4 Setembro 2015

 

A visita do primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, e do comissário europeu Dimitris Avramopoulos à ilha grega de Kos esta sexta-feira, 4 de setembro, tem de resultar numa tomada de ação imediata para pôr fim ao sofrimento prolongado de milhares de refugiados, incluindo muitas crianças, que permanecem em condições desumanas, insta a Amnistia Internacional, em sequência também da investigação que a organização de direitos humanos manteve esta semana naquela ilha – uma das principais linhas da frente europeias da atual crise de refugiados.

A Amnistia Internacional testemunhou a ocorrência de um violento ataque contra refugiados na noite passada e documentou as péssimas condições que os refugiados enfrentam na ilha. Os investigadores da organização encontraram crianças e bebés, até com apenas uma semana após o nascimento, nas multidões obrigadas a esperar dias sob o sol escaldante para conseguirem ser registados pelas autoridades locais. Foram também entrevistados muitos menores não acompanhados que se encontravam detidos em circunstâncias deploráveis junto com adultos.

“Os refugiados que encontrámos em Kos fugiram da guerra e da perseguição em países em que se incluem a Síria, o Afeganistão e o Iraque. Aqui incluem-se crianças, algumas com as famílias mas outras viajam sozinhas. As condições infernais em que os refugiados se veem agora, as dificuldades que estão a enfrentar e a indiferença oficial ao seu sofrimento são terríveis”, descreve Kondylia Gogou, investigadora para a Grécia da Amnistia Internacional, a qual integrou a missão em Kos que se seguiu a uma outra missão de investigação em Lesbos.

Atacados por rufias

Na noite de quinta para sexta-feira, os investigadores da Amnistia Internacional assistiram à investida de um grupo de 15 a 25 pessoas que, empunhando tacos e paus, atacaram refugiados em Kos enquanto gritavam “vão de volta para os vossos países” e outras palavras insultuosas.

A turba violenta ameaçou também ativistas, incluindo um dos membros da missão da Amnistia Internacional. Uma pessoa que estava a tirar fotografias foi atacada, tiraram-lhe a câmara fotográfica e ficou ligeiramente ferida.

A polícia não deteve os atacantes e a unidade antimotim só interveio depois de os ataques físicos terem começado, lançando gás lacrimogéneo para dispersar a multidão.

“O ataque violento desta noite mostra uma vez mais e muito claramente o perigo que os refugiados correm, assim como os ativistas que os ajudam. Há que agir já a todos os níveis para garantir que são protegidos”, insta Kondylia Gogou.

Condições desumanas em Kos

Entre três mil e quarto mil refugiados estavam em Kos aquando da missão da Amnistia Internacional. Dada a inexistência de estruturas formais de receção aos refugiados nesta ilha, a maior parte destas pessoas vive em condições extremamente miseráveis enquanto aguardam para serem documentados antes de poderem prosseguir viagem rumo à Grécia continental e daí em diante.

É estimado que a maior parte é oriunda da Síria, do Afeganistão e do Iraque. No total, mais de 31 mil refugiados chegaram a Kos desde o início deste ano, com um fluxo brutal em junho, de acordo com a guarda-costeira grega.

A maioria dos refugiados não tem forma de pagar alojamento e dorme em tendas, ou ao relento em circunstâncias chocantes, ou dentro do delapidado edifício do antigo Hotel Capitão Elias. Os residentes locais e a ONG humanitária Médecins Sans Frontières têm vindo a prestar ajuda, mas as autoridades municipais pouca assistência fornecerm, além de terem fechado as casas-de-banho públicas.

A polícia em Kos está atualmente a usar uma velha esquadra de polícia para documentar as pessoas antes de estas partirem da ilha. Os investigadores da Amnistia Internacional visitaram aquela esquadra a 2 de setembro, onde viram cerca de 100 refugiados, incluindo uma bebé de uma semana, ao colo da mãe que estava sentada no chão de um pátio do edifício. Não foi dada água a quem esperava para ser documentado. A única proteção do intenso calor de verão era um chapéu-de-sol colocado no meio do pátio, que dava sombra para apenas uma mão cheia.

Umas 200 a 300 outras pessoas aguardavam para serem atendidas do lado de fora – muitas disseram estar à espera há vários dias. Um homem de 28 anos e oriundo do Iraque testemunhou que esperava pela sua vez há já uma semana.

As autoridades não fornecem aos refugiados qualquer informação sobre os direitos que têm nem sobre a identificação de grupos vulneráveis. Isso é feito pelos funcionários do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, UNHCR na sigla em inglês) que estão a trabalhar em Kos.

A difícil situação é frequentemente agravada pela relutância das autoridades locais em criarem um centro permanente de receção com capacidade suficiente para as necessidades atuais de acolhimento, ao que acresce a falta de uma resposta coordenada e eficaz.

Em meados de agosto, estas falhas acumuladas entraram em rutura total quando mais de duas mil pessoas foram postas em condições desumanas no estádio desportivo local. Surgiram então relatos de a polícia recorrer a força excessiva contra refugiados que estavam à espera para serem registados.

Crianças detidas com adultos

A Amnistia Internacional entrevistou quatro rapazes – três paquistaneses e um sírio – de 16 e 17 anos, que estavam detidos numa sujíssima cela numa esquadra junto com adultos suspeitos de crime.

