19 Maio 2021

As forças israelitas demonstraram um desrespeito preocupante pelas vidas de civis palestinianos no seu conjunto de ataques aéreos, nomeadamente a edifícios residenciais, em alguns casos matando famílias inteiras – incluindo crianças – e causando destruição injustificada de propriedade civil, ações que poderão equivaler a crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, disse hoje a Amnistia Internacional.

A organização documentou quatro ataques letais lançados por Israel contra casas residenciais sem aviso prévio e está a apelar ao Tribunal Penal Internacional (TPI) para os investigar urgentemente. O número de mortes em Gaza continua a subir, com pelo menos 198 palestinianos mortos, incluindo 58 crianças e mais de 1.220 feridos. Dez pessoas em Israel, incluindo duas crianças, foram mortas e pelo menos 27 feridas por ataques palestinianos.

“Há um padrão horrendo a emergir, de Israel a lançar ataques aéreos em Gaza com edifícios residenciais e casas de famílias como alvo – em alguns casos, famílias inteiras ficaram soterradas nos escombros quando os edifícios em que viviam colapsaram. Nos casos documentados abaixo, não houve nenhum aviso antecipado aos civis residentes, que lhes permitisse escapar. Segundo o direito internacional humanitário, todas as partes devem distinguir alvos militares e objetos civis, direcionando os seus ataques apenas para os militares. Nos seus ataques, as partes devem tomar todas as precauções viáveis para minimizar dano a civis”, disse Saleh Higazi, Diretor-adjunto para o Médio Oriente e Norte de África.

“Embora os militares israelitas não tenham dado qualquer explicação acerca dos alvos militares que visavam nestes ataques, é difícil imaginar como é que um bombardeamento inesperado a edifícios residenciais cheios de famílias civis pode ser considerado  como força proporcional à luz do direito internacional humanitário. Não é possível usar grandes armas explosivas, como bombas de avião que têm uma onda de choque de muitas centenas de metros, em áreas populosas sem prever baixas civis significativas.

“Ao executar, muitas vezes sem aviso, ataques letais a casas de famílias, Israel demonstrou um desrespeito cruel pelas vidas de civis palestinianos que já sofrem a punição coletiva do bloqueio ilegal de Israel a Gaza desde 2007.”O exército israelita alega que só ataca alvos militares e justificou nessa base os ataques aéreos a edifícios residenciais. Contudo, residentes comunicaram à Amnistia Internacional que não existiam combatentes ou alvos militares nas proximidades no momento destes ataques.

“Ataques deliberados a civis, a propriedades civis e infraestruturas civis são crimes de guerra, tal como os ataques com forças e cargas desproporcionais. O Tribunal Penal Internacional tem uma investigação ativa à situação na Palestina e deve investigar urgentemente estes ataques como crimes de guerra. Os Estados devem também considerar exercer jurisdição universal sobre aqueles que cometem crimes de guerra. A impunidade só funciona para alimentar o padrão de ataques ilegítimos e derramamento de sangue de civis, que documentámos repetidamente em anteriores ofensivas militares israelitas em Gaza”, disse Saleh Higazi.

“Ataques deliberados a civis, a propriedades civis e infraestruturas civis são crimes de guerra, tal como os ataques com forças e cargas desproporcionais.”

Saleh Hijazi, diretor-adjunto para o Médio Oriente e Norte de África

Pelo menos 152 propriedades residenciais em Gaza foram destruídas desde 11 de maio, segundo a organização de direitos humanos Centro Al Mezan para os Direitos Humanos, sedeada em Gaza. De acordo com o Ministério das Obras Públicas e da Habitação em Gaza, os ataques israelitas destruíram 94 edifícios, compreendendo 461 unidades de habitação e comerciais, enquanto 285 unidades de habitação foram gravemente danificadas e tornadas inabitáveis.

Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (ENUCAH) mais de 2,500 pessoas foram tornadas sem-abrigo devido à destruição das suas casas, e mais de 38,000 pessoas foram internamente deslocadas e procuraram abrigo em 48 escolas da UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinianos no Próximo Oriente) em Gaza.

