10 Junho 2014

Um ano passado desde os protestos maciços no Parque Gezi, em Istambul, a conduta do Governo turco em relação às manifestações é tão abusiva quanto sempre foi, ao mesmo tempo que a impunidade em relação à violência policial continua galopante, sustenta a Amnistia Internacional em novo relatório.

“As autoridades turcas têm sido implacáveis na repressão contra os manifestantes – seja a violência policial nas ruas ou a perseguição judicial nos tribunais. E, por seu lado, a polícia goza de uma quase total impunidade. A mensagem que estão a dar é clara: as manifestações pacíficas não serão toleradas”, frisa o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty.

Nas últimas duas semanas, as manifestações organizadas para assinalar o aniversário dos protestos no Parque Gezi foram proibidas pelas autoridades e brutal e arbitrariamente dispersas pela polícia com gás lacrimogéneo, canhões de água e espancamentos dos manifestantes. Salil Shetty frisa que “o Governo [turco] tem de mudar de curso, permitir os protestos pacíficos e garantir que os polícias que cometem abusos são responsabilizados judicialmente”.

O novo relatório da Amnistia Internacional, divulgado esta terça-feira, 10 de junho, e intitulado “Adding injustice to injury: Gezi park protests one year on” (Juntar a injustiça às agressões: os protestos do Parque Gezi um ano passado”), examina os acontecimentos que se seguiram à pequena manifestação feita em Istambul, há um anos, contra a destruição do parque na zona central ada capital. Em pouco tempo, aquele pouco expressivo protesto avolumou-se numa vaga enorme de manifestações maciças contra o Governo.

A organização insta as autoridades turcas a porem fim à impunidade com que são cometidas violações de direitos humanos pelos agentes da polícias e demais forças de segurança, assim como a garantirem o direito dos cidadãos a manifestarem-se pacificamente. Já em outubro passado, a organização investigou as violações de direitos humanos que ocorreram em Istambul numa investigação aos acontecimentos do Parque Gezi.

Umas oito mil pessoas ficaram feridas na repressão das manifestações no Parque Gezi e pelo menos quatro morreram em resultado direto da violência policial, mas as investigações aos abusos das forças de segurança têm-se apenas arrastado, sido obstruídas ou mesmo fechadas sem serem apuradas responsabilidades. No total, ao longo deste último ano, apenas cinco processos foram abertos contra agentes da polícia.

Mas em contraste total, mais de 5.500 pessoas foram formalmente acusadas por organizarem, participarem ou apoiarem os protestos do Parque Gezi. Muitos estão a ser acusados por nada mais do que terem exercido pacificamente o seu direito à liberdade de reunião. Os organizadores das manifestações foram acusados de “organização criminosa” e muitos dos participantes em acusações não consubstanciadas de atos criminosos.

“O Governo [turco] tem de rever a legislação sobre manifestações, retirar da lei as restrições excessivas sobre onde e quando os protestos podem decorrer e afastar todo o clausulado usado para criminalizar manifestantes pacíficas”, urge o investigador da Amnistia Internacional perito em Turquia, Andrew Gardner.

Médicos punidos e proibidos de ajudar manifestantes

O alcance das penalizações por parte das autoridades chegou mesmo à classe médica: pelo menos em dois casos foram deduzidas acusações criminais contra médicos que apenas prestaram assistência clínica em hospitais improvisados durante os protestos no Parque Gezi. Aliás, em janeiro passado, o Governo adotou uma série de revisões legislativas que poderão ser usadas para punir criminalmente a prestação de cuidados médicos de emergência durante manifestações.

Numa violação flagrante do direito à liberdade de reunião, foram lançadas investigações criminais contra pessoas que documentaram os protestos de há um ano. A estas seguiram-se ainda acusações contra indivíduos que expressaram as suas opiniões nas redes sociais durante as manifestações. E foram também aprovados maiores poderes que permitem às autoridades fechar sites de internet e bloquear o acesso dos cidadãos às redes sociais.

“Um ano depois dos protestos do Parque Gezi, as autoridades turcas escolheram claramente um rumo de intolerância, de conflito e de polarização da sociedade. Se tal não for controlado, isto irá conduzir a mais violações de direitos humanos no país”, avalia o secretário-geral da Amnistia Internacional.

Salil Shetty frisa que “não é tarde para o Governo mudar de rumo”. Mas, aponta, isso “exige que haja vontade política para reconhecer que existem reivindicações legítimas no país e aproximar-se dos descontentes, para aceitar as críticas e respeitar o direito à liberdade de reunião, e para refrear a perseguição a manifestantes pacíficos e garantir a responsabilização dos abusos policiais”.

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