3 Maio 2015

 

Dia Internacional da Liberdade de Imprensa

O mundo acordou para a dura realidade das ameaças que milhares de profissionais da comunicação social enfrentam todos os dias quando 12 pessoas que trabalhavam no jornal satírico francês Charlie Hebdo foram mortas a tiro na redação da publicação, no centro de Paris, em janeiro passado. As campanhas globais de solidariedade para com o Charlie Hebdo, que se seguiram ao ataque, enviaram a mensagem inequívoca de que ninguém deve pagar com a vida o preço de exercer o direito de liberdade de expressão  – e que a Amnistia Internacional reitera neste 3 de maio, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa.

 

Mas para além desta história particular do Charlie Hebdo, que dominou as notícias por todo o mundo, existem milhares de profissionais da comunicação social que, em todos os cantos do globo, são perseguidos, intimidados, ameaçados, torturados e presos injustamente por governos e grupos armados, numa tentativa desprezível de os impedir de erguerem o espelho em que a sociedade se revê.

Em países como o México e o Paquistão ter uma carteira profissional de jornalista é tão perigoso que muitos profissionais da comunicação social acabam mesmo por deixar de fazer este trabalho, por puro medo.

De acordo com a organização Repórteres Sem Fronteiras, foram mortos 22 jornalistas e profissionais dos media apenas desde o início de 2015; outros mais de 160 foram presos. Em 2014 quase 100 jornalistas foram mortos devido ao desempenho da sua profissão.

Os responsáveis por atacar e matar jornalistas só muito raramente são julgados.

“Para onde quer que se olhe no mundo inteiro, encontra-se uma história de um jornalista que foi perseguido, ameaçado, preso injustamente ou mesmo morto por um Governo ou por um grupo armado, para o impedir de noticiar assuntos e acontecimentos entendidos como controversos”, frisa a diretora de Media da Amnistia Internacional, Susanna Flood. “Cada vez mais vemos os governos a serem menos tolerantes em relação à dissidência e dispostos a tudo para impedir os jornalistas de se fazerem ouvir e informarem o público. A mensagem parece ser ‘se ousares noticiar temas de direitos humanos deves estar preparado para passares tempo na prisão ou seres morto’”.

Matar o mensageiro

No Paquistão, um dos mais perigosos países no mundo para ser jornalista, os profissionais dos media enfrentam rotineiramente perseguição, raptos, tortura e a morte às mãos de forças militares e de serviços secretos, partidos políticos e grupos armados.

Estima-se que, desde 2008, 40 jornalistas foram mortos em consequência direta do seu trabalho na cobertura de assuntos como a segurança nacional e violações de direitos humanos no Paquistão. Tanto quanto a Amnistia Internacional apurou, os tribunais paquistaneses apenas condenaram pessoas nos casos da morte do jornalista Daniel Pearl (do Wall Street Journal), em 2002, e do repórter Wali Khan Babar (da GEO News), em 2014.

Ataques perpetrados contra outros, como Hamid Mir, o jornalista da GEO TV que escapou por pouco a uma tentativa de assassinato em Carachi no ano passado, continuam impunes com as investigações paradas.

Acusações forjadas

Para milhares de outras pessoas que trabalham em órgãos de comunicação social, a punição toma a forma de sentenças a longas penas de prisão sob acusações forjadas.

O fotojornalista egípcio Mahmoud Abu Zeid, conhecido como “Shawkan”, está detido há mais de 600 dias – esse foi o castigo que recebeu por ter tirado fotografias da violenta dispersão da manifestação em frente à mesquita de Rabaa al-Adawiya, em agosto de 2013. Ainda não foi formalmente acusado de nenhum crime e esmorece numa pequena cela no infame complexo prisional de Tora, no Cairo.

“Partilho uma cela que mede uns três por quatro metros, com outros 12 prisioneiros. Não temos acesso ao sol nem a ar fresco ao longo de dias ou mesmo semanas. Sou fotojornalista, não um criminoso. A minha detenção indefinida é psicologicamente insuportável. Nem sequer os animais sobrevivem nestas condições”, descreve Mahmoud Abu Zeid numa carta revelada em abril passado pela Amnistia Internacional.

A história de “Shawkan” está longe de ser incomum. Desde que Mohamed Morsi foi deposto da chefia de Estado em julho de 2013, muitíssimos jornalistas foram detidos ou condenados à prisão por todo o Egito para os castigar por desempenharem o seu trabalho. Pelo menos 18 estão atualmente na prisão com pouquíssimas esperanças de serem libertos.

