22 Maio 2015

Uma série de provas esmagadoras de crimes que continuam a ser cometidos no contexto do conflito no Leste da Ucrânia, incluindo de tortura e de execuções sumárias de prisioneiros por ambos os lados, dão um duro e renovado alerta sobre a brutalidade do que está a acontecer quase todos os dias naquela região, revela a Amnistia Internacional num novo relatório.

“Breaking bodies: Torture and summary killings in eastern Ukraine” (Partir os corpos: tortura e execuções sumárias no Leste da Ucrânia) avança provas incontornáveis dos abusos frequentes e generalizados a que são sujeitos os prisioneiros mantidos por uma ampla variedade de captores de ambos os lados no conflito.

Antigos prisioneiros descreveram à organização de direitos humanos como foram espancados até lhes partirem os ossos, torturados com choques elétricos, pontapeados, apunhalados, dependurados de tetos, privados do sono durante dias a fio, ameaçados de morte, impedidos de receber tratamentos médicos urgentes e submetidos a simulações de execução.

“A nossa investigação no terreno, no conflito no Leste da Ucrânia, apurou que os testemunhos de tortura de detidos são tão comuns quanto chocantes. Mais de 30 ex-prisioneiros mantidos por ambos os lados do conflito nos prestaram relatos consistentes e pungentes sobre os abusos que sofreram às mãos dos seus captores”, conta o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen.

“Prisioneiros de ambos os lados do conflito foram espancados e sujeitos a simulações de execução. Documentámos também a ocorrência de execuções sumárias de prisioneiros mantidos pelos grupos separatistas. É um crime de guerra torturar e matar deliberadamente pessoas cativas durante um conflito”, sublinha este responsável da organização de direitos humanos.

John Dalhuisen reitera o apelo da Amnistia Internacional para que “as forças pró-Kiev e os separatistas ponham fim a estes crimes e garantam que todos os combatentes sob o seu controlo estão conscientes das consequências ao abrigo da lei internacional de cometerem abusos sobre prisioneiros num conflito armado”. “As autoridades ucranianas têm de investigar todas as alegações de crimes de guerra e outros abusos, abrir inquéritos e coligir provas de abusos cometidos pelas forças separatistas e levar à justiça todos os responsáveis por estes atos hediondos”.

Execução de combatentes capturados é crime de guerra

Dos 33 antigos prisioneiros entrevistados pela Amnistia Internacional, 32 descreveram espancamentos brutais e outros abusos graves cometidos tanto por separatistas como por grupos pró-Kiev. Todos estiveram presos durante algum período entre julho de 2014 e abril de 2015, tendo a organização de direitos humanos feito estas entrevistas em março, abril e maio deste ano.

A Amnistia Internacional confrontou os testemunhos destas vítimas com provas adicionais, incluindo radiografias de ossos partidos, registos hospitalares, fotografias de contusões e outros ferimentos, de dentes partidos e cicatrizes. Duas das vítimas encontravam-se ainda a recuperar no hospital quando foram entrevistadas pelos investigadores.

Há uma ampla variedade de captores, de ambos os lados do conflito, a alegadamente cometerem tortura e outros maus-tratos. Do grupo de 33 antigos prisioneiros que a Amnistia Internacional entrevistou, 17 foram capturados por separatistas e 16 por militares e agentes das forças de segurança pró-Kiev, incluindo os Serviços de Segurança da Ucrânia (SBU).

A Amnistia Internacional identificou também três incidentes recentes em que combatentes separatistas executaram sumariamente pelo menos oito combatentes pró-Kiev. A investigação compilou testemunhos oculares, registos hospitalares, provas publicadas na Internet e em relatos nos órgãos de comunicação social. Numa entrevista a um jornalista, o líder de um grupo armado separatista admitiu publicamente ter morto soldados capturados – o que constitui um crime de guerra.

A maior parte dos mais graves abusos são cometidos em locais de detenção informais. Tal acontece normalmente logo nos primeiros dias após os prisioneiros serem capturados, e os membros de grupos que estão fora da linha de comando oficial ou de facto tendem a ser especialmente violentos e a agir em muito maior desprezo pela lei.

A situação do lado separatista é particularmente caótica, com uma larga variedade de grupos diferentes que mantêm prisioneiros em mais de uma dezena de locais.

Milícia pró-Kiev torturou reféns civis

No lado pró-Kiev, o relato de um antigo prisioneiro que foi mantido cativo pela milícia nacionalista conhecida como “Sector Direito” é especialmente perturbador. O “Sector Direito” terá mantido dezenas de civis como reféns num campo de jovens abandonado e que o grupo transformou numa prisão ad hoc, onde torturou brutalmente os prisioneiros e lhes extorquiu e aos familiares avultadas somas de dinheiro. A Amnistia Internacional alertou as autoridades ucranianas para estas alegações em concreto, mas não recebeu nenhuma resposta.

A investigação da Amnistia Internacional demonstra que ambos os lados neste conflito estão a deter arbitrariamente civis que não cometeram qualquer crime, mas que se mostraram simpatizantes com a fação rival. A organização de direitos humanos falou com vários civis que foram detidos e espancados apenas por terem na sua posse fotografias dos protestos da EuroMaidan nos seus telemóveis, ou por terem números de telefone de separatistas nas suas listas de contactos.

“Em alguns casos, estes civis são detidos como moeda de troca para troca de prisioneiros entre os lados em conflito, mas também podem ser detidos apenas para os castigar por causa da sua simpatia com um ou outro lado. Esta é uma prática ilegal e perturbadora que tem de parar imediatamente”, sustenta John Dalhuisen.

A Amnistia Internacional insta as agências e peritos das Nações Unidas competentes nesta matéria a encetarem prontamente uma missão na Ucrânia, para visitar todos os locais de detenção de prisioneiros mantidos em cativeiro em relação com o conflito no Leste da Ucrânia – incluindo os locais não oficiais. Entre aqueles a integrarem tal missão devem estar representantes do Subcomité para a Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes, dos Grupos de Trabalho da ONU sobre detenções arbitrárias e desaparecimentos forçados, e também o Relator Especial da ONU para a Tortura.

 

Artigos Relacionados