4 Junho 2014

 

O fotógrafo de renome internacional Stuart Franklin estava numa varanda apinhada de um quinto andar virado para a Praça Tiananmen, em Pequim, com a máquina fotográfica apontada a um homem parado que desafiava uma coluna de tanques. E pensou nesse momento que estava longe demais da ação.

Mas 25 anos depois daquele dia de 5 de junho de 1989, umas 24 horas após o brutal massacre de manifestantes pacíficos pró-democracia pelas tropas chinesas na Praça Tiananmen, a fotografia que Stuart Franklin ali tirou tornou-se no derradeiro símbolo do poder de um individuo contra um Estado poderoso. A foto do Homem do Tanque é uma imagem icónica em todo o mundo.

E foi assim que aconteceu:

Do “Woodstock chinês” à repressão

Stuart Franklin tinha chegado a Pequim uma semana antes da chocante repressão do Governo chinês sobre os manifestantes pacíficos, num movimento liderado pelos estudantes, na noite de 3 para 4 de junho de 1989.

O seu editor na agência Magnum sabia que o que tinha começado, em abril, como uma greve de fome dos estudantes na principal praça de Pequim estava a tornar-se em algo com proporções históricas. Stuart foi destacado para acompanhar os acontecimentos.

“Eu queria mesmo ir. Sabia que o que estava a acontecer era grave porque na China desafiar o Estado era uma coisa séria”, lembra o fotojornalista, entrevistado em sua casa, no Sul de Londres.

Stuart Franklin chegou à capital chinesa com pouco mais do que uma mochila e as máquinas, alugou uma bicicleta e começou a circular pela cidade. Estava a tentar perceber os acontecimentos sem precedente que se desenrolavam à sua volta.

“Era extraordinário. Quando cheguei, o ambiente era tipo um ‘Woodstock chinês’. Os grevistas de fome estavam numa tenda e havia também debates e música na praça. Parecia uma espécie de festival rock”, recorda.

Mas as coisas tornaram-se rapidamente sombrias quando os tanques chegaram: era claro que as autoridades chinesas iam atuar de forma decisiva para acabar com os protestos.

“A situação mudou quando os militares se instalaram na praça a 1 e 2 de junho. O ambiente ficou pesado. Começaram a ser disparados tiros, pessoas foram mortas, e depois, gradualmente, a repressão começou”.

O Homem do Tanque

Ninguém sabe ao certo quantas pessoas foram mortas quando o Exército chinês varreu a tiro estudantes, dirigentes sindicais, trabalhadores comuns, habitantes da cidade que se manifestavam na Praça Tiananmen a 3 e 4 de junho.

E ninguém esperava o aconteceu a seguir.

Quando o sol nasceu na manhã de 5 de junho de 1989, Stuart Franklin precipitou-se para a varanda do Hotel Beijing, no outro lado da rua da Praça Tiananmen. Os correspondentes estrangeiros tinham-se juntado ali para testemunharem que se passava na praça.

E então Stuart viu-o: um homem com uma camisa branca e calças escuras que caminhava em frente aos tanques na Avenida Chang, com dois sacos nas mãos.Movia-se de um lado para o outro para os impedir de avançarem. Os tanques moviam-se com ele.

“Ficámos totalmente surpresos. Esperava ver o tanque avançar lentamente e empurrá-lo. Mas o tanque não avançou, antes começou a movimentar-se de um lado para o outro, como numa dança, e começou a negociar com aquele homem. Foi surpreendente”, evoca Stuart.  “Foi um momento de David contra Golias. O homem era muito pequeno em frente a um tanque muito grande, e aquela cena dava a sensação de que um homem sozinho controlava o poder do Estado”.

Stuart Franklin pressionou o botão de disparo da máquina fotográfica com entusiasmo, da mesma maneira que tinha feito tantas vezes antes durante os protestos, capturando o ambiente daqueles acontecimentos raramente vistos na China.

“Quando tirei a fotografia, o que me passava pela cabeça é que estava muito longe da cena, a quilómetros de distância. Pensei que gostaria de estar mais perto, desejei estar na rua. Ocorriam-me memórias de fotografias extraordinárias como as das manifestações checas em frente aos tanques russos que avançavam em Praga em 1968. Só pensava que estava a quilómetros de distância, e que a foto não ia ficar nada interessante”, conta, enquanto olha para a série de imagens que tirou há 25 anos.

“Conseguiste tirar a fotografia?”

No dia seguinte, quando tentava sair de Pequim com o rolo escondido numa caixa de chá que pertencia a um produtor da televisão francesa, Stuart recebeu um telefonema do editor na Magnum, em Paris, o qual apenas lhe perguntou: “Conseguiste tirar a fotografia ao homem em frente ao tanque?”

E foi então que Stuart percebeu que a imagem iria ilustrar aqueles dias, e perdurar no tempo.

“Não tínhamos televisão em Pequim por isso não soubemos o impacto que a fotografia tivera. O acontecimento foi noticiado em todo o mundo pela BBC e pelas agências noticiosas. As pessoas viram as imagens de um homem literalmente a dançar em frente a um tanque, a impedir que este prosseguisse, e foi isso que se tornou icónico”, explica o fotojornalista.

“Se acontecesse hoje, toda a gente estaria a enviar tweets. Toda a gente teria a foto. Se tivesse que resumir esta fotografia numa palavra seria coragem. Definiria a coragem extraordinária de um homem em enfrentar uma fila de tanques, sacrificando a vida pela justiça social tal como ele a via”.

 

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