8 Março 2020

À luz da atual tendência global de disseminação de mensagens misóginas por alguns líderes políticos e religiosos, e do aumento das políticas e práticas opressivas e sexistas, há mulheres em todo o mundo que unem forças para consolidar e proteger os direitos e liberdades conquistadas. Estes movimentos procuram garantir que, em vez de restringir, os progressos devem ser aprofundados para combater as desigualdades que persistem.

Milhões de mulheres estão a desafiar retóricas que as demonizam e que tentam prejudicar o movimento feminista, bem como as defensoras dos direitos das mulheres, da igualdade de género e da educação sexual. Um discurso que defende valores tradicionais e uma definição específica de família está a ganhar terreno e a promover uma agenda que nega a igualdade como um direito das mulheres, a necessidade de implementar políticas específicas para lidar com a violência de género, o direito a tomarem decisões respeitantes aos seus corpos e à sua saúde sexual e reprodutiva. Este posicionamento retrógrado também está a visar defensoras e ativistas por serem quem são e por desenvolverem o trabalho que desenvolvem. É um discurso que contraria os acordos internacionais já reconhecidos pelas Nações Unidas na Conferência Mundial sobre a Mulher de 1995, em Pequim, que, este ano, celebram o seu 25.º aniversário e foram ratificados por um amplo número de países.

“Preocupa-nos que este tipo de discurso integre a agenda política no que parece ser uma estratégia global contra os direitos das mulheres. Não é por acaso que autocarros com as mesmas mensagens contra a diversidade ou negando a existência da violência contra as mulheres têm aparecido na Alemanha, em França, em Espanha, em Itália, no Chile, na Colômbia ou no Quénia. É por isto que as mulheres estão a reagir mais energicamente do que nunca, que os movimentos feministas se estão a reforçar e que as gerações mais novas se têm envolvido crescentemente na luta”, afirma Ana Rebollar, diretora-adjunta da Amnistia Internacional Espanha.

Violência contra mulheres

Em Espanha, entre 1 de janeiro de 2003 e 2 de Março de 2020, foram mortas, pelos seus parceiros ou ex-parceiros, 1046 mulheres. Depois de anos de consenso político para se tomarem medidas específicas contra um flagelo que afeta cada vez mais jovens, alguns partidos políticos estão a tentar ocultar este tipo de violência dentro do conceito mais amplo de violência doméstica, que esconde e nega a existência da desigualdade estrutural que está na raiz da violência contra as mulheres. Isto apesar do consenso internacional sobre a existência de violência específica baseada na discriminação contra as mulheres (Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra as Mulheres, ratificada por 189 países, em 1979).

No México, onde a cada dia são mortas dez mulheres, os protestos saíram às ruas contra a violência que não é considerada numa perspetiva de género pelo Ministério Público. No país, o femicídio fica impune.

Sem educação igualitária

Um dos principais pontos sensíveis em distintas partes do mundo é a educação sobre igualdade e diversidade, que aborde a violência baseada no género. Com o argumento de que ninguém pode tomar este tipo de decisão relativamente às suas próprias crianças, países como o Paraguai e o Brasil proíbem educação sexual e reprodutiva, bem como material relacionado com a igualdade de género e a não-discriminação. Uma lei semelhante aguarda aprovação no parlamento da Polónia.

“A liberdade das famílias não pode prevalecer sobre o direito de crianças e adolescentes a receberem ferramentas que lhes permitam identificar e combater situações de discriminação nas suas vidas, conhecerem e viverem livremente e sem temer a sua própria identidade, e a adquirirem conhecimento para lidar com a sua sexualidade”, nota Ana Rebollar.

O presidente do Paraguai prometeu queimar livros com este tipo de conteúdo, o Brasil apoiou campanhas de abstinência sexual e a Polónia poderá vir a ter penas de até três anos de prisão para quem ensine estas temáticas a menores de 18 anos. Contudo, as sociedades estão a reagir. Estudantes paraguaios mobilizam-se para exigir educação sexual abrangente ao seu governo, ao passo que, no Perú, a pressão da sociedade civil, incluindo a Amnistia Internacional, levou o Supremo Tribunal a agir judicialmente contra o injustificado foco de género nos conteúdos curriculares.

Controlo sobre o corpo

Há países, como as Honduras e El Salvador, com leis em vigor que podem colocar uma mulher na prisão durante décadas. Isto aconteceu a Evelyn Hernandez, condenada a 30 anos por um aborto.

