18 Novembro 2016

Mais de uma centena de organizações têm visto o seu financiamento encolher, a sua credibilidade ser manchada e os seus trabalhadores intimidados por força da draconiana lei dos “agentes estrangeiros” na Rússia, avalia a Amnistia Internacional em novo relatório, publicado esta sexta-feira, 18 de novembro, dias antes do quarto aniversário da entrada em vigor daquela legislação.

Este novo relatório, intitulado “‘Agents of the people’: Four years of ‘foreign agents’ law in Russia: Consequences for the society” (“Agentes do povo”: quarto anos da lei dos “agentes estrangeiros” na Rússia – consequências para a sociedade), documenta o elevado preço que a sociedade civil russa está a pagar conforme organizações não-governamentais independentes e críticas das autoridades têm vindo a ser forçadas a fechar, serviços de alto valor de interesse público foram restringidos e a monitorização e análise das políticas governamentais em várias áreas foram silenciadas, no que constitui um ataque calculado e deliberado à liberdade de expressão.

“A lei dos ‘agentes estrangeiros” foi criada para agrilhoar, estigmatizar e, no fundo, silenciar ONG críticas. Apanhou nas suas redes uma grande variedade de ONG, com um custo muito significativo para os direitos individuais e para a qualidade da discussão cívica na Rússia. Em última análise, os maiores derrotados não são só as ONG mas a sociedade russa”, frisa o diretor da Amnistia Internacional Rússia, Serguei Nikitin.

Nestes últimos quatro anos, 148 organizações foram incluídas na lista de “agentes estrangeiros”, das quais 27 fecharam totalmente. Estas ONG desempenhavam um importante papel na proteção dos direitos dos cidadãos. Em muitos casos prestavam serviços que o Estado fracassou em providenciar sendo da sua competência fazê-lo, como é o caso da representação e aconselhamento jurídico e do apoio psicológico a vítimas de discriminação e violência, além da monitorização ambiental e climática.

Estas contribuições vitais ao bem-estar da população na Rússia estão agora bloqueadas ou ameaçadas porque as ONG se encontram em risco de ser – ou foram já – consideradas como estando envolvidas em “atividades políticas” e classificadas como “agentes estrangeiros”, ao abrigo da lei aprovada em 2012 e que entrou em vigor a 21 de novembro daquele mesmo ano.

E as reformas à legislação, aprovadas em junho deste ano, serviram apenas para expandir a extraordinária amplitude da proscrita “atividade política”, de forma a incluir praticamente todas as formas de opinião expressa sobre políticas públicas ou ações e conduta de funcionários do Estado.

A Amnistia Internacional analisou neste relatório os casos de mais de 12 ONG classificadas como “agentes estrangeiros” e entrevistou os seus diretores e trabalhadores. Aqui se incluem organizações que trabalham numa grande variedade de assuntos como a discriminação, a proteção dos direitos das mulheres e da comunidade lésbica, gay, bissexual, transgénero e intersexual (LGBTI), a preservação da memória histórica, a investigação académica, as reformas da justiça penal e do sistema prisional, direitos dos consumidores e ainda as questões ambientais. O elemento que têm em comum é que todas estas organizações tentam envolver os cidadãos na análise crítica das políticas governamentais.

O financiamento de organizações da sociedade civil na Rússia foi sempre limitado, mas tornou-se agora ainda mais árduo obtê-lo na sequência da agressiva demonização das ONG nos órgãos de comunicação social russos. O efeito da lei dos “agentes estrangeiros” tem sido o de tornar o financiamento vindo de outros países – a única alternativa disponível às ONG – numa fonte insegura de fundos, que comporta significativos riscos legais e para a reputação das organizações. Qualquer ONG que tenha financiamento estrangeiro e participe em atividades que as autoridades considerem políticas fica em situação de incumprimento da lei dos “agentes estrangeiros”.

“É perfeitamente óbvio que o principal objetivo das autoridades russas tem sido sufocar o crescimento de uma sociedade civil criticamente envolvida e substitui-la por apoiantes da política governamental dóceis e dependentes. Esta abordagem de terra-queimada à sociedade civil não é no melhor interesse da Rússia a longo-prazo”, considera Serguei Nikitin.

A lei dos “agentes estrangeiros” determina expressamente que “atividades para proteger o mundo animal e vegetal” não devem ser consideradas “políticas”. Mas pelo menos 21 organizações ambientais foram incluídas no registo de “agentes estrangeiros”.

O centro ambiental Dront, com sede em Nizhnii Novgorod (na região da Rússia Central e mais conhecida pelo nome soviético Gorki), requereu ser retirado da listagem, o que as autoridades russas recusaram com o argumento de que a organização tinha recebido fundos estrangeiros. As três fontes de financiamento citadas pelas autoridades foram: 500 rublos (menos de oito euros) pagos por outra organização ambiental, a Bellona-Murmansk, de subscrição do jornal publicado pelo Dront; um empréstimo concedido por uma outra ONG ambiental, a Zelenii Mir (Mundo Verde), que está também classificada como “agente estrangeiro”, e o qual foi reembolsado pelo Dront antes da inspeção; e, ainda mais surpreendente, um subsídio atribuído pela fundação Sorabotnichestvo, gerida pela Igreja Ortodoxa Russa.

“Foi apurado que [a Igreja Ortodoxa Russa] recebe algum financiamento do Chipre e é por isso que o ministro regional de Justiça – em estrito cumprimento da lei, note-se – considerou este dinheiro como ‘estrangeiro’. É uma situação estranha e surreal”, criticou o presidente da Direção do Dront, Ashkat Kaiumov.

Após o Dront ter sido notificado a pagar uma multa de 300 mil rublos (cerca de 4 500 euros), a 1 de fevereiro de 2016, a liderança da organização decidiu suspender o funcionamento até ser retirada da lista de “agentes estrangeiros”. Entretanto, a ONG continua a trabalhar como movimento público não registado, o que não precisa de autorização oficial.

Enquanto o caso do centro ambiental Dront exemplifica o lento estrangulamento de uma organização, já o ataque à União das Mulheres de Don revela a perseguição persistente feita pelas autoridades às ONG: foi uma das primeiras organizações a ser visada com a lei dos “agentes estrangeiros”, em 2014, quando foram concedidos poderes ao Ministério da Justiça para fazer essa classificação de forma compulsiva.

Em resposta, os ativistas, criaram uma nova organização, a Fundação das Mulheres de Don, para continuarem o seu trabalho. Porém, em outubro de 2015, também esta foi declarada pelas autoridades como “agente estrangeiro”. E a 24 de junho passado, a líder da fundação, Valentina Cherevatenko, foi notificada que era visada num processo criminal, aberto ao abrigo do artigo 330-1 do Código Penal da federação Russa, por “evasão voluntárias às responsabilidades” no contexto da lei dos “agentes estrangeiros”. Caso seja declarada culpada, Valentina Cherevatenko incorre numa pena até dois anos de prisão.

A Amnistia Internacional exorta as autoridades russas a revogarem a lei dos “agentes estrangeiros” e a porem fim a todas as restrições ao trabalho das ONG no país.

“As autoridades russas têm de ser suficientemente robustas para aceitarem críticas construtivas dos grupos da sociedade civil e têm de aprender a trabalhar com eles – não contra eles. O primeiro passo nessa direção é a revogação da lei dos “agentes estrangeiros” e acabar prontamente com todas as limitações arbitrárias ao trabalho feito pelas ONG”, remata Serguei Nikitin.

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