8 Julho 2009

No Peru centenas de mulheres grávidas indígenas, pobres e de zonas rurais estão a morrer por lhes estar a ser negado o acesso aos mesmos serviços de saúde a que outras mulheres do país têm acesso, concluiu a Amnistia Internacional num relatório publicado hoje.
O relatório “Fatal Flaws: Barriers to maternal health in Peru” denuncia os elevados níveis de mortalidade maternal nas Américas. De acordo com os números oficiais, morrem 185 mulheres em cada 100 mil nascimentos no Peru. As Nações Unidas apresentam números ainda mais elevados na casa das 240 mulheres. Muitas das quais são mulheres pobre, de zonas rurais ou indígenas.

 As taxas de mortalidade maternal no Peru são escandalosas”, afirma Nuria García, observadora da Amnistia Internacional no Peru. “O facto de morrerem tantas mulheres de causas evitáveis é uma violação dos direitos humanos. O Estado peruano simplesmente ignora a sua obrigação de proporcionar cuidados de saúde maternos a todas as mulheres, independentemente de quem são e onde vivem.”

 

 O relatório da Amnistia Internacional sublinha que as grávidas no Peru morrem porque enfrentam inúmeras barreiras, incluindo: falta de acesso a cuidados obstétricos de emergência, falta de informação disponível sobre saúde materna e falta de pessoal médico que saiba falar dialectos indígenas.

 De acordo com o Censo Nacional de Povos Indígenas de 2007, cerca de 60% das comunidades cobertas pelo censo não tinham acesso a infra-estruturas de saúde.

 Os serviços para grávidas no Peru são como a lotaria: se for pobre e indígena, as hipóteses são de que perderão sempre”, afirmou Nuria García.

 A mãe de José Meneses Salazar, de 24 anos, de Ccarhuacc, uma das áreas mais pobres do Peru, morreu durante o parto há nove anos. Evitava ir aos exames de rotina com medo de que o pessoal médico a pudesse tratar mal. Quando entrou em trabalho de parto, a parteira do posto de saúde mais próximo estava de licença, portanto teve que ser o pai de José e outros parentes a fazer o parto. Após a criança ter nascido, a placenta não saiu e não sabiam o que fazer. Duas horas mais tarde a mãe faleceu. A bebé sobreviveu.

 O relatório da Amnistia Internacional também avalia o impacto de inúmeras políticas governamentais direccionadas para a redução das taxas de mortalidade maternal, incluindo o aumento de casas de abrigo temporário, chamadas casas de espera materna – salas onde as mulheres que vivem longe dos centros de saúde podem ficar a aguardar o parto – maior promoção do método de parto vertical, comum entre as mulheres indígenas no Perú, e implementação do ensino da língua Quechua aos profissionais de saúde.

 Ainda que as novas iniciativas sejam positivas, as mulheres e os profissionais de saúde consultados pela Amnistia Internacional no Perú queixaram-se do facto de estas não estarem a ser implementadas de forma eficaz e questionaram o seu impacto real.

 A Amnistia Internacional observou que, apesar de o número de casas de espera ter aumentado para mais do triplo nos últimos oito anos, apenas metade delas são em áreas rurais, onde as mulheres mais precisam de cuidados obstétricos de emergência.

 As mulheres e as organizações da sociedade civil local contaram à Amnistia Internacional que o treino dos profissionais de saúde em métodos de parto vertical não está suficientemente generalizado. De acordo com o Provedor dos Direitos Humanos do Peru, mas de 45 % do pessoal médico afirmou, no ano passado, não ter recebido treino apropriado.

 Apesar de haver iniciativas governamentais no sentido de proporcionar o ensino do Quechua aos profissionais de saúde, o seu uso não é generalizado e muitas mulheres de comunidades indígenas cuja primeira língua não é o espanhol não conseguem comunicar com eles.

 As iniciativas oficiais para reduzir a mortalidade maternal são boas notícias”, defendeu Nuria García. “No entanto, a falta de responsabilidade pela sua implementação e a ausência de recursos e monitorização eficaz coloca qualquer iniciativa em grande risco.”

 A Amnistia Internacional instou as autoridades peruanas a alocar recursos para a mortalidade maternal e para os cuidados de saúde reprodutiva, dando prioridade às regiões com os maiores rácios de mortalidade de forma a garantir que todas as mulheres gozem de igual acesso a cuidados obstétricos de emergência em caso de complicações durante o parto. Também é recomendado o aumento do treino dos profissionais de saúde e a provisão de apoio em língua indígena nos centros de saúde.

