13 Fevereiro 2015

O jovem iraniano que foi condenado à morte por enforcamento e com execução marcada para 19 de fevereiro presta um testemunho angustiante da tortura a que foi submetido durante 97 dias pelas forças de segurança decididas a o forçarem a “confessar” um crime antes de lhe ser pronunciada a sentença em julgamento.

Numa carta enviada à Amnistia Internacional, Saman Naseem, agora com 22 anos, descreve ter sido mantido numa cela de dois metros por meio metro, e constantemente torturado antes de o vendarem e forçarem a pôr as suas impressões digitais nos documentos de “confissão”. Obrigaram-no a admitir ter tido atividades que acabaram por conduzir à sua condenação, como ser membro de um grupo armado da oposição e de que tinha empunhado armas em atos contra o Estado. Saman Naseem tinha então apenas 17 anos.

“É inacreditável que as autoridades iranianas se estejam a preparar para matar um jovem que foi torturado durante 97 dias, com 17 anos, para ‘confessar’ um crime. A dias apenas antes da data marcada para a execução, não há tempo a perder. A execução de Saman Naseem tem de ser imediatamente suspensa e o caso dele totalmente revisto”, insta a vice-diretora da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Hassiba Hadj Sahraoui.

A perita da organização de direitos humanos frisa que “esta é a realidade do sistema de justiça penal no Irão, que zomba de forma flagrante com os seus próprios compromissos de Estado em não executar crianças e cumprir as obrigações ao abrigo da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Na carta enviada à Amnistia Internacional, Saman Naseem conta:

“Nos primeiros dias, a intensidade da tortura foi tão brutal que fiquei incapaz de andar. Todo o meu corpo estava azul e negro. Penduraram-me pelas mãos e pés durante horas. Estive vendado o tempo todo dos interrogatórios e da tortura, e não pude ver nunca quem me interrogava e me torturava”.

“Diziam-me uma e outra vez que tinham detido familiares meus, incluindo o meu pai, a minha mãe, o meu irmão. Disseram-me que me matavam ali mesmo e que tapariam a minha cova com cimento. Quando eu tentava dormir à noite, não me deixavam. Faziam barulho com diferentes tipos de máquinas e batiam constantemente na porta com toda a força. O meu estado era algo entre a loucura e a consciência. Não me permitiram contacto nenhum com a minha família durante esta altura. E no julgamento, até o juiz-presidente me ameaçou com mais espancamentos várias vezes. Os meus advogados foram retirados da sala do tribunal repetidamente sob pressão”.

Juiz recusou retração e deu aval a “confissão” feita sob tortura

Saman Naseem foi detido a 17 de julho de 2011 após uma batalha entre membros das forças de elite da Guarda Revolucionária e o grupo armado da oposição Partido para a Vida Livre no Curdistão (PJAK, grupo separatista que luta por maior autonomia para a minoria curda), na cidade de Sardasht, na província iraniana do Azerbaijão Ocidental. Ficou preso num centro de detenção sob a tutela do Ministério de Informações e Serviços Secretos, sem nenhum acesso à família nem a advogado.

Os familiares de Saman Naseem não foram informados da detenção e só descobriram que ele estava preso através de um vídeo transmitido pela televisão estatal, onde o jovem “confessa” ter participado em atividades armadas contra o Estado. Documentos do processo judicial indicam que foi morto um agente da Guarda Revolucionária e três outros ficaram feridos durante a batalha em que Saman é acusado de ter participado.

Em janeiro de 2012, o jovem foi condenado à pena de morte por um Tribunal Revolucionário em Mahabad, província do Azerbaijão Ocidental, tendo sido dado como culpado de “inimizade contra Deus” e “corrupção na Terra” em resultado da sua alegada participação nas atividades do PJAK e ter cometido atos armados contra a Guarda Revolucionária.

No desenrolar do julgamento, Saman Naseem retratou a anterior “confissão” extraída sob tortura e declarou que disparara a sua arma para o ar e não contra os agentes da Guarda Revolucionária. Disse ainda ao juiz que presidiu ao processo que fora torturado, mas este descartou essas declarações e validou as “confissões” como provas admissíveis. Os seus advogados foram impedidos de prosseguir com a defesa.

Apesar de em agosto de 2012 o Supremo Tribunal iraniano ter anulado a sentença à morte e enviado o processo para novo julgamento em instância inferior – por os crimes pelos quais Saman Naseem foi condenado terem ocorrido quando o arguido tinha menos de 18 anos –, em abril do ano seguinte o jovem voltou a receber uma condenação de pena capital num tribunal penal. Esta nova sentença foi confirmada em dezembro de 2013 pelo Supremo.

As autoridades prisionais informaram verbalmente Saman Naseem que a execução está marcada para 19 de fevereiro. A Amnistia Internacional recolheu informações de que o jovem foi visto por um médico que o visitou po volta do dia 10 de fevereiro na Prisão de Oroumieh, na província de Azerbaijão Ocidental, onde está preso no corredor da morte. Teme-se que este check-up médico possa ter sido a avaliação clínica a que as autoridades procedem antes de uma execução.

“A deplorável prática do Irão de torturar as pessoas para lhes extrair uma ‘confissão’ dos crimes antes de as condenar à pena de morte tem de parar imediatamente. Impor a pena capital a alguém que era menor quando os alegados crimes ocorreram vai contra as leis internacionais de direitos humanos que o Irão se comprometeu a respeitar”, remata a vice-diretora da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

Pena capital a arguidos menores viola lei internacional de direitos humanos

Ao abrigo do Código Penal Islâmico, a execução de menores de 18 anos é possível em casos de gesas (leis da retribuição em espécie) e de hodoud (crimes e punições para os quais existem penas fixadas pela lei islâmica). Mas no mesmo código, o artigo 91 exclui a pena de morte nos crimes que recaem nestas categorias de punição quando o arguido menor não compreende a natureza do crime ou as suas consequências, ou se existem dúvidas sobre a capacidade mental do arguido.

A 2 de dezembro de 2014, o Supremo Tribunal emitiu um “acórdão piloto” segundo o qual as pessoas que se encontram atualmente no corredor da morte por crimes que alegadamente cometeram quando eram menores de 18 anos podem apresentar requerimento de reavaliação judicial ao Supremo com base no artigo 91 do Código Penal Islâmico.

O uso da pena capital contra arguidos menores – aqueles que foram condenados por crimes cometidos quando tinham menos de 18 anos – é estritamente proibido pela lei internacional, como está expressamente consagrado no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção sobre os Direitos da Criança, tratados que o Irão ratificou.

A Amnistia Internacional opõe-se à pena de morte em todos os casos sem exceção, independentemente da natureza ou circunstâncias do crime, da culpa, inocência ou quaisquer características do arguido, assim como do método usado pelo Estado para levar a cabo a execução. A pena de morte viola o direito à vida tal como é proclamado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e é a punição mais cruel, indigna e desumana.

 

Saman Naseem pode ser executado na quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015, por crimes que alegadamente cometeu quando tinha 17 anos. Foi condenado à morte num julgamento injusto. Ajude a Amnistia Internacional a salvar Saman Naseem: junte-se à ação em defesa deste jovem, enviando uma mensagem ao Supremo Líder do Irão ayatollah Ali Khamenei para que suspenda a execução, que é ilegal de acordo com a lei internacional tendo em conta a idade de Saman Naseem quando foi detido. Dê também força digital a este apelo, no Twitter.

 

Artigos Relacionados