19 Março 2015

As autoridades iranianas têm de demonstrar que a participação do país na revisão periódica no Conselho de Direitos Humanos nas Nações Unidas, esta quinta-feira, em Genebra, é mais do que um exercício de relações públicas – e deve fazê-lo começando por anular de forma definitiva a execução de Saman Naseem, condenado à morte por um alegado crime cometido quando ainda era menor, insta a Amnistia Internacional.

Para a organização de direitos humanos é crucial que as autoridades iranianas não só anulem a execução mas também procedam a uma revisão judicial do processo de Saman Naseem, membro da minoria curda iraniana. Saman Naseem foi condenado à pena de morte na sequência de um julgamento manifestamente injusto, cuja sentença se fundamentou em “confissões” extraídas sob tortura e a sua execução estava marcada para 19 de fevereiro passado, um mês antes da sessão do Conselho de Direitos Humanos em que o Irão é reavaliado.

A Amnistia Internacional apurou que a execução de Saman Naseem não foi feita na data para que estava marcada, mas até agora as autoridades recusam-se a divulgar o seu destino e paradeiro. “Tememos que as autoridades iranianas tenham adiado a execução de Saman Naseem apenas para evitarem críticas na sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU [a 19 de março], o que o coloca num ainda maior risco de execução assim que a reavaliação do Irão terminar”, frisa a vice-diretora da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Hassiba Hadj Sahraoui.

“As autoridades iranianas têm de mostrar que levam a sério os seus compromissos em matérias de direitos humanos e que veem a sua participação na revisão das Nações Unidas como mais do que um exercício de relações públicas. Têm mesmo de perceber de que adiar a execução de Saman Naseem ou levá-la a cabo em segredo não passará despercebido”, prossegue a perita.

Saman Naseem foi condenado à pena de morte num segundo julgamento tão injusto quanto o primeiro num tribunal de Mahabad, Azerbaijão Ocidental, em abril de 2013. Foi dado como culpado de “inimizade contra Deus” e “corrupção na Terra”, em resultado da sua alegada participação nas atividades do Partido para a Vida Livre no Curdistão (grupo separatista que luta por maior autonomia para a minoria curda) e de ter cometido atos armados contra as forças de elite da Guarda Revolucionária. Tinha 17 anos quando os alegados crimes ocorreram e foi detido em julho de 2011.

Execução de menores expressamente proibida

Durante a primeira Revisão Periódica Universal (UPR) no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em 2010, o Irão aceitou a recomendação que lhe foi feita de “ponderar a abolição de execuções de menores”, que estão expressamente proibidas pela Convenção sobre os Direitos da Criança.

Porém, as autoridades iranianas têm continuado a levar a cabo execuções de menores. E recusaram as recomendações que foram feitas durante a segunda UPR ao país, em que o Irão foi instado a parar com a execução da pena de morte em pessoas condenadas por alegados crimes cometidos quando eram menores de 18 anos.

“Condenar Saman Naseem à morte vai contra as obrigações legais internacionais do Irão que proíbem expressamente as execuções de condenados menores”, reitera Hassiba Hadj Sahraoui. “O agendamento da sua execução no mês passado gerou uma vaga de críticas internacionais por todo o mundo, as quais reconheceram ser ilegal e errado matar alguém condenado por algo alegadamente feito quando era menor”, defende.

Saman Naseem foi transferido da Prisão Central de Oroumieh, na província iraniana do Azerbaijão Ocidental, para um local desconhecido a 18 de fevereiro, um dia antes da data marcada para a sua execução. Seguiu-se até agora um mês inteiro de incerteza para os seus familiares, que não sabiam se ele estava vivo ou morto até as autoridades terem informado, esta semana, o advogado de Saman Naseem que a execução não fora levada a cabo.

Mesmo assim, as autoridades recusaram-se a prestar informações sobre o paradeiro de Saman Naseem. Os familiares do jovem não foram autorizados a visitá-lo nem a comunicar com ele telefonicamente. As condições em que se encontra preso atualmente constituem um desaparecimento forçado, o que constitui um crime consagrado na lei internacional.

“É profundamente cruel da parte das autoridades iranianas deixarem a família de Saman Naseem completamente no escuro. Brincar desta forma com os sentimentos da sua família é desumano e degradante, e em si mesmo uma violação de direitos humanos”, sustenta a vice-diretora da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

Sessão no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas

O Irão apresentou ao Conselho de Direitos Humanos uma lista das recomendações que aceitou ou rejeitou, na totalidade ou parcialmente, com base na anterior revisão, em outubro de 2014. Nesta sessão de 19 de março, em Genebra, essa lista ficou formalmente registada.

Das 291 recomendações de direitos humanos feitas ao Irão, o país aceitou 130 na totalidade, outras 59 de forma parcial, e rejeitou 102.

Entre as recomendações rejeitadas estão os apelos para que o Irão ratifique tratados cruciais de direitos humanos que protegem os direitos das mulheres, os direitos das crianças, que determinam o fim da tortura e outro tratamento ou punição cruel, desumano e degradante, e ainda que protegem as pessoas de desaparecimentos forçados.

A vasta maioria das recomendações que o Irão aceitou são gerais e de alguma forma formuladas vagamente e, em muitos casos, a concordância do país em as aceitar não é mais do que promessas em “ponderar” ou “continuar os esforços” para encetar mudanças, em vez de assumir compromissos concretos em concretizar essas alterações.

Por exemplo, o Irão concordou em “continuar a adotar medidas que fortaleçam os mecanismos de proteção dos direitos das mulheres e das crianças”. Porém, o país rejeitou as recomendações em que era instado a ratificar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (de 1979), assim como se recusou a reconsiderar as suas vagas mas totais reservas à Convenção sobre os Direitos da Criança, excluindo todas as provisões que as autoridades iranianas consideram “incompatíveis com as leis islâmicas”.

“Ao rejeitarem qualquer recomendação que lhes exige a tomada de ação concreta, as autoridades iranianas fazem com que as suas concessões em matéria de direitos humanos pareçam ser apenas gestos vazios”, considera Hassiba Hadj Sahraoui. “E estas promessas vãs não tapam a verdade de que não estão realmente decididos a fazer genuínas reformas de direitos humanos”, remata.

 

Saman Naseem foi condenado a ser executado a 19 de fevereiro de 2015, por crimes que alegadamente cometeu quando tinha 17 anos e pelos quais foi julgado num julgamento injusto. Desde há um mês que o seu paradeiro é desconhecido e só na semana passada as autoridades revelaram que a sua execução não aconteceu na data marcada. Ajude a Amnistia Internacional a salvar Saman Naseem: junte-se à petição em defesa deste jovem, enviando uma mensagem ao Supremo Líder do Irão ayatollah Ali Khamenei para que suspenda definitivamente a execução, que é ilegal de acordo com a lei internacional tendo em conta a idade de Saman Naseem quando foi detido.

 

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