24 Abril 2014

O recurso ao uso excessivo da força por parte da polícia espanhola e os planos do Governo em avançar com legislação cada vez mais repressiva do direito a manifestação são sinais graves da determinação das autoridades em esmagar os protestos pacíficos no país, denuncia em novo relatório a Amnistia Internacional.

“O Governo espanhol está a lançar mão de toda a força da lei para asfixiar protestos legítimos e pacíficos”, frisa a vice-diretora do Programa Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional, Jezerca Tigani. “A polícia tem repetidas vezes usado bastões e balas de borracha contra manifestantes, ferindo tanto estes como transeuntes indiscriminadamente. A polícia age com total impunidade, enquanto manifestantes pacíficos e líderes dos movimentos sociais são persistentemente perseguidos, discriminados, espancados e em alguns casos mesmo detidos e subsequentemente alvo de acusações criminais, e penas de prisão e de multa”, prossegue, na descrição de um retrato negro da ação policial e das autoridades em Espanha.

Este novo relatório da Amnistia Internacional, hoje divulgado, com o título “Spain: The right to protest under threat” (Espanha: o direito de manifestação sob ameaça), expõe um elenco de violações de direitos humanos cometidas pela polícia contra manifestantes, assim como a falta de atribuição de responsabilidades pelas mesmas e a determinação das autoridades espanholas em endurecem legislação ainda mais repressiva.

Desde que a crise económica e financeira abalou a Espanha, a perda de empregos, as medidas de austeridade e a aparente falta de transparência nos processos de decisão governamentais deram rastilho a que milhares de pessoas se manifestassem nas ruas. Em 2012, Espanha foi palco de 15.000 protesto, a uma média de 40 por dia. Em 2013, só em Madrid houve 4.500 manifestações, mais mil do que no ano anterior.

E, como o próprio Governo espanhol o reconheceu só foi assinalada violência praticada pelos manifestantes em menos de um por cento desses protestos.

Uso excessivo da força e detenções

A polícia espanhola recorreu a uso excessivo da força para dispersar manifestações pacíficas, com os participantes nos protestos a serem espancados, detidos, acusados em tribunal e multados.

Apesar de as forças policiais terem em alguns casos de usar a força para manter a ordem pública e a segurança, e prevenir atos criminosos, têm também de o fazer em cumprimento rigoroso das obrigações dos agentes de Estado ao abrigo das leis internacionais que asseguram o direito de reunião e de assembleia. Porém, a polícia em Espanha tem recorrido à força excessiva com impunidade.

Vários casos de uso excessivo da força por parte da polícia espanhola foram documentados pela Amnistia Internacional, incluindo o recurso a bastões e balas de borracha que resultaram em ferimentos injustificados em manifestantes.

Num protesto em Barcelona em 2012, Ester Quintana foi atingida por uma bala de borracha disparada pela polícia que lhe causou a perda de um olho. Ester contou à Amnistia Internacional: “Devido ao impacto da bala fiquei com o septo nasal deformado, lesões na boca e no ouvido e perdi as sensações no lado esquerdo da cara. Continuo a receber tratamento psicológico, as minhas rotinas diárias foram afetadas, tal como a forma como me relaciono com as pessoas, como me veem. Foram-me negados todos os benefícios sociais que requeri”.

As pessoas detidas durante os protestos têm reportado sido alvo de abusos por parte da polícia. Vários indivíduos que foram detidos na esquadra de Moratalaz, em Madrid, descreveram o tratamento violento e humilhante que lhes foi dado pelos polícias, incluindo terem de ficar horas a fio de pé virados contra uma parede.

Jornalistas e fotógrafos que cobriam as manifestações relataram terem sido igualmente alvo de violência policial. Em muitos casos a polícia destrui câmaras e outro equipamento para impedir que os jornalistas documentassem atos de violência.

Legislação repressiva

Ao abrigo da lei espanhola, quem organiza ou lidera manifestações não autorizadas pode ser punido com uma multa até 30.050 euros.

Maria, uma testemunha ouvida na investigação da Amnistia Internacional, foi multada em mil euros por ter participado num protesto contra os cortes orçamentais anunciados pelo Governo. “Querem destruir a liderança dos movimentos [sociais] e, por isso, estão atrás de quem dá a cara. Eu continuo a participar nas manifestações e noutras atividades de protesto porque me disseram que pagaríamos a multa coletivamente. Mas é percetível que começa a haver medo: os mais jovens que não têm trabalho não podem pagar as multas por participarem nas manifestações”, contou ela.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos declarou já expressamente várias vezes que a liberdade de participar em manifestações pacíficas é tão importante que quem nelas se envolve não pode ser penalizado a não ser que cometa um crime.

Um novo golpe ao direito a manifestações pacíficas em Espanha está em curso sob a forma das reformas planeadas pelo Governo ao Código Penal e à Lei de Proteção da Segurança Pública, as quais irão introduzir uma série de novas ofensas criminais que visam especificamente os manifestantes e aumentam as penas.

“Em vez de legislar de forma repressiva, o Governo e o parlamento espanhóis devem rever a legislação existente, assim como as práticas e políticas relativas às reuniões públicas e às manifestações de forma a garantir que cumprem as suas obrigações internacionais”, sustenta Jezerca Tigani.

A vice-diretora do Programa Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional não tem dúvidas de que “as autoridades espanholas estão a ir na direção errada”. “Ao restringirem ainda mais os direitos de liberdade de expressão e de liberdade de reunião e de assembleia, irão apenas alargar o abismo entre aqueles que estão no poder e o povo espanhol. O descontentamento público não pode ser sufocado com repressão”, frisa.

 

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