8 Março 2020

As alterações climáticas são um desafio que pesa sobre todos nós, mas não de forma igual. As mulheres e raparigas estão entre as pessoas mais afetadas, especialmente as que pertencem a comunidades marginalizadas e discriminadas do sul. Só que as suas vozes são raramente ouvidas nos fóruns de tomada de decisões.

Hoje, apesar da crescente divisão, vemos movimentos a unirem-se. A luta pela justiça climática está a ganhar força, encabeçada por mulheres poderosas de várias origens. Poderá a crise climática servir para nos unir? Será este o ponto de viragem na solidariedade global, exortando-nos a agir, a conectar as nossas lutas e, finalmente, a triunfar sobre as desigualdades sistémicas que nos dividem?

Neste Dia Internacional da Mulher, perguntámos a cinco mulheres ativistas o que significa para elas a justiça climática e como podemos todos aproveitar o poder da diversidade para garantir um futuro justo e sustentável para todas as pessoas.

 

Sostine Namanya (Uganda)

Especialista em género e segurança alimentar

Inspiram-me as mulheres rurais que foram deslocadas por grandes corporações, desastres climáticos, entre outros, mas que permanecem resilientes apesar das adversidades que enfrentam diariamente.

Os acontecimentos que testemunhei enquanto jovem rapariga africana a crescer entre comunidades rurais no Uganda, determinaram em grande medida o meu percurso de ativismo. Não só testemunhei a minha própria mãe, tias e outras mulheres na aldeia a debaterem-se com os desafios práticos da injustiça climática, como também eu me tornei numa vítima, ainda muito jovem. Era como se existisse alguma lei escrita em algum lado pela qual só mulheres e raparigas estavam mandatadas para transportar água, lavar tudo em casa, cozinhar, servir a comida e, depois, procurar por mais comida. Em várias ocasiões, testemunhei mulheres a serem espancadas pelos seus maridos por razões que iam desde o atraso na preparação de refeições, até ao facto de não terem aquecido água para o banho ou voltarem tarde dos mercados e poços. Foi então que começou a desenvolver-se em mim o impulso de que algo tinha de ser feito sobre esta situação, embora na altura não conseguisse perceber exatamente o quê. Por isso, juntar-me à ação da sociedade civil e ao ativismo contra injustiças sociais e económicas, mesmo antes de ter completado o ensino superior, pareceu-me ser uma tendência natural.

Para mim, justiça climática significa um mundo em que as alterações climáticas são abordadas, não de forma generalizada, mas a partir de como afetam diferentes categorias de pessoas com base, por exemplo, no seu sexo, na sua localização no mundo, na natureza do seu emprego ou no seu estatuto económico.

 

Amasai Jeke (Fiji)

Feminista transgénero e ativista pelos direitos LGBTQI

Enquanto jovem feminista e alguém que acredita na justiça climática e económica, trata-se de construir relações de confiança, elaborar estratégias comuns e amplificar as realidades vividas pelas pessoas que estão na linha da frente das alterações climáticas. Estas pessoas incluem as do sul, racializadas, indígenas e de comunidades rurais, mulheres, LGBTQI, crianças, com incapacidades e jovens que estão a fazer a mudança no mundo.

Também se trata de termos solidariedade, enquanto base do trabalho conjunto, para acabar com as desigualdades climáticas. A crise climática proporciona uma janela para entendermos formas cruzadas de injustiças inerentes neste planeta. É por isso que é importante termos igualdade de género, que é mais do que somente igualdade entre homens e mulheres, e os direitos humanos no centro de como trabalhamos para atingir a justiça climática. Também é importante que as comunidades marginalizadas não sejam colocadas de parte ou regateadas como moeda de troca, mas incluídas na tomada de decisões e valorizadas no debate público.

Aprendi com o movimento LGBTQI e o movimento feminista das mulheres que dizer a verdade é a coisa mais forte que alguém pode fazer e que tudo o resto se encaixará no seu lugar.

 

Astrid Puentes (Colômbia-México)

Advogada ambiental

As comunidades locais e indígenas deviam estar no centro das conversas em torno da justiça climática, já que têm um papel-chave a desempenhar na procura de soluções. As suas vozes têm de ser ouvidas, incluindo as da juventude e as das mulheres, e as soluções que propõem devem ser consideradas e implementadas.

Todas as pessoas, em particular quem se encontra em situações privilegiadas, têm uma responsabilidade de reconhecer as desigualdades sociais, que estas ocorrem em todo o lado, e de fazer alguma coisa quanto a isso. Devemos parar de agir num esforço para sermos politicamente corretos e começar a transformar as comunidades e os ambientes para serem verdadeiramente inclusivos.

Sair das nossas zonas de conforto é um passo essencial que todos devemos dar. Se ainda estamos confortáveis, então podemos fazer mais. Não estou necessariamente a falar de sacrifício, na verdade é o oposto. O primeiro passo para construir um mundo verdadeiramente justo é tornarmo-nos verdadeiramente desconfortáveis para com as desigualdades e a discriminação.

 

Marcelle Partouche (Canadá)

Assistente social comunitária e artista

Penso que podemos ser humildes nesta batalha, não há necessidade de títulos. Temos de compreender que isto é uma oportunidade de aprendizagem para todos nós fazermos as coisas de maneira diferente. Podemos começar por aprender mutuamente e honrar as práticas que têm respeitado a terra e o ambiente. Podemos tentar lidar com pequenas mudanças – comer menos carne, não nos deixarmos levar em consumo excessivo de nenhum tipo, reciclar e informarmo-nos sobre as energias renováveis. Tudo isto terá impacto nos nossos estados de espírito, comportamentos e podemos simplesmente tentar partilhar em vez de desperdiçar.

Os valores centrais têm de mudar para uma melhor distribuição dos recursos, em todo o sentido do termo. Quando infiltra as nossas mentes, a escassez é um parasita – torna-nos gananciosos/as e egoístas. Mas, realmente, devemos estar conscientes de todas as espécies, elementos e seres à nossa volta, e agir em conformidade: com uma abundância de bondade, cuidado e humanidade.

 

Joyce Tan (Filipinas)

Advogada e ativista climática

Sou advogada nas Filipinas, um país que lidera sempre a lista dos mais vulneráveis a alterações e desastres climáticos. Ali, não temos negacionistas porque as pessoas tiveram de viver com os impactos iniciais das alterações climáticas e ver a sua família e os seus amigos a morrer, a perder as casas onde viviam devido a tufões cada vez mais perigosos e a secas prolongadas.

Eu sabia que confrontar as alterações climáticas exigiria transformações massivas de sistemas muito enraizados e interligados, e queria descobrir maneiras que usassem dados e provas – a linguagem que os analistas utilizam – para fazer pressão.

Gradualmente, vemos provas de quão desinformadas têm sido as nossas decisões, nos incêndios, em inundações massivas, em comunidades a serem arrasadas num instante, em rápidas extinções. Nós sabemos como a margem para agir está a ficar cada vez mais pequena, mas ainda assim os nossos líderes continuam a levar demasiado tempo a responder. O mundo está a arder e não podemos ignorar o problema, remetendo-o para as gerações futuras.

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