30 Abril 2018

EM RESUMO

  • demolições, construção de estradas, lixeiras e novos cemitérios estão a ser usados para destruir valas comuns
  • autoridades iranianas removem deliberadamente provas forenses cruciais minando potencialmente os direitos à verdade, à justiça e ao ressarcimento
  • pelo menos quatro mil a cinco mil pessoas foram enterradas em segredo em valas comuns depois do massacre de 1988

 


 

Novas provas, incluindo imagens de satélite, fotografias e análises de vídeo demonstram que as autoridades do Irão estão deliberadamente a destruir locais onde se localizam valas comuns, confirmadas e suspeitas, relacionadas com o massacre de 1988 no país, em que milhares de pessoas detidas por razões políticas foram sujeitas a desaparecimentos forçados e executadas extrajudicialmente. Estas provas são documentadas em novo relatório emitido esta segunda-feira, 30 de abril, pela Amnistia Internacional e a Justice for Iran.

Criminal cover-up: Iran destroying mass graves of victims of 1988 killings (Encobrimento criminoso: Irão está a destruir valas comuns de vítimas das mortes de 1988) revela que as autoridades iranianas estão a arrasar e a aterrar locais, a construir edifícios e estradas, a despejar lixo em quantidades enormes ou a construir novos cemitérios sobre valas comuns.

Esta conduta está a destruir provas fundamentais que podem ser utilizadas para apurar a verdade sobre a escala dos crimes e obter justiça e ressarcimento para as vítimas e familiares. Os locais têm sido mantidos sob permanente vigilância das agências de segurança, o que sugere que organismos judiciais, de segurança e de serviços secretos estão envolvidos nos processos de tomada de decisão relacionados com a profanação e destruição das valas comuns.

“As atrocidades cometidas no massacre de 1988 no Irão constituem uma ferida que continua aberta ao fim de três décadas. Ao destruir provas forenses vitais, as autoridades iranianas estão deliberadamente a reforçar um clima de impunidade”, crítica o diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para a região do Médio Oriente e Norte de África, Philip Luther.

“As atrocidades cometidas no massacre de 1988 no Irão são uma ferida aberta ao fim de três décadas.”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacy da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África

A diretora executiva da Justice for Iran, Shadi Sadr, frisa, por seu lado, que “estes são locais de crime e têm de ser protegidos como tal até que sejam feitas investigações forenses adequadas e independentes para identificar os restos mortais e as circunstâncias do que aconteceu às vítimas”.

Cimento despejado em cima das valas

Num dos locais investigados no relatório Criminal cover-up, localizado na cidade de Tabriz, Norte do Irão, as autoridades despejaram cimento sobre mais de metade de uma área em que se suspeita existir uma vala comum. Imagens de satélite obtidas pela Amnistia Internacional e pela Justice for Iran mostram mudanças drásticas ocorridas na zona entre junho de 2016 e setembro de 2017.

E num outro exemplo chocante, na cidade de Qorveh, província do Curdistão, as autoridades demoliram em julho de 2016 lápides e sinais colocados por familiares enlutados, com o argumento de que aquelas terras tinham sido alocadas a fins “agrícolas”.

Durante quase três décadas, as autoridades iranianas têm persistentemente escondido o destino e paradeiro das vítimas do massacre de 1988. Esta conduta configura desaparecimento forçado, um crime definido na lei internacional.

Até hoje não é ainda conhecido exatamente quantas pessoas foram executadas extrajudicialmente em 1988, com as estimativas mais baixas a apontarem para o número entre as quatro mil e cinco mil. Nenhum responsável iraniano foi investigado nem julgado e alguns dos alegados perpetradores destes crimes continuam a exercer cargos políticos ou a ter posições influentes no sistema judicial.

As famílias das vítimas foram proibidas de se juntarem para realizar qualquer tipo de cerimónia e de colocarem flores ou mensagens em memória dos mortos nos locais das valas comuns – algo que é uma parte muito importante nos ritos e costumes fúnebres no Irão. Familiares das vítimas têm também sido alvo de perseguição judicial e encarceradas por tentarem chegar à verdade e obter justiça.

