13 Abril 2022

 

  • As autoridades estão a violar os direitos dos requerentes de asilo, com pessoas a serem revistadas totalmente nuas e outros tratamentos degradantes em centros de detenção sobrelotados
  • Algumas pessoas sedadas à força durante os retornos forçados
  • Retornos forçados e detenção arbitrária em contraste absoluto com o acolhimento demonstrado a quem foge da Ucrânia

As autoridades polacas detiveram arbitrariamente quase dois mil requerentes de asilo que entraram no país a partir da Bielorrússia em 2021, e sujeitaram muitas destas pessoas a abusos, revistando-as totalmente nuas em instalações insalubres e sobrelotadas e, em alguns casos, sedando-as e dando-lhes choques com tasers, referiu a Amnistia Internacional.

Após um hiato durante o inverno, mais requerentes de asilo estão agora a tentar entrar na Polónia a partir da Bielorrússia, onde não conseguem aceder a mais fundos devido às sanções internacionais e ao risco de assédio ou prisão pela polícia bielorrussa, em virtude do seu estatuto migratório irregular. Na fronteira polaca, estas pessoas deparam-se com vedações de arame farpado e retornos forçados repetidos pelos guardas fronteiriços, por vezes até 20-30 vezes.

“Os requerentes de asilo que atravessaram a fronteira bielorrussa para a Polónia, nomeadamente muitos forçados a fazê-lo por guardas fronteiriços bielorrussos, estão agora em centros de detenção sujos e sobrelotados onde as autoridades os submetem a tratamento abusivo e lhes negam contacto com o mundo exterior”, sublinhou Jelena Sesar, investigadora regional na Amnistia Internacional.

“O comportamento das autoridades polacas denota racismo e hipocrisia. A Polónia deve estender urgentemente a sua admirável compaixão por quem entra no país vindo da Ucrânia a todos aqueles que atravessam as suas fronteiras em busca de segurança”

Jelena Sesar

“Este tratamento violento e degradante contrasta fortemente com o caloroso acolhimento oferecido pela Polónia a pessoas deslocadas que chegam da Ucrânia. O comportamento das autoridades polacas denota racismo e hipocrisia. A Polónia deve estender urgentemente a sua admirável compaixão por quem entra no país vindo da Ucrânia a todos aqueles que atravessam as suas fronteiras em busca de segurança.”

 

Detenção arbitrária e condições de detenção abusivas

As autoridades fronteiriças polacas reuniram os requerentes de asilo vindos da Bielorrússia e, de forma sistemática, submeteram-nos a retornos forçados, muitas vezes recorrendo a ameaças com armas. A vasta maioria daqueles que escaparam ao retorno forçado para a Bielorrússia e puderam requerer asilo na Polónia foram forçados a detenção automática, sem uma avaliação adequada da sua situação individual e do impacto que a detenção teria sobre a sua saúde física e mental. Frequentemente, estas pessoas são detidas durante períodos prolongados e indefinidos, em centros sobrelotados que oferecem pouca privacidade e apenas acesso limitado a instalações sanitárias, médicos, psicólogos ou assistência jurídica.

Quase todas as pessoas entrevistadas pela Amnistia Internacional disseram ter ficado traumatizadas após terem escapado de zonas de conflito e serem encurraladas durante meses na fronteira bielorrussa/polaca. Sofreram ainda de graves problemas psicológicos como ansiedade, insónia, depressão e pensamentos suicidas repetitivos. Não existia apoio psicológico disponível para a maioria.

 

Traumatizados de novo numa base militar

Muitas das pessoas com quem a Amnistia Internacional falou estiveram no centro de detenção de Wędrzyn, com capacidade para 600 pessoas. A sobrelotação é particularmente aguda nestas instalações, e existem divisões com apenas oito metros quadrados têm nelas até 24 homens detidos.

Em 2021, as autoridades polacas diminuíram o espaço mínimo exigido para os detidos estrangeiros de três metros quadrados por pessoa para apenas dois. No entanto, o padrão mínimo indicado pelo Conselho da Europa para o espaço pessoal em prisões e centros de detenção é de quatro metros quadrados por pessoa.

As pessoas detidas em Wędrzyn partilharam que os guardas saudavam os novos detidos dizendo “bem-vindos a Guantánamo”. Muitos deles foram vítimas de tortura nos países de origem antes de sofrerem experiências aterradoras, tanto na Bielorrússia como na fronteira da Polónia. O centro de detenção de Wędrzyn faz parte de uma base militar ativa. Os muros de arame farpado das instalações — e o som persistente de veículos blindados, helicópteros e tiros de exercícios militares na zona — só serve para traumatizar estas pessoas de novo.

“Na maioria dos dias, éramos acordados pelos sons de tanques e helicópteros, seguidos de tiros e explosões. Por vezes, durava todo o dia. Quando não se tem para onde ir, nenhuma atividade para nos abstrairmos, ou sequer um espaço para um breve descanso, tudo isto é intolerável. Após toda a tortura na prisão na Síria, ameaças à minha família e meses passados na estrada, fui-me abaixo em Wędrzyn”, declarou Khafiz, um refugiado sírio, à Amnistia Internacional.