FACTOS E NÚMEROS

 27 por cento das mortes de mulheres por causas relacionadas com a gravidez ocorreram durante a gestação; 26% ocorreram durante o parto; e 46% durante as primeiras seis semanas após o parto (Ministério da Saúde, Departamento de Epidemiologia, 2007).

 As cinco principais causas de mortes relacionadas com a gravidez no Peru são: hemorragia, pré-eclampsia, infecção, complicações no seguimento de um aborto e obstrução durante o trabalho de parto (Ministério da Saúde, Departamento de Epidemiologia, 2007).

 Em 2007, apenas 36,1% das mulheres nos sectores mais pobres da sociedade que deram à luz entre 2002 e 2007 afirmaram que a última vez que haviam dado à luz tinha sido numa infra-estrutura de saúde. O número comparativo para mulheres nos sectores mais ricos da sociedade foi 98,4% (Estatuto Nacional de Estatística e Informação – INEI).

 59,1 por cento das comunidades cobertas pelo censo nacional de 2007 dos Povos Indígenas não tinham uma infraestrutura de saúde. Dos que tinham, 45,4% não tinham mais que um posto de primeiros socorros; 42,3% tinham um posto de saúde (uma das classificações mais básicas de infraestruturas de saúde); e 10,9% tinham acesso a centros de saúde (a infra-estrutura equipada mais parecida com um do posto de saúde). (Censo Nacional dos Povos Indígenas de 2007)

 Apesar de pouco mais de um terço da população do Peru viver em áreas rurais, a população rural constitui mais de 57,7% daqueles que vivem em pobreza (Estatuto Nacional de Estatística e Informação, 2008).

 O governo peruano anunciou que o melhoramento da saúde materna e infantil era uma das cinco metas estratégicas para o seu orçamento para a política social em 2008 e que esperava reduzir a mortalidade maternal para 120 em cada 100 mil nascimentos até 2015. (Orçamento por Resultados, Ministério das Finanças)

ESTUDO DE CASOS

 JOSÉ MENESES SALAZAR
Como descrito anteriormente, a mãe de José Meneses Salazar morreu durante o parto de um dos seus nove irmãos em 1999. Ao descrever o enorme impacto da morte da sua mãe sobre a família, José conta como agora apoia a sua esposa em todos os exames pré-natais e que a levou para a casa de espera antes de esta dar à luz. No entanto, José contou à Amnistia Internacional que o centro de saúde necessita desesperadamente de mais pessoal e equipamento, especialmente para a realização de ecografias que permitam ver como é que o feto se está desenvolver e prever com mais exactidão quando nascerá. Ele espera ter profissionais de saúde permanentes que fiquem na comunidade. Também espera que haja melhores condições para o transporte de mulheres para outros centros em situações de emergência.

 YOLANDA SOLIER TAIPE
Yolanda Solier Taipe tem 33 anos e está grávida do seu sétimo filho. Vive a cerca de uma hora de distância do posto de saúde em Ccharhuacc. O caminho de acesso ao posto não pode ser percorrido por carros.
 “(…) tive os meus outros filhos lá [na casa de espera materna], todos. Fui a pé para lá, mas lá não temos nada; nem comida, nem sítio onde preparar a nossa comida; nem podemos lá ficar, aquelas de nós que vêm de longe…é só para dar à luz e não para quaisquer cuidados após o parto.”

 ROSA QUICHCA VARGAS
Rosa, de 24 anos e grávida do quinto filho – dois dos seus filhos morreram, um no parto e o outro nos primeiros dias a seguir ao parto, possivelmente de pneumonia. Ela vive a mais de uma hora de distância a pé do posto de saúde em Ccharhuacc, numa estrada em que não circulam veículos de qualquer espécie.

 A primeira vez [a médica] não percebeu o que eu lhe disse. Voltei e ela não compreendeu. Da terceira vez pediu-me o meu cartão de planeamento familiar e tive que voltar com ele…não conseguia falar com ela. Quando fomos com o meu marido, ele conseguiu que o médico percebesse [que estava grávida]. Temos medo quando eles falam connosco em espanhol e não conseguimos responder…Começo a transpirar e não consigo falar espanhol…o que é que vou responder se não percebo espanhol? Seria realmente bom [se soubessem falar em Quechua]. O meu marido, quando vai a Lima, deixa-me com os promotores de saúde para que me possam acompanhar. Levam-me às consultas e falam com o médico.”

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