22 Maio 2020

A situação dos rohingya no Myanmar continua a ser preocupante, numa altura em que o país tem de informar o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre a aplicação das “medidas provisórias” de proteção, exigidas no início deste ano.

“Apesar da ordem do TIJ, não houve alterações para os cerca de 600 mil rohingya que vivem no estado de Rakhine em condições extremas”, garante o diretor para o Sudeste Asiático e Ásia Oriental da Amnistia Internacional, Nicholas Bequelin, antes de acrescentar que deste grupo fazem parte 126 mil pessoas que as autoridades continuam a manter em campos.

Aos rohingya são lhes negados os direitos à nacionalidade e à liberdade de movimento. Além disso, o acesso a determinados serviços, incluindo assistência médica, continua a não ser garantido. Nicholas Bequelin nota ainda que estas pessoas “estão no meio de um crescente conflito armado entre os militares do Myanmar e o Exército de Arakan”.

Isolados e desprotegidos

Com a COVID-19, os rohingya e outras minorias que vivem nos estados de Rakhine e Chin ficaram ainda mais em risco. A falta de informação é um problema, sendo recorrentes os bloqueios dos serviços de comunicação e internet. Este facto também dificulta o trabalho de monitorização da situação humanitária no terreno.

“Ainda que existam diretrizes presidenciais que proíbem os responsáveis do governo de cometer atos de genocídio ou destruir provas, em consonância com a ordem do Tribunal Internacional de Justiça, a realidade mostra que não foram tomadas medidas significativas para acabar com as atrocidades, incluindo o crime de apartheid”, defende Nicholas Bequelin.

“Outra diretiva que exige que os principais dirigentes não promovam o ‘discurso de ódio‘ há muito que é aguardada, mas não possui garantias suficientes de que não possa ser utilizada para reduzir ainda mais a liberdade de expressão. Sem o devido acompanhamento e transparência na aplicação da ordem do Tribunal Internacional de Justiça, estas medidas só podem ser vistas como uma fachada”, afirma o mesmo responsável.

Uma vez que os rohingya e outras minorias étnicas continuam a ser alvo de violações generalizadas de direitos humanos, a Amnistia Internacional renova o pedido ao Conselho de Segurança da ONU para que encaminhe, de forma urgente, a situação no Myanmar para o Tribunal Penal Internacional.

Um processo que remonta a 2019

No dia 11 de novembro de 2019, a Gâmbia avançou com um processo no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em que acusava o Myanmar de violar a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948). A queixa incluía um pedido urgente de adoção de “medidas provisórias” para impedir todos os atos que pudessem constituir ou contribuir para o crime de genocídio contra os rohingya e proteger a comunidade de outras ameaças, enquanto o caso estiver a ser julgado.

Entre 10 e 12 de dezembro de 2019, Haia recebeu audiências públicas para discutir a aplicação das medidas provisórias. A delegação do Myanmar foi chefiada pela conselheira de Estado e líder de facto Aung San Suu Kyi, que rejeitou as acusações de genocídio e instou o tribunal a abandonar o caso, sem que fosse necessário adotar qualquer tipo de proteção urgente para os rohingya.

Já este ano, no dia 23 de janeiro, o TIJ aprovou as medidas provisórias e ordenou que o Myanmar prestasse esclarecimentos sobre a sua implementação, dentro de quatro meses, e, depois disso, a cada seis meses, até o caso ser fechado. A decisão exigia que o governo do país “tomasse todas as medidas ao alcance” para proteger os rohingya de atos de genocídio e garantir a preservação de todas as provas relacionadas com alegações desse crime, bem como evitar o seu “incitamento público”.

A ordem do TIJ foi emitida alguns dias depois de a comissão independente de inquérito criada pelo governo do Myanmar ter apresentado um relatório ao presidente do país, onde admitia que as forças de segurança podem ter sido responsáveis ​​por crimes de guerra e uso desproporcional da força. Contudo, não encontraram provas de genocídio e o relatório completo continua por divulgar na íntegra.

Desde fevereiro, os combates entre as forças armadas do Myanmar e o Exército de Arakan, um grupo étnico armado de Rakhine, aumentaram no estado de onde são originários e em Chin, com relatos de violações graves de direitos humanos e mais vítimas civis, incluindo um membro da Organização Mundial da Saúde morto no dia 20 de abril. As duas partes acusaram-se mutuamente.

Devido à pandemia de COVID-19, foi adotado um cessar-fogo unilateral, mas este não se aplica às áreas onde os militares do Myanmar estão a combater o Exército de Arakan, considerado pelas autoridades uma “organização terrorista”.

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