18 Fevereiro 2021

A Amnistia Internacional denuncia os esforços conjuntos entre o governo malaio e o exército do Myanmar para a deportação de 1200 pessoas no próximo dia 23 de fevereiro. A medida, além de pouco transparente, contraria as obrigações da Malásia de respeitar e proteger os direitos dos migrantes e refugiados, colocando as suas vidas em risco.

Devido à repressão generalizada contra a dissidência após o recente golpe militar no Myanmar, as 1200 pessoas que serão deportadas estão em risco de sofrer violações de direitos humanos. “Os serviços de imigração da Malásia afirmam que o seu ‘programa de repatriação’ não envolve refugiados ou requerentes de asilo, mas como é que determinaram isso se a ONU foi impedida de ter acesso às pessoas sob detenção há mais de um ano e meio?”, questiona a diretora-executiva da Amnistia Internacional Malásia, Katrina Jorene Maliamauv.

“O governo da Malásia está a colocar em risco a vida de mais de mil pessoas do Myanmar, de forma imprudente, deportando-as sob uma cortina de sigilo e para um país no meio de um golpe marcado por violações de direitos humanos”, sustenta a mesma responsável.

O governo da Malásia não permite que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) tenha acesso aos centros de detenção de imigrantes desde agosto de 2019. Desta forma, não tem conseguido identificar requerentes de asilo e refugiados, e facilitar a sua libertação. A detenção arbitrária e indefinida de migrantes, requerentes de asilo e refugiados viola o direito internacional dos direitos humanos.

“O ACNUR deve ter acesso total e imediato às 1200 pessoas. O primeiro-ministro Muhyiddin Yassin deve instruir os serviços de imigração para que trabalhem em estreita colaboração com o ACNUR para garantir que nenhuma pessoa requerente de asilo, refugiada ou que possa estar em risco de violação dos direitos humanos seja forçada a regressar ao Myanmar. Fazer isso seria uma violação do princípio de non-refoulement, que se aplica à Malásia como parte do direito internacional consuetudinário”, lembra Katrina Jorene Maliamauv.

O plano de deportação coloca as políticas de imigração e refugiados da Malásia, mais uma vez, no centro das atenções. Em 2018, a Comissão de Direitos Humanos da Malásia (Suhakam) relatou que as condições nos centros de detenção de imigrantes continuavam a ser limitadas, pouco higiénicas, com falta de manutenção e sem serviços básicos, como água potável e alimentos em quantidade suficiente. Além disso, existiamrelatos na primeira pessoa e de testemunhas de abusos físicos.

Em agosto de 2020, o governo reconheceu que 23 detidos, incluindo duas crianças, morreram em centros de detenção de imigrantes no primeiro semestre daquele ano. Em outubro do mesmo ano, acabou por revelar que 756 menores de idade estavam detidos nessas instalações, em violação da Convenção sobre os Direitos da Criança, que proíbe a detenção de crianças por crimes de imigração.

“Dadas as terríveis condições de detenção, não é surpreendente que algumas pessoas possam sentir que a única opção é voltar para o Myanmar, mesmo que enfrentem riscos”, explica a diretora-executiva da Amnistia Internacional Malásia.

“Mas as opções para as pessoas e as suas famílias não podem ser entre a detenção por tempo indeterminado e o risco de vida pelo regresso a uma situação possivelmente perigosa”.

Ao longo de 2020, funcionários dos serviços de imigração e a polícia conduziram operações contra pessoas em comunidades de migrantes na Malásia. Estas violaram os seus direitos e colocaram em causa as medidas preventivas da COVID-19.

De acordo com o ACNUR, no início de dezembro do último ano, 457 pessoas registadas na organização estiveram em centros detenção de imigrantes, incluindo 62 menos desacompanhados e separados. O número de indivíduos não registados, mas que podem ter um pedido de asilo, é atualmente desconhecido, pois o acesso a estas instalações está vedado desde agosto de 2019.

“A situação dos detidos pelos serviços de imigração da Malásia é terrível. Além de ter de permitir o acesso do ACNUR às pessoas que vão ser deportadas, o governo deve garantir o acesso total a todas as pessoas que, atualmente, se encontram detidas. A detenção de pessoas apenas para controlo de imigração é injustificável. Apelamos à libertação imediata dos refugiados, requerentes de asilo e migrantes detidos por este motivo. Refugiados e requerentes de asilo devem receber proteção adicional, incluindo o reconhecimento total do seu direito à procurar proteção internacional”, disse Katrina Jorene Maliamauv.

Como o plano foi revelado

O governo da Malásia confirmou o plano, que tinha sido revelado pela imprensa, para deportar 1200 pessoas em embarcações da marinha mobilizadas pelo exército do Myanmar. A 15 de fevereiro, o diretor-geral dos serviços de imigração, Khairul Dzaimee Daud, afirmou que a deportação envolveria indivíduos que violaram a lei de imigração de 1959/63 e os regulamentos de imigração de 1963.

Uma notícia de 17 de fevereiro, publicada pelo Nikkei Asia, indicava que os serviços de imigração mantinham o plano de deportação. Além disso, citava uma fonte não identificada desses serviços que reconhecia que “seria difícil distinguir imigrantes indocumentados de refugiados que perderam os seus cartões do ACNUR”.

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