como desaparecidas no país nos anos recentes, mais de metade delas já durante a presidência de Peña Nieto, o qual assumiu o poder em 2012.

 

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