“Três décadas passaram desde que foi cometida esta chacina cruel e é mais do que chegada a hora de as autoridades fazerem esforços reais para revelar, em vez de esconder, a verdade. A memória das pessoas que foram mortas não pode simplesmente ser apagada ou enterrada debaixo de cimento”, insta Philip Luther.

Shadi Sadr reitera que “estes crimes horríveis têm de ser devidamente investigados e todos os responsáveis por os terem cometido, ordenado ou os esconderem têm de ser levados a tribunal em julgamentos justos sem recurso à pena de morte”.

“Estes crimes horríveis têm de ser devidamente investigados e todos os responsáveis por os terem cometido, ordenado ou os esconderem têm de ser julgados.”

Shadi Sadr, diretora executiva da Justice for Iran

A ONG Justice for Iran estima que existirão mais de 120 locais por todo o Irão que contêm restos mortais de vítimas do massacre de 1988.

O relatório Criminal cover-up” identifica sete locais de valas comuns suspeitas ou já confirmadas que foram destruídas entre 2003 e 2017. As suas localizações são: dentro ou em redor do cemitério Behesht Reza, em Mashhad, província de Khorasan Razavi; no cemitério de Behesht Abad, em Ahvaz, província de Khuzestan; no cemitério Vadieh Rahmat em Tabriz, província do Azerbaijão Oriental; no cemitério de Golestan Javid em Kharavan; no cemitério Tazeh Abad em Rasht, província de Gilan; no cemitério Baha’i em Qorveh, província do Curdistão; e nos terrenos das antigas instalações do Tribunal Revolucionário de Sanandaj, também na província do Curdistão.

Massacre de 1988

O massacre de 1988 começou pouco após o fim da guerra entre o Irão e o Iraque e depois de uma fracassada ofensiva armada da então denominada Organização dos Mujahidin do Povo, em julho daquele ano.

As pessoas detidas por razões políticas por todo o país foram mantidas em regime de incomunicabilidade. E em agosto e setembro de 1988 começaram a emergir relatos de que estavam os detidos estavam a ser executados em grupo e enterrados em valas comuns não assinaladas.

Familiares desesperados procuraram nos cemitérios próximos por sinais de covas recentemente escavadas. O destino e paradeiro da maioria das vítimas permanecem desconhecidos até hoje.

Logo desde os finais de 1988, familiares das vítimas foram informadas verbalmente pelas autoridades de que os seus parentes tinham sido mortos sem prestar quaisquer mais informações sobre as circunstâncias dessas mortes. Os corpos não foram entregues às famílias nem foram revelados os locais em que tinham sido enterrados.

A maior parte das pessoas executadas extrajudicialmente estavam a cumprir longas penas de prisão, amiúde impostas pela sua dissidência pacífica, incluindo por atividades como distribuir jornais e panfletos, por terem participado em manifestações pacíficas contra o Governo ou por terem ligações reais ou assim entendidas pelas autoridades com vários grupos da oposição política no país.

Algumas tinham sido libertas anos antes e foram detidas de novo nas semanas que antecederam as execuções extrajudiciais. Outras já tinham cumprido por completa as penas de prisão a que tinham sido condenadas, mas as autoridades não as chegaram sequer a libertar porque se recusaram a fazer declarações de “arrependimento”.

Recursos

  • 94 Estados

    94 Estados assinaram a Convenção Internacional sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado e 44 ratificaram-na.
  • 26 mil pessoas

    No México, entre 2006 e 2012, mais de 26 mil pessoas foram consideradas desaparecidas ou desapareceram.
  • 30 mil desaparecimentos

    No Sri Lanka, desde a década de 1980, foram denunciados à ONU 12 mil casos de desaparecimento forçado. O número real ultrapassa os 30 mil casos.

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