22 Novembro 2012

Milhares de pessoas estão detidas nas prisões de Moçambique apesar de não terem sido considerados culpados de qualquer crime, diz a Amnistia Internacional num relatório, Aprisionando os meus direitos: Prisão e detenção arbitrária e tratamento dos reclusos em Moçambique, publicado hoje.

O documento expõe como pessoas se encontram detidas durante meses, por vezes anos, em celas sujas e sobrelotadas sem terem cometido um crime.

O relatório – uma colaboração entre a Amnistia Internacional e a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos – demonstra também como, na maioria dos casos, estes indivíduos não são informados dos seus direitos ou não os conseguem compreender; não podem pagar a um advogado e são quase invariavelmente representados por indivíduos não qualificados ou por advogados com poucas qualificações; e raramente aguardam o julgamento em liberdade.

“Encontrámo-nos com detidos, alguns dos quais crianças, presos sem haver qualquer sinal óbvio de ter havido crime, quanto mais indícios suficientes de que eles os tinham cometido”, disse Muluka-Anne Miti, investigadora da Amnistia Internacional para Moçambique. “O sistema de justiça de Moçambique simplesmente não trabalha para os pobres que podem passar anos a definhar na prisão sem as autoridades saberem ou se importarem que lá estejam. O objetivo de um sistema de justiça criminal é assegurar que a justiça é feita, o que inclui assegurar que aqueles que não cometeram um crime não são ilegalmente detidos”.

A Amnistia Internacional está a promover uma petição para que parem os abusos da polícia e que sejam colmatadas as lacunas judiciais.

Participe, assine a petição. 

 

Alguns casos

José Capitine Cossa (também conhecido como Zeca Capetinho Cossa)

Na prisão há 12 anos sem ter sido condenado, ou aparentemente acusado, de um crime

A 16 de fevereiro de 2012, representantes da AI encontraram-se com José Capitine Cossa na Prisão de Segurança Máxima de Machava.

Ele encontrava-se na prisão desde que fora preso enquanto vendia esculturas na berma da estrada em Maputo. Não tinha sido condenado por nenhum crime, nem teve qualquer audiência de tribunal. Na verdade, não parecia ter sido condenado por nenhum crime.

José Capitine Cossa disse que apesar de nunca ter sido condenado, estava detido na Prisão de Segurança Máxima há mais de 12 anos. Não se lembrava da data exata da sua prisão e detenção, mas outros detidos que se encontravam na prisão desde 2001 e 2003 disseram que ele já lá estava quando eles chegaram e que não tinha saído desde então.

Não teve advogado e não foi informado da razão da sua detenção continuada sem julgamento ou de quando seria levado a tribunal para se defender.

José Capitine Cossa permaneceu em detenção até ser libertado em 4 de setembro de 2012, no seguimento de intervenções separadas, primeiro da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos e depois da Amnistia Internacional, a 9 de março e 9 de agosto, respetivamente.

Em resposta a um memorando enviado pela Amnistia Internacional, o Procurador-Geral declarou que a libertação de José Capitine Cossa tinha sido instruída pois “havia sinais de que a sua detenção era irregular”. Declarou que a situação estava a ser investigada, mas não parece que José Capitine Cossa tenha recebido alguma compensação pelos 12 anos de prisão sem acusação ou julgamento.
 
 

Ana Silvia (nome alterado para proteger a sua identidade)

Acusada e condenada de assassinar a sua mãe quando tinha apenas 15 anos. Não havia sinais óbvios de homicídio, muito menos do envolvimento de Ana Silvia; não houve autópsia. A polícia ameaçou agredi-la para conseguir uma “confissão”.

A 11 de novembro de 2010, após o funeral da sua mãe, a polícia foi à casa de Ana Silvia, de 15 anos, e disse-lhe para aparecer no dia 16 de novembro na 2ª Esquadra da Polícia do distrito de Moamba, na Província de Maputo.

