24 Abril 2017

As autoridades da Guiné Equatorial, Estado-membro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, têm de libertar imediatamente todos os ativistas que foram detidos de forma arbitrária no país em meados de abril, exortam em conjunto sete organizações de transparência e de direitos humanos, em que se inclui a Amnistia Internacional. (artigo atualizado a 27 de abril)

A polícia deteve Enrique Asumu e Alfredo Okenve, presidente e vice-presidente do Centro para o Desenvolvimento de Estudos e Iniciativas (CEID), a 17 de abril passado, e foi largamente excedido o período de 72 horas que a lei da Guiné Equatorial prevê para que uma pessoa possa ficar detida sem lhe ser formulada qualquer acusação.

“As autoridades da Guiné Equatorial têm um longo historial de intimidar, deter arbitrariamente e, de forma geral, interferir com o trabalho dos defensores de direitos humanos”, frisa o diretor executivo da EG Justice, organização não-governamental que monitoriza abusos de direitos humanos naquele país. “E este mais recente incidente mostra bem a determinação com que as autoridades pisam as leis processuais para intimidar e silenciar a dissidência”, prossegue.

O caso eclodiu quando as autoridades impediram Enrique Asumu de embarcar num voo, a 16 de abril, da Malabo, a capital da Guiné Equatorial, para a cidade de Bata, na zona continental do país, declarando estarem a agir segundo ordens emitidas pelo ministro de Segurança Nacional, foi testemunhado por um outro membro do CEID que estava presente no momento e também pelo advogado de Asumu.

No dia seguinte, Enrique Asumu e Alfredo Okenve deslocaram-se ao gabinete do ministro, que se situa no mesmo edifício da Esquadra Central da Polícia, em Malabo. Foram então questionados pelo ministro durante mais de cinco horas, descreveram outros dois ativistas que integraram a delegação do CEID. No final daquela reunião, que terminou pelas 18h (locais, a mesma de Portugal continental), os dois homens foram impedidos de sair do edifício e permaneceram ali detidos. Asumu foi entretanto liberto, confirmou o CEID na terça-feira passada, 25 de abril, mas Okenve continua em detenção arbitrária.

A polícia autorizou a visita de familiares assim como de outros membros do CEID aos dois defensores de direitos humanos detidos, assim como o acesso a advogados. Mas não foram levados a tribunal, o que a lei da Guiné Equatorial exige que seja feito num prazo de 24 horas desde o momento da detenção. Tão pouco lhes foram apresentadas quaisquer acusações, o que a lei impõe num período de 72 horas.

O CEID tem as suas atividades suspensas por tempo indefinido desde março de 2016, por ordem do Ministério do Interior. Ativistas que têm mantido contato com Enrique Asumu e Alfredo Okenve reportaram que as autoridades ameaçaram multá-los em 10 milhões de francos CFA (cerca de 15 mil euros) por violarem aquela ordem. A suspensão de atividades foi decretada depois de as autoridades terem proibido um encontro de jovens que, justificaram, incluía a apresentação de declarações por alguns participantes que constituíam incitamento – uma acusação que o CEID sustenta ser falsa e politicamente motivada. A organização recorreu da decisão do Ministério do interior, mas não recebeu nenhuma resposta, foi explicado por um membro do CEID.

Aquela organização de direitos humanos anunciara que retomaria as atividades em setembro de 2016. Um responsável do CEID argumentou que a suspensão apenas vigoraria durante três meses. E desde então, têm sido organizados vários eventos que contaram com a presença de representantes de vários ministérios governamentais do país.

O Governo do Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema (na foto), apresentou candidatura ao programa mundial Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas (ITIE), um esforço global que une governos, empresas e grupos e organizações não-governamentais para encorajar às melhores práticas de governança nos países ricos em recursos naturais, promovendo o debate público e aberto sobre a utilização dada às receitas do petróleo, do gás e dos minérios. A ITIE exige que os Estados-membros do programa impulsionem “um ambiente favorável à sociedade civil” e que se “abstenham de tomar ações que resultem numa diminuição ou restrição do debate público sobre a concretização da ITIE”.

A Guiné Equatorial tem sido assolada por escândalos de corrupção exacerbados pela falta de transparência em torno das receitas dos recursos naturais. E a suspensão da principal organização no país que promove a transparência e o respeito pelos direitos humanos, assim como a detenção dos seus líderes, envia a mensagem errada sobre o compromisso do Governo no combate à corrupção, é avaliado pelas sete organizações que exortam à libertação de Enrique Asumu e de Alfredo Okenve.

“Estas detenções mostram o quão vãs são as promessas feitas pelo Governo, de respeito pela sociedade civil como parte da sua candidatura para se juntar ao círculo da ITIE”, avalia a diretora executiva da Publish What You Pay, Elisa Peter. “Põe a candidatura em risco de fracassar e enviam a menagem de que o Governo não tolerará vozes dissidentes”, avança ainda a perita.

Quando o CEID retomou as atividades em setembro de 2016 também reativou o seu papel como membro do comité diretivo nacional que integra responsáveis governamentais, empresas petrolíferas e a sociedade civil na primeira fase de candidatura à adesão à ITIE. Este comité reuniu a 12 de abril passado e o ministro das Minas participou num evento organizado pelo CEID, a 14 de abril, de celebração do 20º aniversário de existência da ONG.

“O Governo trabalha com o CEID quando quer fingir que respeita a sociedade civil, mas depois mantém a ordem de suspensão sobre a organização como uma espada de Dâmocles”, critica a investigadora da Human Rights Watch Sarah Saadoun, perita em matéria de negócios e direitos humanos. “E ao intimidar e ameaçar dois dos mais respeitados defensores de direitos humano, o Governo parece estar a tentar silenciar a sociedade civil num momento em que se regista um crescente descontentamento sobre a crise económica que se intensifica no país”, remata.

As sete organizações que alertam para o caso são: a Human Rights Watch, a EG Justice, a Publish What You Pay, a Transparency International, a UNCAC Coalition, a International Anti-Corruption Conference e a Amnistia Internacional.

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