8 Outubro 2015

As autoridades de Myanmar (Birmânia) mantêm presos e perseguem centenas de ativistas pacíficos numa vaga reforçada de intimidação a caminho das eleições de novembro próximo, alerta a Amnistia Internacional em nova campanha pela libertação dos prisioneiros de consciência no país.

No novo relatório – intitulado “Back to the old ways” (De volta aos velhos tempos) e publicado esta quinta-feira, 8 de outubro – a organização de direitos humanos demonstra como a repressão tem vindo a ganhar força de forma drástica ao longo dos últimos dois anos, em contraste claro com as declarações oficiais de que nem uma só pessoa está detida ou presa por exercer pacificamente os seus direitos e liberdades.

A Amnistia Internacional tem indicadores de que pelo menos 91 prisioneiros de consciência estão atualmente atrás das grades na Birmânia, mas o número real é provavelmente muito mais alto. Este é um aumento drástico desde o perdão presidencial decretado nos finais de 2013, altura em que a organização de direitos humanos documentava a existência de apenas dois prisioneiros de consciência no país.

“O Governo da Birmânia está a tentar fazer valer uma realidade alternativa, em que tudo é um mar de rosas de direitos humanos, e que a comunidade internacional está ansiosa em aceitar. Mas a verdade não pode ser mais diferente. As autoridades birmanesas têm intensificado uma arrepiante repressão da liberdade de expressão neste último ano”, frisa a investigadora da Amnistia Internacional Laura Haigh, perita sobre Myanmar. “Os números falam por si mesmos: cremos que quase 100 ativistas pacíficos estão atualmente detidos, e centenas mais acusados criminalmente”, sustenta.

A perita sublinha que “o Presidente [da Birmânia], Thein Sein, tem de libertar imediatamente todos os prisioneiros de consciência e pôr fim às práticas repressivas que estão a alimentar detenções arbitrárias”.

A vaga de intimidação e repressão tem afetado várias dimensões da sociedade, tomando por alvo pessoas que as autoridades entendem como “ameaças” ao Governo – no que se incluem defensores de direitos humanos, advogados, ativistas da oposição, estudantes, sindicalistas e jornalistas.

A investigação agora publicada pela Amnistia Internacional documenta sete casos emblemáticos da nova geração de prisioneiros de consciência na Birmânia. Entre eles está o da líder estudantil Phyoe Phyoe Aung, que corre o risco de ser condenada a mais de nove anos de prisão por ter organizado manifestações no início de 2015 contra uma nova lei que restringe a liberdade académica, e também o do advogado Zaw Win, que se encontra detido apenas por ter usado um megafone num protesto à porta de um tribunal em maio de 2014, na região de Mandalay, em que exigia o fim da corrupção judicial.

A Amnistia Internacional documentou também um crescendo significativo da repressão conforme se aproxima a data das cruciais eleições legislativas na Birmânia, marcadas para 8 de novembro próximo. Ativistas pacíficos são cada vez mais frequentemente visados com acusações criminais e sem possibilidade de fiança, mantidos em pré-detenção a aguardar julgamento por longos períodos, ao mesmo tempo que os termos de pena de prisão se têm tornado igualmente mais extensos.

“As autoridades da Birmânia têm estado claramente a agir todo este tempo com os olhos postos nas eleições, com a repressão a ter-se intensificado pelo menos nove meses antes do arranque da campanha eleitoral, em setembro. O propósito é muito óbvio: tirar das ruas as vozes ‘indesejáveis’ bem antes das eleições e garantir que não são ouvidas”, critica Laura Haigh.

A Birmânia tem uma variedade de leis draconianas para deter e condenar à prisão os críticos do Governo. Estas leis contêm cláusulas que proíbem, entre outras coisas, reuniões ilegais, “distúrbios à tranquilidade do Estado” e “insultos às sensibilidades religiosas”.

E o clima de medo é agravado por outras formas de intimidação, em que se inclui um sistema arreigado de vigilância e perseguição dos cidadãos. Os ativistas são sujeitos a uma monitorização constante: seguidos, fotografados enquanto participam em eventos públicos, e os seus escritórios e casas alvo de “inspeções” a meio da noite, assim como veem familiares a serem também intimidados e perseguidos.

Muitos prisioneiros de consciência na Birmânia já estiveram presos antes e são frequentemente detidos de novo e condenados a penas de prisão pouco após serem libertos após o cumprimento de sentença, o que cria uma “porta giratória de repressão”.

A um mês das eleições legislativas, a Amnistia Internacional insta o Governo birmanês a libertar imediata e incondicionalmente todos os prisioneiros de consciência, a anular as acusações que pendem contra aqueles que apenas exerceram pacificamente os seus direitos humanos e a revogar ou rever as leis do país que violam os direitos humanos. A organização urge também a comunidade internacional, que tem vindo a aliviar a pressão sobre a Birmânia nos últimos dois anos, a intensificar os esforços para pressionar o Presidente, Thein Sein, a dar ordem de libertação de todos os prisioneiros de consciência no país.

“Os líderes mundiais não podem aceitar como válidas as declarações das autoridades birmanesas de que acabaram com a repressão. Estas eleições constituem uma oportunidade crucial para deixar claro à Birmânia que prender e silenciar críticos pacíficos é inaceitável. E esta é uma oportunidade que não pode ser perdida”, remata a perita da Amnistia Internacional.

 

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