Nesse dia, acompanhada pelo pai, foi questionada por agentes da polícia na presença do Chefe de Quarteirão. Foi acusada de ter assassinado a mãe, que fora encontrada morta em casa a 9 de novembro de 2010, embora não existissem sinais óbvios de uma morte suspeita, nenhum sinal do envolvimento de Ana Silvia, e não ter sido realizada uma autópsia.

Aparentemente, a acusação contra Ana Silvia baseou-se na informação fornecida pelo Chefe de Quarteirão, que declarou que Ana Silvia tinha discutido com a mãe alguns dias antes da sua morte.

De acordo com Ana Silvia, a mãe tinha saído de casa cedo na manhã de 9 de novembro de 2010, e regressado durante a noite, após Ana Silvia ter ido dormir. No dia seguinte, Ana Silvia encontrou o corpo da mãe.

Diz que após a polícia a ter acusado de matar a mãe, perguntaram ao pai dela se a deviam agredir para a fazer contar a verdade, mas o pai recusou-se a permitir a agressão.

Foi detida na esquadra nessa noite, e diz ter sido posteriormente transferida para a prisão distrital em Moamba por volta das 19h00 do dia seguinte, onde ficou detida durante três meses.

A 27 de fevereiro de 2011 foi transferida para a Prisão Civil de Maputo, onde ficou quase cinco meses antes de ser transferida para a Prisão para Mulheres de Ndlhavela a 18 de julho de 2011. Quando a delegação visitou Ana Silvia a 17 de fevereiro de 2012, 15 meses após ter sido presa, encontrava-se detida numa cela com mulheres adultas e não tinha ainda sido julgada.

A Amnistia Internacional foi informada que, a 9 de julho de 2012, após quase 20 meses em detenção pré-julgamento e apesar da ausência de quaisquer sinais óbvios de uma morte suspeita e de uma autópsia, ela foi condenada a ano e meio de prisão por homicídio.

Tendo já estado presa durante mais de um ano e meio, foi imediatamente libertada.

Porém, na sua resposta à Amnistia Internacional, o Procurador-Geral não respondeu às alegações de ausência de autópsia ao corpo da mãe de Ana Silvia, mas declarou que ela tinha sido considerada culpada de a estrangular até à morte e condenada a dois anos. Declarou ainda que, como tinha já passado mais de ano e meio detida, tinha-lhe sido concedida liberdade condicional.
 

Hélder Xavier (nome alterado para proteger a sua identidade)

Preso e acusado de roubo aos 16 anos, mas não sabe o que supostamente roubou. Não recebeu mais informação sobre o seu caso e ainda não foi a tribunal. Os representantes da AI encontram fortes inconsistências no seu registo criminal.

Hélder Xavier, detido na Prisão Civil de Maputo, disse não saber a sua data exata de nascimento, mas que tinha 16 anos. Foi preso a 7 de agosto de 2011 em Maputo, no seguimento da captura de outro indivíduo por um grupo de pessoas por suspeita de roubo.

Ele disse ter visto a confusão e que foi ver o que se passava. Alguém o acusou de ser cúmplice e foi preso pela polícia. Ele e o outro indivíduo foram levados para a 4ª esquadra da polícia e foi formalmente acusado enquanto estava na cela. Porém, diz que a polícia não lhe deu oportunidade de se defender ou responder à acusação. Diz que foi acusado de roubo, mas não sabe o que roubou.

A 12 de agosto de 2011 foi transferido para a Prisão Civil de Maputo e acredita que o outro indivíduo foi libertado nesse dia. Falou com o Juiz de Instrução na prisão, que lhe disse que aguardasse o julgamento. Não recebeu mais informação relativamente ao seu caso e foi levado ao Tribunal Juvenil.

Os membros da delegação tiveram acesso a dois documentos oficiais relacionados com o seu caso, que mostravam claras inconsistências: um diz que ele tinha 14 anos, enquanto o outro dizia 18, embora os documentos tenham sido produzidos num intervalo inferior a seis meses.

A Amnistia Internacional mencionou este caso no seu memorando ao Procurador-Geral, mas não recebeu qualquer informação na resposta deste.

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