Tal como no Egito, muitos governos por todo o mundo manietam os tribunais para restringirem os jornalistas de noticiarem assuntos de direitos humanos ou castigarem aqueles que o fazem.

E outro desses casos é o do jornalista Pedro Canché Herrera, que permanece numa cela desde que foi detido a 30 de agosto de 2014 pelo alegado crime de sabotagem no estado mexicano de Quintana Roo, no Sudeste do país. Foi preso dias depois de ter transmitido imagens e entrevistado pessoas numa manifestação de cidadãos do município de Felipe Carrillo Puerto, à porta da Comissão de Águas e Esgotos local, que protestavam contra o aumento das taxas e preços daqueles serviços.

Buscas, intimidação e perseguição

Os governos lançam mão também a raides, buscas e à intimidação e perseguição de jornalistas para os coibir de noticiarem assuntos que as autoridades preferem manter longe do escrutínio da opinião pública.

Pelo final de dezembro de 2014, as autoridades bósnias fizeram uma busca aos escritórios do portal de notícias klix.ba, muito popular naquele país, e coagiram os jornalistas a revelarem as suas fontes num caso de fuga de informação constante de uma gravação de áudio que alegadamente expos um suborno ao mais alto nível das estruturas de governação.

A polícia confiscou computadores protáteis, 19 discos rígidos e telemóveis privados numa operação de busca que durou sete horas e durante a qual foi destruído algum do equipamento da redação. Um dos editores e um jornalista foram detidos para interrogatório, e mais tarde libertados sem acusações formuladas. A análise judicial feita mais tarde concluiu que a busca ao klix.ba foi ilegal e violara os direitos constitucionais dos jornalistas.

Testemunhas de conflitos armados

Do Iraque à República Centro Africana, à Colômbia, Nigéria e Síria, os jornalistas enfrentam ameaças e violência no desempenho do trabalho de mostrarem ao mundo os abusos a que estão sujeitos milhões de homens, mulheres e crianças apanhadas em alguns dos mais brutais conflitos.

O jornalista Hamza Idris viveu essa intimidação às mãos das forças de segurança nigerianas devido ao seu trabalho. Em 2014, após ter publicado um artigo em que era criticado o falhanço do Exército em proteger devidamente a população civil, oito soldados irromperam pelos escritórios onde trabalha.

“Levaram com eles o chefe de redação e outro membro da equipa para o quartel-general da Divisão 7 em Maimalari. Muito embora tenham sido mais tarde libertados, foi tudo muito assustador. Nós, jornalistas, somos um alvo para toda a gente”, conta Hamza idris.

A muitos quilómetros de distância da Nigéria, na Colômbia, os jornalistas continuam a ser ameaçados e mesmo mortos por noticiarem violações de direitos humanos e abusos cometidos no contexto do duradouro conflito armado no país e das ligações corruptas de alguns responsáveis governamentais a grupos armados ilegais e ao crime organizado.

De acordo com a Fundação colombiana para a Liberdade de Imprensa (Fundación para la Libertad de Prensa-FLIP), só desde o início de 2015 foram 26 os jornalistas que sofreram ameaças, e pelo menos um foi morto.

A 21 de janeiro, cinco jornalistas, a par de cinco defensores de direitos humanos que acompanham vítimas de desalojamentos forçados e de expropriações de terras, foram identificados pelos nomes numa carta de ameaça de morte assinada pelo grupo paramilitar Autodefensas Gaitanistas de Colombia. Todos os nomeados naquela ameaça foram acusados de serem colaboradores da guerrilha.

O Iraque é também um lugar extremamente perigoso para os jornalistas. O chefe da delegação da agência noticiosa Reuters em Bagdad, Ned Parker, teve de sair do país em abril depois de ter sido alvo de ameaças nas redes sociais e num canal de televisão que é propriedade de uma milícia xiita. Esta perseguição seguiu-se a uma reportagem que Ned Parker fizera sobre abusos de direitos humanos cometidos por forças governamentais e milícias xiitas durante a reconquista da cidade de Tikrit do controlo do grupo armado islamita Estado Islâmico.

“O jornalismo não é um crime. Os profissionais dos media são os olhos e os ouvidos da sociedade. E os governos têm a responsabilidade de garantir que os jornalistas são capazes de cobrir livremente os temas de direitos humanos, sem medo de serem atacados ou mortos no desempenho legítimo do seu trabalho. Têm também a responsabilidade de julgar aqueles que são responsáveis por quaisquer abusos. É mais do que chegada a hora para os estados levarem esta responsabilidade a sério”, remata a diretora de Media da Amnistia Internacional.

 

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