24 Julho 2015

Uma série de novos poderes extensos que permitem às autoridades francesas monitorizarem as atividades dos cidadãos online e fora do universo digital vão entrar em vigor dentro de poucos dias, depois de o Tribunal Constitucional ter dado aval, na noite de quinta-feira, 23 de julho, a praticamente todas as secções da nova Lei da Vigilância, alerta a Amnistia Internacional.

O Governo francês avançou com celeridade esta nova lei no Parlamento na esteira dos ataques de Paris no início deste ano, fazendo orelhas moucas à forte oposição expressa por grupos de defesa dos direitos e liberdades de cidadania, juízes, empresas de tecnologia, sindicatos, advogados e deputados, assim como às críticas feitas ouvir por vários organismos internacionais de direitos humanos.

“A decisão tomada ontem à noite [23 de julho] derruba a última barreira que se interpunha a uma lei que vem desferir um duro golpe contra os direitos humanos em França. As medidas de vigilância autorizadas por esta legislação são totalmente desproporcionadas. Grande parte da população em França poderá estar em breve a ser vigiada com base em motivos obscuros e sem uma autorização judicial prévia”, frisa a vice-diretora da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, Gauri van Gulik.

A perita lembra que “as práticas de vigilância das agências de serviços secretos dos Estados Unidos e do Reino Unido têm sido criticadas globalmente e, ainda assim, as autoridades francesas parecem querer imitar os homólogos norte-americanos e britânicos, dando luz verde a que as comunicações dos cidadãos sejam intercetadas e acedidas à vontade”.

Esta decisão do Tribunal Constitucional francês foi tomada dois dias apenas depois de o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas – organismo encarregado de rever o cumprimento da França das suas obrigações de tratado – se ter pronunciado muito criticamente sobre a lei de vigilância, entendendo que a mesma dá “poderes de vigilância excessivamente amplos” ao Governo francês. Em oposição aos argumentos apresentados pela ONU, o Conselho do Tribunal Constitucional nada objetou ao facto de ficar nas mãos do primeiro-ministro, e não de um juiz, a autorização da vigilância. O tribunal francês em sequer decidiu contra as questões de legalidade dos objetivos para os quais a vigilância seja feita, de acordo com o que é consagrado na lei.

Os problemas cruciais com a nova lei de vigilância em França, tal como esta está redigida, incluem:

  • É permitido ao primeiro-ministro autorizar medidas de vigilância intrusiva com objetivos latos e indefinidos como “importantes interesses de política externa”, proteção dos “interesses económicos, industriais e científicos” da França e prevenção de “violência coletiva” e “delinquência organizada”.

  • É permitido, para efeitos de combate ao terrorismo, o recurso a ferramentas de vigilância em larga escala que acedem às telecomunicações e a “caixas negras” instaladas nas infraestruturas dos fornecedores de serviços de Internet, para coligirem e analisarem os dados pessoais de milhões de utilizadores.

  • Falta de monitorização independente: em vez de ser necessário obter a autorização de um juiz, o primeiro-ministro terá apenas de solicitar o parecer de um novo organismo – o “Comité Nacional de Controlo Técnico da Vigilância” – sem tão pouco ter de o cumprir.

  • Será extremamente difícil, senão mesmo impossível, que as pessoas tenham conhecimento se estão ou não a ser ilegalmente espiadas, e que sejam feitas denúncias que exponham abusos cometidos pelas agências que conduzem a vigilância.

O Conselho do Tribunal Constitucional rejeitou, porém, três secções da nova lei, entre elas a mais excessiva: a que tratava as questões de vigilância das comunicações internacionais e que iria permitir a interceção de comunicações “enviadas ou recebidas” para e de outros países. A Amnistia Internacional alertara que esta provisão legislativa abriria a porta para que fossem incluídas virtualmente todas as comunicações de Internet. Foi também afastada como inconstitucional a secção da lei que teria permitido às agências de serviços secretos levarem a cabo vigilâncias sem nenhuma autorização, nem sequer do primeiro-ministro, em casos de “ameaças iminentes”.

Vários grupos de direitos humanos em França, incluindo a Amnistia Internacional França, defenderam que a nova lei é inconstitucional numa submissão escrita apresentada, a 10 de julho passado, ao Conselho do Tribunal Constitucional.

“Esta lei é uma violação clara dos direitos humanos de privacidade e de liberdade de expressão que estão consagrados internacionalmente. Qualquer pessoa que esteja a investigar a conduta do Governo francês ou de empresas francesas, ou alguém que esteja a organizar um protesto ou uma manifestação, pode ser sujeita a formas extremamente intrusivas de vigilância. Ferramentas de vigilância maciça, incluindo as ‘caixas negras’ [nos fornecedores de serviços de Internet], porão as comunicações online de toda a população ao alcance das autoridades de França”, sublinha por seu lado a presidente da Amnistia Internacional França, Geneviève Garrigos.

 

Artigos Relacionados