15 Maio 2019

  • O dia de Nakba, assinalado hoje, marca o deslocamento de mais de 700 mil palestinianos após a criação do Estado de Israel
  • 71 anos depois, o regresso a casa continua a ser negado
  • Plataforma da Amnistia Internacional narra a luta dos refugiados no Líbano, na Jordânia e nos TPO

Mais de sete décadas de sofrimento têm sido alimentadas pelo fracasso de Israel em respeitar o direito ao regresso a casa dos palestinianos forçados a fugir em 1948. Para a Amnistia Internacional, trata-se de uma violação flagrante da lei internacional. A plataforma “70+ Years of Suffocation” relembra o dia de Nakba com testemunhos poderosos de refugiados que vivem no Líbano, na Jordânia e nos Territórios Palestinianos Ocupados (TPO).

“Mais de 70 anos após o conflito que se seguiu à criação de Israel, os refugiados palestinianos que foram expulsos das suas casas e expropriados das suas terras continuam a enfrentar consequências devastadoras”, afirma o diretor de Investigação e Advocacy para a região do Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Philip Luther.

Campo de refugiados palestinianos na Jordânia, em 1969. © UNRWA

Este fim-de-semana, quase 200 milhões de pessoas vão estar presos aos ecrãs de televisão para assistir ao Festival da Eurovisão, que tem como palco Israel. Contudo, poucos terão em mente o papel do país no destino nada brilhante ou glamoroso dos refugiados palestinianos.

“Não pode haver uma solução duradoura para a crise dos refugiados palestinianos sem que Israel respeite o seu direito de retorno”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacy para a região do Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional

“Não pode haver uma solução duradoura para a crise dos refugiados palestinianos sem que Israel respeite o seu direito de retorno. Paralelamente, as autoridades libanesas e jordanas devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para minimizar o sofrimento dos refugiados palestinianos, revogando as leis discriminatórias e removendo os obstáculos que bloqueiam o acesso dos refugiados ao emprego e aos serviços essenciais”, defende Philip Luther.

Atualmente, existem mais de 5,2 milhões de refugiados palestinianos. A maioria vive na Jordânia, no Líbano, nos TPO e na Síria. Israel não reconhece o direito – à luz da lei internacional – de regressarem às casas onde eles ou as suas famílias viviam, fosse em Israel ou nos TPO. A perda das propriedades também não foi recompensada.

Muitos acabaram por ficar toda a vida em campos de refugiados sobrelotados. O acesso a serviços essenciais quase não existia.

“Os refugiados palestinianos no Líbano, na Jordânia e nos Territórios Palestinianos Ocupados estão presos a um ciclo de privação e discriminação sistemática, sem fim à vista. Para muitos, a vida está cheia de restrições sufocantes e tornou-se um inferno”, nota Philip Luther.

Jerusalém vista do muro da Cisjordânia. © Thomas Coex/AFP/Getty Images

Refugiados, apátridas e sem igualdade de oportunidades

A maioria dos refugiados palestinianos no Líbano nasceu e viveu toda a vida no país, mas não tem acesso à nacionalidade libanesa. Muitos permanecem apátridas e não conseguem usufruir de serviços públicos, como saúde e educação.

A Amnistia Internacional ouviu relatos de vários refugiados palestinianos no Líbano que viram destruídos os sonhos de seguir uma carreira profissional ou de construir um futuro melhor devido a leis discriminatórias. Mais de 30 profissões, das áreas da medicina, direito, arquitetura e engenharia, estão vedadas a estas pessoas. As restrições ditam, em muitos casos, menos oportunidades e pobreza.

Mohammad, um refugiado palestiniano de 21 anos, quer ser dentista. No Líbano, isso não será possível, pelo menos no futuro mais próximo.

“Estou rodeado pela pobreza. Quero ter uma vida melhor, longe de toda esta miséria”, lamenta.

Mohammad sempre ouviu dizer que os palestinianos não têm direitos. © Tanya Habjouqa

Sara Abu Shaker, de 14 anos, continua a alimentar o sonho de estudar medicina, apesar de nunca poder vir a exercer no país onde vive.

“Mesmo que não possa ser médica aqui, poderei ir para a Palestina e ajudar os necessitados, particularmente as crianças menos privilegiadas. Quero salvar vidas”, partilha a jovem.

Mais de dois milhões de refugiados palestinianos vivem na Jordânia. Destes, cerca de 370 mil estão em campos e enfrentam, diariamente, condições de vida abaixo dos padrões recomendados.

“Por quanto tempo mais os refugiados palestinianos vão ser condenados a uma vida de sofrimento, privação e discriminação por causa da sua origem?”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacy para a região do Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional

A situação na Jordânia é um pouco diferente do Líbano. Cerca de três quartos dos refugiados palestinos têm cidadania jordana, ou seja, podem usufruir de cuidados de saúde e do sistema de educação. No entanto, mais de 600 mil pessoas – incluindo cerca de 150 mil que fugiram para o país da Faixa de Gaza, após o conflito israelo-árabe de 1967 – não foram naturalizadas e estão impossibilitadas de aceder em condições de igualdade aos serviços públicos.

Jundia Awwad, de 48 anos, nasceu na Jordânia. A família é oriunda do território que, hoje, corresponde ao sul de Israel. Toda a sua vida foi passada no campo de refugiados de Jerash.

“Cresci na esperança de que, amanhã, iríamos regressar à Palestina, mas, em vez disso, ficámos em casas feitas de placas de amianto. Quero viver como os outros seres humanos. Quero cuidados de saúde, educação adequada e infraestruturas. Quero igualdade”, desabafa.

A casa da família de Jundia Awwad foi incendiada em 1948. © Tanya Habjouqa

No ano passado, as autoridades dos Estados Unidas da América decidiram cortar o financiamento à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA na sigla inglesa), que fornece serviços essenciais a milhões de pessoas, como cuidados de saúde, educação, assistência de emergência e empregos.

“A situação dos refugiados palestinianos é insustentável e aproxima-se de um ponto de rutura, a cada ano que passa. Por quanto tempo mais os refugiados palestinianos vão ser condenados a uma vida de sofrimento, privação e discriminação por causa da sua origem?”, questiona Philip Luther.

Artigos Relacionados