2 Agosto 2017

Os órgãos judiciais e de segurança do Irão têm exercido uma repressão perversa contra os defensores de direitos humanos desde que Hassan Rouhani se tornou Presidente do país em 2013, demonizando e pondo nas prisões ativistas que ousam defender os direitos das pessoas, sustenta a Amnistia Internacional em novo relatório, publicado esta quarta-feira, 2 de agosto.

“Caught in a web of repression: Iran’s human rights defenders under attack” (Apanhados numa teia de repressão: os defensores de direitos humanos sob ataque no Irão) revela que dezenas de ativistas de direitos humanos – frequentemente rotulados como “agentes estrangeiros” e “traidores” pelos órgãos de comunicação social estatais iranianos – foram processados judicialmente e presos com base em acusações falsas de “segurança nacional”. Esta perseguição consistente deferiu um enorme golpe nas esperanças que se acalentavam em reformas de direitos humanos durante a campanha da primeira eleição de Rouhani, o qual foi reeleito já este ano para um segundo mandato.

Alguns dos ativistas cujos casos são analisados neste relatório foram condenados a penas de mais de dez anos de prisão por atos tão simples como contactarem com as Nações Unidas (ONU), a União Europeia (UE) ou organizações de direitos humanos como a Amnistia Internacional.

“É de uma enorme ironia que ao mesmo tempo que as autoridades iranianas se vangloriam do maior envolvimento com a ONU e com a UE, especialmente no seguimento do acordo sobre o nuclear, defensores de direitos humanos que contactaram com essas mesmas instituições são tratados como criminosos”, frisa o diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para a região do Médio Oriente e Norte de África, Philip Luther.

O perito insta a que “em vez de propagarem o mito perigoso de que os defensores de direitos humanos constituem uma ameaça à segurança nacional, as autoridades do Irão deviam centrar-se em resolver as preocupações legítimas que eles expressam”. “Estas pessoas arriscaram tudo para construir uma sociedade mais humana e justa. É chocante que sejam tão perversamente punidas pela sua bravura”, defende.

UE não pode ficar em silêncio

A Amnistia Internacional exorta a UE, que anunciou em 2016 planos para relançar o diálogo bilateral de direitos humanos com o Irão, a fazer-se ouvir nos mais firmes termos contra a perseguição feita aos defensores de direitos humanos no país. “A comunidade internacional e, em particular, a UE não podem ficar em silêncio sobre o tratamento ultrajante a que são sujeitos os defensores de direitos humanos no Irão”, sublinha Philip Luther.

O diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para a região do Médio Oriente e Norte de África sustenta também que “em vez de apaziguar os responsáveis iranianos, a UE tem é de requerer vigorosamente a libertação imediata e incondicional de quem está nas prisões pelo seu ativismo pacífico de direitos humanos, assim como o fim do mau uso do sistema de justiça para silenciar ativistas”.

O relatório “Caught in a web of repression” apresenta uma visão abrangente da repressão com que é visada uma vasta diversidade de defensores de direitos humanos que trabalham em cruciais frentes de combate pelos direitos e liberdades fundamentais no Irão. Nos 45 casos analisados nesta investigação estão ativistas contra a pena de morte, ativistas dos direitos da mulher, ativistas dos direitos de minorias, advogados de direitos humanos e ativistas que lutam pela verdade, pela justiça e por ressarcimento pelas execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados maciços ocorridos durante a década de 1980.

Cerco apertado sobre os defensores

Ao longo dos últimos quatro anos, as autoridades judiciais iranianas baixaram o limiar na invocação de acusações vagas e execessivamente amplas relacionadas com a segurança nacional e, simultaneamente, aumentaram de forma drástica a duração das penas de prisão a que são condenados os defensores de direitos humanos. A liderança do sistema judicial no Irão é nomeada pelo Líder Supremo.

Caso após caso, as pessoas têm sido condenadas em longas penas de prisão, para algumas excedendo uma década, por atos que nunca deviam sequer ser considerados crimes. Nisto se incluem terem contactado com a ONU e com a UE, assim como com órgãos de comunicação social, com associações sindicais internacionais e com grupos de direitos humanos com sede fora do Irão, incluindo a Amnistia Internacional.

