19 Setembro 2016

O miserável fracasso expectável na cimeira das Nações Unidas convocada para encontrar respostas que mitiguem o agravamento da atual crise global de refugiados constitui uma oportunidade perdida que irá afetar milhões das mais vulneráveis pessoas no mundo, a não ser que os líderes confluam para soluções alternativas para ajudá-las a alcançarem a segurança, reitera a Amnistia Internacional na contagem decrescente para as duas reuniões de alto nível sobre refugiados que ocorrem esta semana.

Na esteira das reuniões preparatórias para a grande cimeira das Nações Unidas sobre refugiados e migrantes, na Assembleia Geral desta segunda-feira, 19 de setembro, tudo indica que os Estados-membros da ONU vão aprovar não mais do que um ineficaz acordo sobre os refugiados. E no dia seguinte será o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a lançar o apelo aos líderes mundiais para que assumam compromissos concretos e específicos visando ajudar a pôr fim ao sofrimento de refugiados pelo mundo inteiro – chamada que até agora tem sido deliberadamente ignorada.

“Confrontados com a pior crise de refugiados em 70 anos, os líderes mundiais têm mostrado um chocante desprezo pelos direitos humanos de pessoas que foram forçadas a abandonar as suas casas devido a conflitos armados ou perseguição”, avalia o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty. “Já sabemos que a cimeira da ONU está condenada a um miserável fracasso, e parece improvável que na cimeira de Obama se consiga apanhar os cacos”, prossegue.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, propôs um “Compacto Global sobre Refugiados” em que era pedido aos governos do mundo inteiro que assumissem o compromisso de acolher 10% da população mundial de refugiados a cada ano. Mas nas reuniões preliminares à cimeira, os Estados-membros da ONU despojaram as propostas da ONU de toda a sua substância, garantindo que no documento nada persiste que os obrigue a receber nos seus países nenhum número específico de pessoas.

E o “Compacto Global sobre Refugiados” não será agora objeto de acordo antes de 2018. Em vez disso, os Estados emitirão, a 19 de setembro, tão só a chamada “Declaração de Nova Iorque”, que contém apenas compromissos simbólicos e está desprovida de medidas concretas de partilha da responsabilidade pela crise global de refugiados.

“Esperámos dois anos para que esta cimeira se realizasse. E nela os líderes mundiais deviam anunciar a tomada de medidas concretas e claras para pôr fim à crise de refugiados. A ONU propôs inicialmente um plano ambicioso, mas a União Europeia, a Rússia e a China estão entre os que sacrificaram os direitos dos refugiados a interesses nacionais e, assim, perderam esta enorme oportunidade para darem o seu inequívoco apoio a uma solução global para a crise”, critica Salil Shetty.

O secretário-geral da Amnistia Internacional frisa que “em vez de partilharem a responsabilidade, os líderes mundiais esquivaram-se a ela”. “A cimeira da ONU foi sabotada por países que estão a agir nos seus exclusivos interesses, deixando milhões de refugiados em situações terríveis pelo mundo inteiro, à beira de um precipício. Mas os governos não devem iludir-se e pensar que tal os liberta das suas responsabilidades. Os Estados-membros da ONU têm o dever moral e legal de acolher os refugiados que precisam de ajuda hoje”, alerta ainda.

No dia seguinte ao diluído documento da ONU ser aprovado, na terça-feira, 20 de setembro, o Presidente Barack Obama é anfitrião de uma Cimeira de Líderes, também em Nova Iorque, convocada para assegurar que os Estados assumem compromissos específicos para disponibilizar rotas seguras e legais aos refugiados – algo que a maior parte dos países têm consistentemente fracassado. Obama irá também instar os líderes mundiais a doarem dinheiro para a assistência aos refugiados.

A Amnistia Internacional exorta os governos e, em particular, os dos países ricos, a assumirem urgentemente o compromisso de reinstalar um número significativamente maior de refugiados e de lhes oferecerem soluções legais para que estas pessoas alcancem a segurança – e que o façam na Cimeira de Líderes de Obama ou nas semanas seguintes.

“Esta cimeira de Obama tem de dar uma nova energia aos esforços para resolver a crise de refugiados, mostrando que pelo menos alguns países têm mesmo um firme compromisso em ajudar os refugiados”, defende o secretário-geral da organização de direitos humanos.

Salil Shetty reitera que “precisamos desesperadamente de uma rápida e decisiva mostra de liderança por parte de um grupo nuclear de países dispostos a assumir a responsabilidade e a prestar ajuda imediata, através do acolhimento de alguns dos mais vulneráveis refugiados e providenciando a outros vistos humanitários, de trabalho ou de estudantes”. “E quantos mais países derem esse passo em frente, tanto mais fácil será gerir esta solução”, sustenta.

“E a longo-prazo precisamos de um sistema mais organizado para a partilha de responsabilidades, em que os Estados acordem em critérios objetivos para decidir que proporção da população mundial de refugiados cada um tem de acolher, com base nas capacidades nacionais para receber estas pessoas”, nota ainda o secretário-geral da Amnistia Internacional.

Existem atualmente 21 milhões de refugiados no mundo inteiro, de acordo com os dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, UNHCR na sigla em inglês). Apenas 14% vivem nas zonas mais ricas do globo.

Juntos, a Etiópia, Quénia, Jordânia, Líbano, Paquistão e Turquia acolhem um terço dos refugiados, países que correspondem no conjunto a apenas 1,6% da economia mundial. Atualmente só cerca de 100 000 refugiados são reinstalados anualmente; 90% deles em cinco países (Estados Unidos, Canadá, Austrália, Noruega e Reino Unido).

A Amnistia Internacional exerce desde há muito incansável pressão sobre os governos do mundo inteiro para que façam mais na partilha de responsabilidade em cumprir os direitos dos refugiados. Nestes últimos dias, a organização de direitos humanos deu já um arranque à campanha global Eu Acolho (com lançamento oficial a 4 de outubro próximo), cujo objetivo é levar os governos a acolherem refugiados.

“Os líderes mundiais fracassaram totalmente em chegarem a acordo num plano para proteger os 21 milhões de refugiados do mundo – que são algumas das mais vulneráveis pessoas do globo. Mas onde os líderes falharam, as pessoas de boa consciência agirão. E a mudança começa com quatro simples palavras: Eu acolho os refugiados”, remata Salil Shetty.

 

A Amnistia Internacional sustenta que parte da solução para a atual crise dos refugiados passa por quatro palavras: eu acolho os refugiados. É esta a declaração de dignidade, de humanidade e de partilha da responsabilidade feita pela organização de direitos humanos. Faça-a também: assine o manifesto!

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