7 Abril 2014

A comunidade internacional continua a não dar sinais de ação naquilo que se aprendeu com o genocídio no Ruanda, avalia a Amnistia Internacional ao assinalar-se esta segunda-feira, 7 de abril, o 20º aniversário daquela catástrofe humana que causou mais de 800 mil mortos.

“Em 1994, o mundo envergonhou-nos a todos quando ignorou os gritos desesperados por ajuda que chegavam do Ruanda. A África e todo o resto da comunidade internacional ficou a marcar passo enquanto centenas de milhares de pessoas eram massacradas”, lembra o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty. “A nossa mensagem é clara: isto não pode voltar a acontecer, nunca mais. Apesar de os líderes mundiais terem reconhecido os seus erros, a verdade é que ao fim de 20 anos as lições aprendidas com o Ruanda não foram postas em prática. Os governos continuam a não proteger aqueles que precisam de ajuda nas catástrofes iminentes que estão perante nós atualmente”, prossegue.

Os cem dias de horror no Ruanda – entre abril e julho de 1994 – deixaram a mancha de 800 mil mortos em ataques lançados pelas forças governamentais, maioritariamente hútu, contra toda a população tutsi e qualquer hútu que se opusesse ao genocídio em curso.

Milhares de pessoas eram mortas todos os dias por esquadrões de ataque armados pelas forças governamentais com catanas e facas do mato, atiçados para um massacre de proporções brutais, logo após o ataque e queda do avião que transportava o então Presidente do Ruanda, Juvénal Habyarimana, a 6 de abril. A comunidade internacional olhou para o lado. A 21 de abril, duas semanas já desde o início dos massacres, o Conselho de Segurança das Nações Unidas votou e aprovou a redução da missão de capacetes azuis que se encontravam no país: uma diminuição de 2.500 para 270 tropas apenas.

Aquele contingente assistiu impotente à morte de dezenas de milhares de pessoas todas as semanas. O genocício só parou em julho de 1994, quando as forças da Frente Patriótica do Ruanda (FPR, tutsi) derrotaram as tropas e milícias governamentais. Seguiram-se, previsivelmente, violações em larga escala dos direitos humanos perpetradas pela FPR.

E com 20 anos passados, os ecos do que aconteceu no Ruanda estão a soar agora na República Centro Africana e no Sudão do Sul – e em mais outros lugares no mundo.

Porta aberta a novas tragédias humanas

“Os acontecimentos recentes na República Centro Africana e no Sudão do Sul demonstram como os esforços regionais e internacionais para resolver os atuais conflitos em África continuam a falhar. Estamos a assistir a uma limpeza étnica em larga escala na República Centro Africana e no Sudão do Sul, também, estão a registar-se mortes e violações motivadas pela etnia e afiliações políticas”, ilustra o secretário-geral da Amnistia Internacional. “O não envio de missões de paz mais robustas para a República Centro Africana, e não garantir a responsabilização pelos crimes muito graves que estão a ser cometidos, só abre a porta a novas tragédias de proporções catastróficas”.

A Amnistia Internacional investiga desde dezembro de 2013 os crimes de guerra e crimes contra a humanidade que prosseguem na República Centro Africana, apesar da presença de tropas de paz da União Africana e da França. Execuções extrajudiciais, violação e outras formas de tortura ocorrem todos os dias, e a limpeza étnica em curso forçou centenas de milhares de muçulmanos a fugirem para os países vizinhos onde os refugiados vivem em condições terríveis e – também aí – se assiste ao avolumar de uma outra crise humanitária.

“Os nossos investigadores analisaram a limpeza étnica de larga escala que está a varrer a República Centro Africana. Homens, mulheres e crianças estão a ser massacrados, e as tropas de paz ausentes, sem lhes prestarem qualquer ajuda”, frisa Salil Shetty. “É inaceitável que nos corredores do poder nas Nações Unidas, na Europa e na União Africana, os jogos burocráticos e de poder tenham afundado os repetidos esforços para mobilizar de forma célere um contingente adicional de tropas das Nações Unidas para a República Centro Africana. Os resultados estão à frente dos olhos de todos: morte e miséria”.

No Sudão do Sul milhares de civis foram mortos nestes últimos meses e mais de um milhão de pessoas foram forçadas a fugir das suas casas com o eclodir do conflito em dezembro de 2013. Aqui, também, estão a ser cometidos crimes de guerra e crimes contra a humanidade que destroem as vidas das pessoas enquanto os responsáveis permanecem livres.

Face a esta violência, o Conselho de Segurança das Nações Unidas votou de forma unânime o reforço das forças de paz no Sudão do Sul, para tornar mais eficiente o cumprimento e desempenho do mandato de proteção dos civis. Porém, apesar das lições aprendidas no Ruanda há 20 anos, esta mobilização tem sido lenta.

Também no Sudão do Sul continuam as execuções extrajudiciais, a violação e outros abusos dos direitos humanos, frequentemente alinhadas a motivações étnicas e de linhas políticas. Tanto o Governo como as forças da oposição levam a cabo atos de destruição gratuita de bens e propriedades, ataques a hospitais e igrejas e saques por todo o país, levando ao abandono de múltiplas cidades pelos seus habitantes. Milhares de civis continuam a fugir para os países vizinhos, ao mesmo tempo que centenas de milhares permanecem deslocados dentro do Sudão do Sul.

Com a aproximação da época das chuvas, a catástrofe está iminente, a não ser que a ajuda humanitária consiga chegar aos civis sem demoras. “O tempo está a esgotar-se para milhões de homens, mulheres e crianças, que estão a precisar desesperadamente de ajuda tanto na República Centro Africana como no Sudão do Sul. O mundo tem de agir e tem de o fazer já”, urge Salil Shetty.

 

Artigos Relacionados