28 Maio 2015

Um dos mais conservadores estados norte-americanos aboliu a pena de morte, com um triunfo de 30 votos a favor e 19 contra, um número suficiente para se sobrepor ao prometido veto do governador do Nebrasca. A coordenadora do programa da Amnistia Internacional Estados Unidos para o ativismo contra a pena de morte no estado do Nebrasca, Christy Hargesheimer, faz aqui um relato profundamente emotivo de reação à boa notícia chegada na quarta-feira, 27 de maio. São as palavras de quem vive no Nebrasca e ali lutou pela abolição da pena de morte.

 

 

“Uau! Quem diria que isto era possível? O Nebrasca, predominantemente alinhado com o Partido Republicano (e com algumas bolsas de tendência para o Partido Democrático), aboliu mesmo a pena de morte, com os deputados do estado a sobreporem-se ao veto do governador! E quem são as pessoas responsáveis por finalmente levarem isto a bom termo? Uma fortíssima coligação de abolicionistas, mais alguns suspeitos improváveis – foram eles!

Mas antes de mais, um pouco de história: o Nebrasca foi o primeiro estado dos Estados Unidos a abolir a pena de morte pela via legislativa na era moderna, em 1979, mas essa lei acabou por não conseguir sobreviver ao veto do governador. Em consequência, assistimos a três execuções durante a década de 1990, a última delas em 1997.

Depois, em 1999, foi adotada uma moratória legislativa à pena capital – e foi vetada. Em vez da concretização da moratória, foi autorizada a realização de um estudo, conduzido por David C. Baldus, do estado do Iowa, o qual concluiu que a pena de morte era aplicada de forma arbitrária, com a influência de fatores como a localização geográfica, a classe social, a raça e o entendimento dos procuradores, em vez de ser baseada em critérios de justiça.

Já em 2008, o Supremo Tribunal do Estado do Nebrasca decidiu que o uso da cadeira elétrica constituía uma ‘punição cruel e imprópria’ [em referência à categoria de punições consideradas excessivamente severas na 8ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos], uma vez que nessa altura o Nebrasca era o único lugar no mundo inteiro que tinha a eletrocussão como único método de execução. A injeção letal substituiu a cadeira elétrica como método de execução, mas, como desde então o Nebrasca não tem conseguido obter legalmente as substâncias químicas para o fazer, a pena de morte tem estado na prática suspensa.

Em 2013 tínhamos finalmente os votos suficientes para aprovar a abolição da pena de morte, mas não os suficientes para se sobreporem a filibusters [táticas obstrutivas ou dilatórias admitidas nos procedimentos legislativos de discussão da proposta-de-lei que tornam possível que um ou mais legisladores consigam adiar ou mesmo impedir a fase de votação].

Este ano, porém, ao fim de décadas de luta, tivemos os votos necessários para deter qualquer filibuster, e a proposta-de-lei apresentada pelo senador Ernie Chambers, de Omaha – que batalhou pela abolição durante 40 anos –, avançou até à fase final.

O suspense foi enorme: seríamos capazes de nos sobrepormos ao prometido veto do governador, ou isso revelar-se-ia uma barreira tão intransponível agora como o fora em 1979? Hoje temos a resposta. E agora há que celebrar!

Mas voltemos antes àqueles que designei como ‘suspeitos improváveis’. Quem foram os que nos ajudaram a conseguir este momento histórico? Muitos familiares de vítimas falaram do enorme impacto negativo que a contínua atenção dos órgãos de comunicação social teve nas suas vidas. Muitos líderes religiosos (incluindo o Papa e o Dalai Lama) declararam-se a favor da abolição. Agentes da polícia, até alguns procuradores, um antigo juiz do Nebrasca e ex-diretores prisionais de outros estados norte-americanos disseram que tinha chegado a hora de avançar. Mas no Nebrasca, foram mesmo os legisladores conservadores que viraram a página e começaram a apresentar argumentos, morais e económicos, que sinalizaram o fim de um sistema falhado.

Claro que nada disto teria acontecido sem o trabalho árduo dos grupos de trabalho dedicados a pôr fim à barbárie do Estado. A Amnistia Internacional Estados Unidos tem estado sempre presente nesta batalha, com ações de telefonemas e alertas por email pedindo aos membros da Amnistia Internacional no Nebrasca para contactarem os seus representantes na legislatura do estado.

O Nebrasca beneficia também de uma forte coligação de pessoas que trabalham juntas: na Nebraskans for Alternatives to the Death Penalty, na Equal Justice USA, na American Civil Liberties Union, e em muitas outras organizações que trabalharam diligentemente na tentativa de educar os legisladores e os eleitores. Os órgãos de comunicação social desempenharam igualmente um papel, com a publicação de muitos editoriais defendendo a abolição da pena de morte nos maiores jornais do estado.

Por isso, obrigada a todos: pelo apoio, os telefonemas, os emails. Agora, o Nebrasca faz parte daqueles estados que abandonaram uma punição falhada e irreparável – agora é o 19º estado norte-americano sem pena de morte, e o sétimo a abolir a pena capital só nestes últimos oito anos.

A vaga da abolição continua a varrer os Estados Unidos e em breve a pena de morte ficará relegada para os livros de história, onde é o lugar dela. Quem é o próximo?”

 

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