Organizações como a Open Democracy relataram que no México, no Equador ou na Costa Rica, onde a interrupção voluntária da gravidez é legal em alguns casos, grupos conservadores estão a fornecer informação “falsa e distorcida” a mulheres. Estes intimidam-nas com alegações falsas de grande risco de cancro, alegando que os seus parceiros se tornarão homossexuais ou que elas terão maior probabilidade de abusarem fisicamente de outras crianças.

Tendo isto em conta, na Eslováquia, graças à pressão da sociedade civil, o parlamento votou contra forçar as mulheres a ver ecografias do feto antes de interromperem a gravidez. Esta medida constituiu uma tentativa de as mulheres não usufruírem dos seus direitos reprodutivos, em prejuízo da sua autonomia.

Assédio a ativistas e mulheres políticas

Esta tendência sexista está a vitimizar defensoras dos direitos das mulheres. Uma vez mais, em todas as partes do mundo, quem ergue a voz continua a ser sujeita a agressão, ameaças, intimidação, criminalização, difamação e mesmo morte. Os seus modos de vida e até mesmo a forma como se vestem são questionados.

A Amnistia Internacional continua a denunciar casos como o de Ebtisam El Saegh da Salam for Democracy and Human Rights, no Bahrein, que foi agredida sexualmente e brutalmente espancada pelo seu trabalho em prol dos direitos humanos. No Irão, Yasaman Aryani e a sua mãe, Monireh Arabshahi, foram condenadas a nove anos e sete meses de prisão por distribuírem flores a outras mulheres e promoverem a não-obrigatoriedade do uso do véu. A advogada iraniana Nasrin Sotoudeh, que defende os direitos destas mulheres, foi condenada a 38 anos na prisão e 148 chicotadas. Todas foram acusadas, entre outras coisas, de “perturbação da ordem pública”, de “cometer um ato pecaminoso ao aparecerem em público sem um hijab” e até de “incitamento à corrupção e à prostituição”.

Ativistas como Carola Rackete, a capitã do Sea-Watch 3, que após salvar migrantes no Mediterrâneo, foi insultada pelo ministro italiano do Interior. Em diversas esferas políticas e sociais, foram encorajados atos de violência sexual contra ela. Além disso, foi atacada apenas por ser mulher e pela sua aparência. Um destino semelhante sucedeu a 14 ativistas polacas, que mostraram uma bandeira antifascista durante uma manifestação cheia de símbolos racistas e fascistas. Chamaram-lhes “cabras”, “escumalha de extrema-esquerda”, e “prostitutas”. Ainda foram julgadas por obstruírem uma manifestação pacífica, mas a mobilização de cidadãos garantiu a sua absolvição.

Mulheres que participaram na Marcha Verde pela legalização do aborto na Argentina também foram visadas e assediadas em redes sociais. Na Índia, uma em cada cinco mulheres deputadas e políticas foi atacada. Sobre elas são também feitos comentários sexistas referentes à aparência, ao estatuto conjugal, a terem ou não crianças, e relativos ao contexto étnico e religioso de onde provêm.

A força do movimento feminista

Porém, a pressão dos movimentos de mulheres não pode ser subestimada. Quando países como a Arábia Saudita desejam lavar a sua imagem, manchada por relatos de violações dos direitos humanos, fazem-no com anúncios de avanços nos direitos das mulheres, como ser-lhes permitido conduzir. Contudo, não nos podemos esquecer de ativistas como Loujain al-Hathloul, que foi presa, em maio de 2018, por publicar um vídeo de si própria a conduzir e a reivindicar este direito para as mulheres do seu país, continua atrás das grades.

O hino das mulheres chilenas contra as agressões sexuais, Um violador no teu caminho, foi cantado nos cinco continentes e chegou mesmo a parlamentos, como na Turquia. Segundo um estudo da Amnistia Internacional, apenas 9 em cada 31 países europeus têm leis que definem a violação com base na ausência de consentimento. Mas mulheres determinadas, sobreviventes e ativistas têm provocado a mudança. Só em 2018, a Islândia e a Suécia tornaram-se no sétimo e no oitavo países da Europa a adotarem nova legislação em consonância com a lei e os padrões internacionais, seguidos da Grécia, em 2019.

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