O disparo indiscriminado de rockets por grupos armados palestinianos na direção de áreas civis de Israel também matou e feriu civis, danificando casas e outras propriedades civis. Os rockets disparados de Gaza para Israel são imprecisos e o seu uso viola o direito internacional humanitário, que proíbe o uso de armas que são, por natureza, indiscriminadas. Estes ataques também devem ser investigados pelo TPI como crimes de guerra.

A Amnistia Internacional publicou previamente provas de que os militares israelitas tinham uma política deliberada de visar casas de famílias durante o conflito de 2014.

 

Ataques devastadores a casas de famílias 

Num dos episódios recentes de bombardeamentos mais pesados, entre a 1h e as 2h da manhã de 16 de maio, Israel atacou edifícios residenciais e ruas na Cidade de Gaza. Os ataques destruíram completamente dois edifícios residenciais pertencentes às famílias Abu al-Ouf e al-Kolaq – matando 30 pessoas – 11 delas crianças.

O edifício do Ministério do Trabalho de Gaza também foi destruído nos ataques. O ataque bloqueou a rua al-Wehda, umas das vias primordiais que levam ao principal hospital em Gaza, al-Shifa.

As famílias que residiam no edifício de quatro pisos al-Ouf, que incluía apartamentos residenciais e lojas, sem qualquer aviso prévio – foram soterradas por debaixo dos escombros no ataque.

Yousef Yassin, um médico do Hospital al-Shifa, foi um dos primeiros a chegar ao local do edifício al-Ouf após o ataque e ajudou a retirar sobreviventes dos destroços com o Crescente Vermelho, descrevendo um cenário de “grande destruição” à Amnistia Internacional.

“Ajudei a retirar quatro cadáveres, mas havia muitos mais. Foi muito difícil. Não houve qualquer aviso, por isso as pessoas estavam juntas nas suas casas, sendo que esta é uma zona animada, movimentada”, revelou.

Pouco antes da meia-noite, a 14 de maio, novos ataques aéreos israelitas atingiram o edifício de três pisos da família al-Atar em Beit Lahia, matando Lamya Hassan Mohammed al-Atar, de 28 anos, e os seus três filhos, Islam, sete anos, Amira, com seis, e Mohammed, um bebé de oito meses.

O pai de Lamya, Hassan al-Atar, um agente da proteção civil, comunicou à Amnistia Internacional ter-se dirigido para o local do ataque com uma ambulância e uma equipa de resgate após um parente lhe ter ligado com notícias do ataque.  “Ele disse-me que a nossa casa tinha sido bombardeada e [ele estava] bloqueado sob os escombros [com a sua] mulher e crianças”, afirmou.

“Eu cheguei à casa de três pisos – viviam 20 ali pessoas – tentei encontrar pessoas, mas não consegui. Depois, a equipa de resgate chegou para ajudar e eventualmente conseguimos encontrar a minha filha, mãe de três filhos, com as suas crianças, uma das quais era um bebé, debaixo de um dos pilares de cimento da casa; estavam todos mortos. Os outros residentes parecem ter conseguido escapar de uma abertura após o bombardeamento e chegaram ao hospital. Eu estava chocado”, disse.

Nader Mahmoud Mohammed al-Thom, do bairro al-Salatin, em Beit Lahia, descreveu que a sua casa, onde vive com outras oito pessoas, foi igualmente atacada sem aviso na noite de 15 de maio.

“Não houve míssil de aviso, nenhum alerta, a casa foi bombardeada e nós estávamos lá dentro. Graças a Deus que a proteção civil, por mera coincidência, estava perto, salvou-nos dos escombros e ninguém morreu. Tivemos ferimentos ligeiros e, quando saímos, vi fogo no portão da casa, antes da ambulância nos levar ao hospital. Penso que foi quando perdi a consciência. Perdemos a nossa casa e agora estamos na rua; não sabemos para onde ir, o que fazer.”

A sua família procurou abrigo numa escola da UNRWA, mas esta estava encerrada e tiveram de dormir no interior, no pátio da escola. Toda a residência foi destruída, incluindo as suas roupas, dinheiro e documentos e todos os seus pertences.

Além das casas residenciais, os ataques israelitas danificaram infraestruturas de água e eletricidade, instalações médicas, e interromperam as operações da Unidade de Dessalinização de Água do Mar de Gaza do Norte, que fornece água a mais de 250.000 pessoas.

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