As condições de detenção naquele local eram deploráveis: apenas alguns colchões velhos e sujos, nenhuns cobertores, as luzes partidas e um intenso mau cheiro emanava de uma casa-de-banho próxima, que se encontrava imunda e alagada.

“Viajei com uma outra família de refugiados até à Grécia. Quando mostrei o meu passaporte, a polícia deteve-me. A minha família não sabe nada de mim desde que fui preso”, contou o rapaz sírio, de 16 anos, que chegara à ilha grega com familiares. Este adolescente não teve acesso a advogado nem qualquer espécie de aconselhamento legal nos três dias desde que foi detido.

“Com famílias de turistas a gozarem as férias de verão em Kos e as famílias locais a prepararem-se para o regresso às aulas dos filhos, o contraste com o sofrimento das crianças refugiadas não podia ser maior e mais forte”, observa a investigadora da Amnistia Internacional Kondylia Gogou.

Autoridades em Kos, na Grécia e na UE chamadas a agir

A Amnistia Internacional insta, em três frentes:

  • As autoridades locais de Kos a cooperarem com as autoridades centrais gregas para criarem centros de receção e abrigarem os recém-chegados em condições humanas até completarem os necessários procedimentos de registo. Têm também de transferir imediatamente os menores não acompanhados para abrigos adequados até que todos os procedimentos sejam feitos e as crianças e adolescentes possam ser mudados para centros de receção de menores não acompanhados na Grécia continental;

  • O Governo grego a pôr prontamente em prática os planos que anunciou a 3 de setembro e em que se inclui a mobilização urgente para Kos de funcionários do Centro de Primeira Receção – à semelhança dos que estão já a trabalhar em Lesbos e em Samos –, para prestarem assistência na tarefa de identificar grupos vulneráveis. Tem também de assegurar que a autoridade responsável pela gestão dos fundos da União Europeia (UE), como é o caso do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI), começa a operar o mais depressa possível;

  • A União Europeia a prestar apoio às autoridades da Grécia com assistência financeira de emergência alocada a partir dos fundos de solidariedade e emergência da UE, de forma a gerir a crise atual. A Grécia precisa ainda de apoio logístico e operacional para dar resposta às necessidades daqueles que estão a chegar às ilhas do país. E, mais importante ainda, os Estados-membros têm de aliviar a pressão sobre a Grécia a longo prazo, através de uma reforma significativa do sistema de asilo da UE, e criando mais rotas seguras e legais para a Europa para aqueles que precisam de proteção – o que inclui, necessariamente, aumentar as vagas de reinstalação para os refugiados mais vulneráveis assim identificados pelo ACNUR, e também mais vistos humanitários e melhores opções para a reunificação de famílias.

“Esta é uma crise a todos os níveis. As autoridades locais na Grécia não estão dispostas a prestar a assistência que é necessária, as autoridades nacionais parecem não ser capazes de o fazer, e os líderes europeus arrastam os pés, indecisos, face à cada vez maior crise humana”, crítica Kondylia Gogou.

Comissários da UE no terreno

O primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, e o comissário europeu para as Migrações, Assuntos Internos e Cidadania, Dimitris Avromopoulos, estão em visita a Kos para monitorizar a situação no terreno num contexto em que as autoridades locais se estão a ver em apuros para gerir o aumento nas chegadas de refugiados ao longo do verão.

Na quinta-feira, 3 de setembro, os ministros do Governo grego reuniram-se em Atenas para discutir a resposta que está a ser dada à crise de refugiados nas ilhas do mar Egeu. Anunciaram, então, entre outras medidas, a criação de um centro de coordenação para gerir as chegadas de refugiados, a mobilização de mais funcionários e equipamento para dar celeridade ao processo de identificação e documentação de refugiados, e ainda que estavam já a ser dados passos para usar imediatamente os fundos da UE disponíveis. Chamaram também a União Europeia a prestar o apoio financeiro e logístico que é preciso.

Responsáveis da polícia grega explicaram à Amnistia Internacional que, sem financiamento adicional de emergência por parte da UE, será extremamente difícil colocar funcionários e equipamento nas ilhas do mar Egeu e criar zonas de documentação onde os refugiados sejam registados em condições humanas, assim como melhorar as condições de detenção, antes do final do ano.

Os números coligidos pelo Governo grego atestam que 157.000 refugiados chegaram à Grécia por via marítima só nos meses de julho e de agosto. Nos primeiros oito meses de 2015, foram mais de 230.000 as pessoas que alcançaram a Grécia pelo mar. E isto são 13 vezes mais do que as 17.000 pessoas que chegaram ao país durante o mesmo período de 2014. A esmagadora maioria são refugiados.

 

A Amnistia Internacional tem em curso desde 20 de março de 2014 a campanha “SOS Europa, as pessoas acima das fronteiras“, iniciativa de pressão a nível global para que a UE mude as políticas de migração e asilo, no sentido de minorar os riscos de vida que migrantes, refugiados e candidatos a asilo correm para chegarem à Europa, e garantir que estas pessoas sejam tratadas com dignidade à chegada às fronteiras europeias. Aja connosco! Inste os líderes europeus a porem as pessoas acima das fronteiras, assine a petição.

 

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