13 Novembro 2014

A vida das crianças das comunidades ciganas nas escolas da República Checa é feita de “bullying” e segregação, limitando-lhes não apenas a escolaridade mas também o futuro emprego, numa violação brutal do direito à educação. Faz este 13 de novembro sete anos que o Tribunal Europeu de Direitos do Homem indicou às autoridades checas que tinham de mudar este estado de coisas – mas tudo prossegue como antes, explica o diretor do Gabinete das Instituições Europeias da Amnistia Internacional, Nicolas Beger, neste texto de blogue.

Colegas meus contaram-me recentemente a história de Jana [nome fictício para proteção de identidade], uma rapariga checa que lhes narrara ter sido chamada “boca preta” pelas outras crianças na escola onde anda, que lhe disseram também “ter um aspeto horrível” e que lhe escondiam os sapatos, fazendo-a ter de caminhar descalça na neve.

Quando a família de Jana reportou estas situações à escola, nada foi feito. Quando o irmão dela, Karol [também nome fictício] defendeu a irmã, sentiu-se sozinho, ninguém o apoiou.

Outros alunos diziam-lhes que cheiraram mal e que estavam sujos. E os professores, ao descobriram o que se passava, afirmaram que Jana e Karol não se integravam bem na escola. As notas de ambos baixaram.

Este relato não foi um caso isolado de “bullying” entre alunos, mas sim uma injustiça vivida por muitas crianças todos os dias. Foi e é discriminação: algo que muitas crianças da etnia cigana por toda a República Checa, e em muitas outras partes da Europa, vivem na pele nas escolas, onde é suposto sentirem-se seguras e apoiadas.

A discriminação dos alunos ciganos no sistema de ensino da República Checa assume uma variedade de formas. Inclui o “bullying” racista vivido por Jana e Karol. Outras crianças são colocadas em escolas para estudantes com “deficiências mentais moderadas”, as chamadas “escolas práticas”, numa violação flagrante das legislações de direitos humanos e anti discriminação da República Checa, da União Europeia e a nível internacional.

Assinalam-se esta quinta-feira, 13 de novembro, sete anos desde que o Tribunal Europeu de Direitos do Homem se pronunciou considerando que a República Checa estava a violar a Convenção Europeia de Direitos Humanos no que se refere à discriminação de alunos da etnia cigana no sistema de ensino do país.

O caso, conhecido como D.H e Outros contra a República Checa, envolveu um grupo de crianças da comunidade cigana de Ostrava (a terceira maior cidade do país) que foram colocadas numa daquelas escolas para portadores de “deficiência mental moderada”. O Tribunal Europeu decidiu que, face à falta das garantias exigíveis, colocar crianças ciganas naquele tipo de estabelecimento escolar constituía discriminação.

Sete anos passados, porém, a discriminação prossegue. Os alunos da etnia cigana continuam a ser colocados em elevado número nas escolas para crianças com “deficiência mental moderada” por toda a República Checa.

O Governo checo assevera que fortaleceu as salvaguardas no sistema para prevenir colocações arbitrárias naquelas escolas, incluindo a obrigatoriedade de autorização parental. Mas na verdade alguns pais e mães das comunidades ciganas continuam a reportar serem pressionados para que os seus filhos sejam testados em “centros de avaliação”.

Numa visita recente a D??ín, no Norte da República Checa, a Amnistia Internacional conheceu Teresa [nome fictício]. Após o filho dela ter sido transferido para uma escola para crianças com “deficiência mental moderada”, depois de ter faltado às aulas na sequência de uma cirurgia a uma perna partida, Teresa decidiu que não permitiria que tal se repetisse com o filho mais novo, Dan [nome fictício]. Apesar de defender que Dan devia permanecer no sistema regular de ensino, a diretora da escola que ele frequentava disse não querer a criança ali e que não tinha recursos para “ser incomodada” com tal assunto. Atualmente, ambos os filhos de Teresa frequentam uma “escola prática”.

As perspetivas para as crianças das comunidades ciganas integradas no sistema pela via regular não estão em melhor situação. Muitos são segregados para escolas “apenas para ciganos” ou turmas com padrões de exigência educativa mais baixos, com os pais e mães a disporem de poucas opções para colocarem os filhos.

Em janeiro de 2014, uma escola primária de Ostrava recusou matricular 12 crianças: dez eram da etnia cigana. Todas viviam na zona do assentamento informal da cidade. Oficialmente, a recusa foi justificada pela falta de capacidade da escola em acolher aquelas crianças. Não oficialmente, o diretor da escola manifestou claramente a sua resistência a que as crianças ali ingressassem mesmo antes das matrículas: o diretor afirmou ao coordenador de uma ONG que trabalha num projeto de colocação de crianças das comunidades ciganas em escolas etnicamente mistas que aquelas deveriam ser colocadas nas “escolas delas”. O diretor da escola avançou mesmo à Amnistia Internacional que o preocupava ficar com a fama de dirigir uma escola “cigana”.

Racismo, segregação e rejeição: esta é a realidade das crianças da etnia cigana na República Checa. Mas a educação é um direito humano básico que todas as crianças têm de forma igual.

Esta forma de discriminação através de uma educação segregada não é apenas ilegal, conduz também a uma educação e a oportunidades de futuro emprego limitadas, encurralando as crianças das comunidades ciganas num ciclo viciado de exclusão e marginalização.

Mas ainda há alguma esperança.

A 25 de setembro passado, a Comissão Europeia anunciou que ia abrir procedimentos por infração contra a República Checa por violação da legislação anti discriminação da União Europeia (UE) que respeita à discriminação de crianças da etnia cigana na educação. Estão também em curso reformas à Lei do Ensino na República Checa que visam garantir a inclusão de alunos com necessidades de educação especiais nas escolas regulares.

É crucial que a Comissão Europeia cumpra as suas promessas com ações concretas e consistentes para proteger as gerações presentes e futuras das comunidades ciganas na República Checa e por toda a UE. E também é fundamental que a República Checa dê passos específicos para lidar e resolver a existência de discriminação e segregação étnica nas escolas – nomeadamente com a reforma da Lei do Ensino –, que se não acontecer manterá o país num estado de violação das suas obrigações legais.

Para Jana e Karol, a situação continua desprotegida. O “bullying” na escola prosseguiu e as crianças começaram a faltar à escola. Acabaram por acumular tantas faltas injustificadas que os serviços sociais intervieram, tirando as crianças aos pais e colocando-os num orfanato.

Neste aniversário que agora se celebra, da decisão histórica do Tribunal Europeu de Direitos do Homem, temos de conseguir que não passarão mais sete anos até que se encerre este capítulo negro da história do sistema de ensino da República Checa – para que todas as crianças possam finalmente gozar o direito à educação.

 

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