3 Julho 2019

O Tribunal Penal Internacional deve ordenar uma investigação urgente ao ataque contra um centro de detenção de migrantes, em Tajoura, na Líbia. Pelo menos, 40 pessoas morreram e mais de 80 ficaram feridas.

“Este ataque mortal que atingiu um centro de detenção com, pelo menos, 600 refugiados e migrantes sem hipótese de fuga e cuja localização era conhecida por todas as partes em conflito, deve ser investigado, de forma independente, como um crime de guerra”, defende a vice-diretora para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Magdalena Mughrabi.

“O Tribunal Penal Internacional terá de investigar, imediatamente, a possibilidade de se tratar de um ataque direto contra civis”, complementa a mesma responsável, classificando-o como um “massacre” que deve “lembrar as consequências fatais das políticas de migração insensíveis da Líbia e da Europa”.

“A cooperação que existe para conter o fluxo de migrantes e refugiados, em vez de oferecer rotas seguras para a saída do país, significa que milhares de pessoas intercetadas no meio do Mediterrâneo são devolvidas à Líbia, onde acabam por ser detidas, arbitrariamente, em centros, estando expostas à tortura e ao perigo de morte”, nota Magdalena Mughrabi.

“O Tribunal Penal Internacional terá de investigar, imediatamente, a possibilidade de se tratar de um ataque direto contra civis”

Magdalena Mughrabi, vice-diretora para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional

Esta manhã, a Amnistia Internacional esteve no terreno e falou com sobreviventes. Um refugiado da Eritreia relatou que um primeiro ataque aéreo atingiu uma zona adjacente ao centro de detenção, seguindo-se outro direcionado à ala masculina da infraestrutura. Agora, cerca de 300 pessoas estão nas ruas de Tajoura, assustadas e à espera de assistência urgente.

Para reforçar a informação recolhida, analisámos e verificámos imagens de vídeo e fotografias do local, que é administrado pela Direção Geral de Combate à Migração Ilegal, tutelada pelo Ministério do Interior da Líbia. Um dos registos mostra uma grande cratera, com vários metros de diâmetro, na ala masculina. Os danos poderão ter sido causados por um ataque aéreo.

Apesar de a origem do ataque ser desconhecida, esta semana, vários meios de comunicação adiantaram que o autoproclamado Exército Nacional Líbio recebeu caças F-16. Estes aviões têm a capacidade de realizar bombardeamentos noturnos com consequências semelhantes às da última noite.

História repete-se

Um armazém localizado no mesmo complexo do centro de detenção de Tajoura estava a ser usado para guardar armamento. Esta prática já tinha levado a Amnistia Internacional a fazer um alerta, em maio, após um ataque aéreo que atingiu um veículo militar a cerca de 100 metros do mesmo local. Em causa estava o risco para a vida dos migrantes. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) também pediu a transferência urgente dos detidos, em nome da segurança.

“Este ataque deve ser um alerta para que os países da União Europeia acabem com as políticas vergonhosas de entregar o controlo da migração à Líbia, numa tentativa de reduzir o número de refugiados e migrantes que chegam às costas europeias”

Magdalena Mughrabi, vice-diretora para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional

O direito internacional humanitário prevê que todas as partes em conflito devem tomar precauções ​​para minimizar o risco contra os civis, inclusive atrasando ou cancelando um ataque. Mesmo que o armazém militar fosse o alvo, o elevado número de pessoas nas proximidades daquela área tornaria o bombardeamento ilegal.

As partes em conflito têm ainda de ter em conta todas as medidas possíveis para proteger os civis sob o seu controlo dos efeitos dos ataques. Como tal, objetivos militares, como locais de armazenamento de armas, não podem ser instalados junto de zonas com civis.

As mais recentes investigações da Amnistia Internacional também confirmaram que alguns detidos no centro foram forçados a trabalhar. Neste caso, estamos igualmente perante uma violação do direito internacional.

“Este ataque deve ser um alerta para que os países da União Europeia acabem com as políticas vergonhosas de entregar o controlo da migração à Líbia, numa tentativa de reduzir o número de refugiados e migrantes que chegam às costas europeias. Não podem fechar mais os olhos às condições desumanas, à tortura, à violação e a outros abusos que os refugiados e migrantes enfrentam”, enumera Magdalena Mughrabi.

Hoje, a Amnistia Internacional também alertou para as violações ao embargo de armas da ONU que alimentam possíveis crimes de guerra, na ofensiva de Trípoli, que coloca frente-a-frente o autoproclamado Exército Nacional Líbio e o Governo de Acordo Nacional, reconhecido pela comunidade internacional.

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