Um dos casos mais emblemáticos é o do ativista de direitos humanos Arash Sadeghi, o qual se encontra doente em estado crítico e cumpre uma pena de 19 anos de prisão por “ofensas” que incluem comunicações com a Amnistia Internacional e o envio de informações ao relator especial da ONU sobre a situação de direitos humanos no Irão, assim como a membros do Parlamento Europeu.

Apesar do seu crítico estado de saúde, as autoridades iranianas bloquearam repetidamente a transferência do ativista para um hospital fora da prisão, em represália pela greve de fome que Arash Sadeghi fez entre outubro de 2016 e janeiro de 2017, num protesto contra o encarceramento da mulher, Golrokh Ebrahimi Iraee, por ter escrito uma história de ficção sobre o apedrejamento.

E a renomada defensora de direitos humanos Narges Mohammadi, que dirigia o Centro de Defensores de Direitos Humanos no Irão, cumpre uma pena de 16 anos de prisão, também devido ao trabalho de direitos humanos que desenvolvia. O caso-crime contra ela foi aberto em represália por se ter reunido com a então chefe da diplomacia da União Europeia, Catherine Ashton, no Dia Internacional da Mulher em 2014.

Por seu lado, a ativista Raheleh Rahemipour foi condenada a um ano de prisão depois de a ONU ter pedido informações às autoridades iranianas sobre os desaparecimentos forçados do seu irmão e sobrinha durante a década de 1980.

Tentativa de isolamento

“Esta é uma tentativa sinistra e deliberada por parte das autoridades do Irão para isolarem os defensores de direitos humanos do mundo exterior e impedi-los de questionarem a narrativa oficial sobre a situação de direitos humanos no país”, avalia Philip Luther.

Sindicalistas como Esmail Abdi e Davoud Razavi também foram alvo de perseguição e de penas de prisão após terem contactado com organizações internacionais, incluindo a Organização Internacional do Trabalho.

Também ativistas dos direitos das minorias não foram poupados à repressão. Alireza Farshi, membro da minoria dos turcos azeris no Irão, foi condenado a 15 anos de prisão por “ofensas” em que se inclui ter escrito uma carta à UNESCO com o propósito de organizar um evento comemorativo do Dia Internacional da Língua Materna.

Julgamentos grosseiramente injustos

Os defensores de direitos humanos cujos casos são expostos no relatório “Caught in a web of repression” foram todos condenados em julgamentos que decorreram de forma grosseiramente injusta nos tribunais revolucionários.

Os julgamentos são frequentemente de enorme brevidade. Por exemplo: Atena Daemi e Omid Alishenas, ativistas contra a pena de morte, foram julgados e condenados a 14 e a dez anos de prisão, respetivamente, numa única audiência, em março de 2015, que não durou mais do que 45 minutos. As penas foram reduzidas em instância de recurso para sete anos.

Estes julgamentos de defensores de direitos humanos decorrem geralmente num clima de medo profundo, com os advogados a serem confrontados com uma série de medidas abusivas: desde tentativas das autoridades em limitarem arbitrariamente as visitas dos advogados aos arguidos ou a restringirem a comunicação em privado, ou ainda protelando o acesso dos juristas aos processos judiciais.

Quando os advogados de direitos humanos denunciam tortura ou procedimentos judiciais injustos são igualmente visados com uma perseguição implacável. O proeminente advogado de direitos humanos Abdolfattah Soltani cumpre uma pena de 13 anos de prisão desde 2011 pelo corajoso trabalho de defesa dos direitos humanos feito, incluindo no Centro de Defensores de Direitos Humanos.

Estes casos de ativistas e defensores de direitos humanos estão também no centro da campanha global da Amnistia Internacional BRAVE, com a qual a organização de direitos humanos lança o apelo para a cessação dos ataques contra todos os que se batem pelos direitos humanos no mundo inteiro.

  • 10 milhões

    Existem cerca de 10 milhões de pessoas presas no mundo inteiro, em qualquer momento.
  • 3,2 milhões

    Estima-se que 3,2 milhões de pessoas que se encontram na prisão ainda aguardem julgamento.

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