5 Setembro 2011

Por Diana Eltahawy, investigadora da Amnistia Internacional na Líbia

Uma das características mais cruéis do conflito armado na Líbia têm sido as inúmeras detenções arbitrárias e desaparecimentos forçados de centenas de pessoas suspeitas de serem opositoras do Coronel Mu’ammar Khadafi. Algumas ainda se encontram desaparecidas e as que foram libertadas relatam testemunhos de tortura, violações e execuções extrajudiciais.

A grande maioria dos desaparecidos eram homens suspeitos de apoiarem a ‘Revolução de 17 de Fevereiro’, mas as mulheres não foram excluídas.

Uma delas é Sukaina al-Hares, enfermeira de 37 anos de idade detida em duas ocasiões distintas durante o conflito. Sukaina foi presa no Hospital do Coração de Tajoura, o seu local de trabalho há 17 anos, por três homens à paisana às 15h00, no dia 12 de Junho. A enfermeira suspeita que as colegas alertaram os agentes de segurança leais ao Coronel Khadafi. Foi acusada de fazer cópias de panfletos que alertavam os apoiantes da rebelião anti-Khadafi – ironicamente – para a existência de informadores. Foi conduzida até um local desconhecido, onde foi interrogada e agredida enquanto permanecia de olhos vendados.

Sukaina disse à Amnistia Internacional: “Eles sentaram-me numa cadeira, fizeram-me perguntas e agrediram-me. Sempre que não gostavam de uma resposta, esbofeteavam-me na cara. Depois começaram a bater-me com uma mangueira de borracha nas minhas costas, coxas e braços. Queriam saber quem mais no hospital simpatizava com os “ratos”, nome pelo qual denominam os thuuwar (revolucionários). Não paravam de perguntar-me quem me tinha dado o folheto e queriam que denunciasse os médicos do Hospital do Coração que entregaram material médico aos thuuwar. Ameaçaram violar-me se não ‘confessasse’ mas eu continuei a dizer-lhes que encontrei o folheto no chão.. Chamaram-me rato e prostituta.”

Algumas horas depois, Sukaina foi transferida para o gabinete da Agência de Segurança Interna em Sabri, onde as agressões e o interrogatório continuaram. Afirmou ter sido electrocutada nos braços, costas e mamilos. Depois de dois dias, foi mantida em custódia na Prisão de Jdeida e acusada de distribuir documentos subversivos. Foi libertada a 13 de Julho.  

Sukaina mal teve tempo para recuperar da experiência quando um grupo de homens armados, à paisana, invadiram a sua casa na madrugada de 20 de Julho. Procuravam-na bem como aos seus irmãos, que tinham pegado em armas contra o regime do Coronel Khadafi. Sukaina esteve detida na área de Abu Salim, em Tripoli, até que os thuuwar a libertaram a 24 de Agosto. Durante a sua detenção, Sukaina não tinha permissão para contactar a sua família.

Entre as acusações levantadas contra Sukaina encontrava-se o facto de ter ajudado Younes Ali Mansour, um paciente de 50 anos no Hospital do Coração de Tajoura, que denunciou à Amnistia Internacional ter sido agredido e violado duas vezes – com uma mangueira e uma vara de madeira – depois da sua detenção por suspeita de apoio à oposição.  
A 4 de Setembro, os investigadores da Amnistia Internacional reuniram-se com outra mulher que foi ‘punida’ pelo seu apoio à ‘Revolução de 17 de Fevereiro’. Inas Fathi Masoud, uma engenheira informática de 26 anos, foi presa em sua casa às 23h30 a 31 de Julho por um grupo de homens armados à paisana.

Inas disse à organização que apoiou a revolta, apesar de pertencer à tribo Werfala visto como leal ao Coronel Khadafi, porque assistiu a muita injustiça.
O seu tio foi morto pelas forças de segurança na Prisão de Abu Salim em Junho de 1996, juntamente com mais 1200 detidos. Desde o inicio da revolução, Inas permaneceu em contacto com outros opositores de Khadafi, em Benghazi e na Tunísia. Também juntou dinheiro, roupas e alimentos para os combatentes e para civis na zona da Montanha de Nafusa. A enfermeira acredita que as suas actividades foram descobertas depois de ter tentado entregar material audiovisual aos seus contactos na Tunísia, material esse que provava a participação das forças de Khadafi em crimes de guerra.

Inas foi detida no bairro de Hay al-Andalus de Tripoli, onde foi interrogada acerca das suas actividades e ligações à oposição. Diz ter sido esbofeteada, agredida nas costas e braços e ameaçada de violação. Foi mais tarde transferida para a sede da Agência de Segurança Interna, em Sabri, e depois para a prisão de Abu Salim. Juntamente com Sukaina e, pelo menos mais outras três mulheres, foram libertadas pelos thuuwar a 24 de Agosto.

Inas disse à Amnistia Internacional: “Sei que era tratada muito melhor que os outros detidos porque a minha família intercedeu a meu favor junto de algumas pessoas de alto nível no governo de Khadafi que não queriam perturbar a tribo Werfala. Contudo, testemunhei como os indivíduos do sexo masculino detidos eram agredidos, electrocutados e insultados, em Sabri… Planeio continuar envolvida nesta revolução e construir um futuro melhor para todos os líbios.”

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