10 Outubro 2019

A Malásia deve cumprir a promessa de abolir a pena de morte, depois de se ter comprometido com a medida no final de 2018. Só assim será possível deixar para trás um passado negro com a aplicação obrigatória em casos de crimes de tráfico de droga, homicídio ou traição.

“A investigação documentou um padrão de julgamentos injustos e enforcamentos secretos que falam por si”

Shamini Darshni Kaliemuthu, diretor-executivo da Amnistia Internacional Malásia

Hoje, Dia Mundial contra a Pena de Morte, a Amnistia Internacional publica o relatório Fatally flawed: Why Malaysia must abolish the death penalty (“Erro fatal: Por que a Malásia deve abolir a pena de morte”). No documenta denuncia-se a injustiça de um sistema que não proporciona aos condenados o acesso adequado a apoio jurídico, favorece graves violações do direito a um julgamento justo e recorre a tortura e outros maus-tratos para obter “confissões”.

O diretor-executivo da Amnistia Internacional Malásia, Shamini Darshni Kaliemuthu, afirma que o país “tem uma oportunidade de ouro para romper com décadas de crueldade e injustiça, desproporcionalmente infligidas a alguns dos mais marginalizados”. “A investigação documentou um padrão de julgamentos injustos e enforcamentos secretos que falam por si. Desde acusações de tortura e outros maus-tratos até processos opacos de perdão, é óbvio que a pena de morte é uma mancha no sistema de justiça da Malásia”, completa o responsável.

Atualmente, a pena capital está prevista como punição de 33 crimes e é obrigatória em 12 destes. O relatório agora divulgado indica que a maioria das pessoas no corredor da morte – 930 de um total de 1281 registados em fevereiro – foi condenada por crimes relacionados com drogas. Mais de metade (478) são estrangeiros.

Há um ano, o recém-eleito governo da Malásia anunciou que iria abolir a pena de morte para todos os crimes, tendo estabelecido uma moratória às execuções em julho de 2018. No entanto, durante este mês, deve ser apresentada legislação que remove apenas a obrigatoriedade de execução em 11 crimes.

Ausência de apoio, violência e opacidade

Para muitos condenados, o acesso a um tratamento justo é uma miragem. No caso dos cidadãos estrangeiros, a Amnistia Internacional apurou que têm dificuldades em aceder a assistência consular e aos serviços de interpretação-tradução, sendo obrigados a assinar documentos em malaio. A condenação é, em algumas situações, provocada pelo tráfico de pequenas quantidades de droga. À luz da lei internacional, os países que ainda não aboliram a pena de morte devem limitar a aplicação para os “crimes mais graves”, como homicídio.

A população prisional feminina à beira da execução mostra outro lado da mesma moeda. Há mulheres condenadas que foram obrigadas a traficar droga por motivos económicos ou após ameaça. Apesar de este facto poder servir de atenuante, a aplicação da pena de morte é obrigatória, não havendo a possibilidade do tribunal determinar outra sentença.

A pena capital na Malásia mostra ainda a frágil situação das minorias étnicas e das franjas populacionais mais marginalizadas. A Amnistia Internacional apurou que, entre a população malaia, há um maior peso destes grupos no corredor da morte.

“É óbvio que a pena de morte é uma mancha no sistema de justiça da Malásia”

Shamini Darshni Kaliemuthu, diretor-executivo da Amnistia Internacional Malásia

No relatório, advogados e familiares de condenados denunciam que alguns réus não tiveram apoio jurídico até conhecerem as acusações em tribunal. Os relatos dão ainda conta de agressões aos suspeitos para que “confessem” os crimes. Em 2012, um grupo de trabalho das Nações Unidas concluiu que “praticamente todos os detidos” sofreram tortura ou outros maus-tratos durante os interrogatórios.

O caso de Hoo Yew Wah enquadra-se nas denúncias ouvidas. Este cidadão da Malásia de etnia chinesa, detido aos 20 anos por posse de metanfetaminas, em 2005, acabou condenado com base numa declaração registada em malaio, mas que foi feita na sua língua materna, o mandarim. A polícia terá ameaçado agredir a namorada, caso não assinasse o documento. Hoo Yew Wah, que está no corredor da morte desde 2011, não contou com o apoio de nenhum advogado durante este tempo e foi espancado.

Para os casos de pena de morte, a legislação malaia não define com detalhe o processo de perdão. Os pedidos são controlados pelos funcionários prisionais e regista-se um grande desconhecimento, principalmente entre os condenados de nacionalidade estrangeira. De acordo com a investigação da Amnistia Internacional, metade não recorreu a esta possibilidade.

Recursos

Artigos Relacionados