30 Agosto 2010

No 65º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, o Japão perdeu novamente uma oportunidade para apresentar desculpas inequívocas, de aceitar responsabilidade legal e de providenciar reparações adequadas para as sobreviventes do sistema de escravatura sexual das forças militares japonesas (sistema eufemisticamente apelidado de “mulheres de conforto”).

O dia 29 de Agosto de 2010 é também o 100º aniversário da anexação da Coreia pelo Japão. Para marcar a ocasião, o Primeiro-ministro Naoto Kan divulgou uma declaração expressando “um sério arrependimento” pelo período de colonização da Coreia do Sul mas não fez qualquer menção às “mulheres de conforto”.
 

Esta omissão é grave, tendo em conta que o sistema de escravidão sexual se desenvolveu durante a colonização e expansão militar japonesa pela Ásia. A maioria das vítimas era de origem chinesa, coreana, taiwanesa, filipina, malaia, indonésia, holandesa, timorense e japonesa.

Por exemplo, um vizinho de Mun Pil-gi, uma adolescente coreana, disse-lhe que ela poderia trabalhar numa fábrica para ganhar dinheiro. Em vez disso, foi levada para a China num comboio juntamente com 20 outras raparigas onde foi encarcerada numa “estação de conforto” por três anos até ao fim da guerra. Antes de falecer em 2008, ela afirmou que “o governo japonês devia compensar-nos. Eles deviam pedir desculpa. Já sofremos o suficiente. Não consigo descrever em palavras o que sofremos.” As restantes sobreviventes do sistema de escravidão sexual do Japão são agora idosas; muitas delas, como Mun Pil-gi, morreram sem verem feita qualquer justiça.

200.000 mulheres foram escravizadas sexualmente pelo Exército Imperial do Japão desde de 1932 até ao fim da Segunda Guerra Mundial. A grande maioria das mulheres escravizadas tinha uma idade inferior a 20 anos; algumas raparigas tinham 12 anos quando foram raptadas. O Exército Imperial do Japão usou violência e engano para obter mulheres e raparigas. As sobreviventes raramente falavam das suas experiências, mesmo tendo sofrido danos físicos e psicológicos, isolamento, vergonha e extrema pobreza como resultado da sua escravatura.

Só em Agosto de 1991, quarenta e seis anos depois do fim da guerra, é que Kim Hak se tornou na primeira sobrevivente a falar publicamente sobre o sofrimento a que foi sujeita. Aos 74 anos, tomou esta decisão por não ter familiares vivos que pudessem ser afectados pelo seu passado. Ela inspirou muitas outras mulheres a quebrar o silêncio, incluindo Lola Rosa Hensen, que falou na televisão e na rádio nas Filipinas em 1992, encorajando outras sobreviventes a não se sentirem envergonhadas e para que se identificassem e exigissem que fosse feita justiça. 

O governo japonês tem defendido assertivamente a sua posição legal nesta matéria, mantendo persistentemente que todas as condições de compensação foram acordadas nos tratados do pós-guerra. Estes tratados não reconhecem porém a existência do sistema de escravidão sexual e não prevêem compensações para vítimas individuais. A Amnistia Internacional acredita que estas acções do governo japonês na negação e obstrução de justiça só agravam as violações de Direitos Humanos cometidas contra as mulheres. Se o governo tivesse atempadamente reconhecido os crimes e ressarcido as vítimas com as reparações devidas, as vítimas poderiam ter conseguido enfrentar os danos mentais e físicos e não teriam sido forçadas a viver na vergonha e na pobreza. 

Em Maio de 2010, no 14º Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, o Relator Especial da ONU sobre Violência Contra as Mulheres divulgou um relatório onde mostra que, como vítimas de crimes sexuais, as sobreviventes “não querem receber compensações económicas sem um pedido de desculpas oficial e um reconhecimento oficial da responsabilidade do Estado.” Durante uma visita ao Japão em Maio de 2010, Navi Pilay, a Alta Comissária para os Direitos Humanos, apelou também ao governo para que acabasse com “meias medidas” e para que “lidasse de uma vez por todas com o assunto das “mulheres de conforto”, apresentando o pedido de desculpas e garantindo o ressarcimento para milhares de mulheres que foram vítimas de escravatura sexual durante a guerra”. 

Desde 2007, os EUA, o Canadá, a Holanda, a Coreia do Sul, o Taiwan e o Parlamento Europeu, que representa os 27 estados-membros da União Europeia, aprovaram resoluções de apelo ao governo japonês para que faça justiça a estas mulheres. No Japão, desde Março de 2008, 21 governos locais já aprovaram resoluções apelando para que o governo nacional faça justiça e proceda à compensação das sobreviventes do sistema de escravatura sexual do exército japonês.

Organismos da União Europeia, incluindo o Comité de Direitos Humanos, o Comité Contra a Tortura e o Comité para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, já apelaram ao governo do Japão para que faça justiça às “mulheres de conforto”.

A Amnistia Internacional apela ao governo do Japão para que providencie uma imediata reparação para aquelas que sofreram, adoptando especificamente as seguintes medidas: 
– Aceite total responsabilidade, incluindo responsabilidade legal, de forma que reconheça publicamente os danos que estas mulheres têm sofrido;

 -Peça desculpa de forma plena e inequívoca pelos crimes cometidos contra as mulheres; 

-Providencie a reparação adequada e efectiva às sobreviventes e aos seus familiares mais próximos;

 -Que inclua um relatopreciso sobre o sistema de escravidão sexual nos manuais escolares japoneses sobre a Segunda Guerra Mundial.  

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