No Centro de Detenção de Lesznowola, pessoas detidas referiram que o tratamento por parte dos guardas as deixou a sentirem-se desumanizadas. As autoridades chamam os detidos pelos seus números de processo em vez de usar os seus nomes e infligem punições excessivas, como isolamento, por simples pedidos, por exemplo por se solicitar uma toalha ou mais comida.

Quase todos os entrevistados relataram consistentemente comportamento desrespeitoso e verbalmente abusivo, comentários racistas e outras práticas que indicam maus-tratos psicológicos.

Os homens entrevistados pela Amnistia Internacional queixaram-se regularmente da maneira como foram revistados. Quando as pessoas eram transferidas de um centro de detenção para outro, eram revistadas de forma forçada em cada instalação, apesar de terem estado sob custódia durante todo o tempo. Em Wędrzyn, narraram buscas abusivas. A título de exemplo, todos os estrangeiros recém-admitidos são mantidos juntos numa sala, é-lhes exigido que retirem as suas roupas e ordenado que executem agachamentos durante mais tempo do que o necessário para uma verificação legítima.

 

Retornos forçados violentos

A Amnistia Internacional entrevistou várias pessoas que foram alvo de retornos forçados, bem como algumas que evitaram estes chamados pushbacks e permanecem detidas na Polónia. Muitas afirmaram que os guardas fronteiriços polacos que as pressionavam aos retornos forçados as coagiram a assinar documentos em polaco que elas suspeitavam incluírem informação incriminatória, de forma a justificar esta prática. Também acrescentaram que, em alguns casos, os guardas fronteiriços usaram força excessiva, como taserse algemas, chegando mesmo a sedar quem iria ser obrigado ao retorno forçado.

As autoridades tentaram forçar o regresso de Yezda, uma mulher curda de 30 anos, com o seu marido e três crianças pequenas. Depois de lhe ter sido dito que a sua família seria devolvida ao Iraque, Yezda entrou em pânico, gritou e apelou aos guardas para que não os levassem. Ameaçou tirar a própria vida e ficou extremamente agitada. “Eu sabia que não podia voltar para o Iraque e estava pronta para morrer na Polónia. Enquanto chorava, dois guardas imobilizaram-me a mim e ao meu marido, ataram-nos as mãos atrás das costas e um médico deu-nos uma injeção que nos tornou muito fracos e sonolentos. A minha cabeça não estava lúcida, mas eu conseguia ouvir as minhas crianças, que estavam na sala connosco, a chorar e a gritar.”

“Enquanto chorava, dois guardas imobilizaram-me a mim e ao meu marido, ataram-nos as mãos atrás das costas e um médico deu-nos uma injeção que nos tornou muito fracos e sonolentos”

Yezda, requerente de asilo curda

“Disseram-nos para atravessarmos a segurança do aeroporto e para nos comportarmos no avião. Mas eu recusei ir. Lembro-me de reparar que nem sequer tinha sapatos calçados já que, na confusão no campo, eles tinham caído dos meus pés. Não estava lúcida e não conseguia ver o meu marido ou as crianças, mas lembro-me que eles me forçaram a entrar no avião cheio pessoas. Eu ainda estava a chorar e a implorar para que a polícia não nos levasse.” Yezda disse ter partido o seu pé a lutar com os guardas que tentavam colocá-la no avião. Yezda e a sua família foram obrigados a regressar a Varsóvia, após a companhia aérea ter recusado transportá-los para o Iraque. Por agora, permanecem num campo na Polónia.

Voluntários e ativistas foram impedidos de aceder à fronteira da Polónia e Bielorrússia, e alguns enfrentaram mesmo acusação por tentarem ajudar pessoas a atravessar a fronteira. Em março, ativistas que tinham auxiliado pessoas nas fronteiras da Polónia com a Ucrânia e com a Bielorrússia foram detidas por providenciarem assistência vital a refugiados e migrantes na fronteira bielorrussa, e enfrentam agora acusações, potencialmente graves.

 

Encurralados na fronteira

A 20 de março, as autoridades bielorrussas expulsaram alegadamente cerca de 700 refugiados e migrantes – incluindo muitas famílias com crianças pequenas e pessoas com sérias doenças e deficiências – do armazém na localidade bielorrussa de Bruzgi, que tinha alojado vários milhares de pessoas em 2021.

As pessoas que foram expulsas do armazém encontraram-se subitamente encurraladas na floresta, tentando sobreviver às temperaturas negativas sem abrigo, comida, água, e acesso a cuidados médicos. Muitos permanecem na floresta e sofrem abusos diários dos guardas fronteiriços bielorrussos, que recorrem a cães e a violência para forçar as pessoas a atravessar a fronteira para a Polónia.

“A comunidade internacional – incluindo a UE – deve exigir que seja concedido às pessoas encurraladas na fronteira da Polónia com a Bielorrússia o mesmo acesso ao território da UE que a qualquer outro grupo em busca de refúgio na Europa”

Jelena Sesar

“Centenas de pessoas em fuga do conflito no Médio Oriente e noutras partes do mundo continuam aprisionadas na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia. O governo polaco deve terminar imediatamente os regressos forçados, que são ilegais, independentemente de como o governo tenta justificá-los. A comunidade internacional – incluindo a UE – deve exigir que seja concedido às pessoas encurraladas na fronteira da Polónia com a Bielorrússia o mesmo acesso ao território da UE que a qualquer outro grupo em busca de refúgio na Europa”, disse Jelena Sesar.

 

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