16 Janeiro 2015

As autoridades de transição no Burkina Faso têm de investigar o recurso à força excessiva e letal por parte dos militares, incluindo a guarda presidencial, contra as manifestações anti Governo generalizadamente pacíficas no país – incidentes dos quais resultou a morte de dezenas de pessoas e centenas de feridos no outono passado, e que são analisados em investigação da Amnistia Internacional.

O relatório, intitulado “Just what were they thinking when they shot at people? – Crackdown on anti-government protests in Burkina Faso” (Em que é que eles estavam a pensar? – Repressão das manifestações anti Governo no Burkina Faso), assenta numa investigação profunda ao uso excessivo da força, e amiúde letal, por parte da unidade da guarda presidencial (o Régiment de Sécurité Présidentielle, RSP), da polícia e dos militares durante as manifestações que eclodiram na capital, Ouagadougou, e outras cidades do país entre 30 de outubro e 2 de novembro de 2014.

As provas e testemunhos recolhidos nesta missão da Amnistia Internacional sugerem que pouco foi feito, ou mesmo nada, para avisar as multidões antes de os militares abrirem fogo sobre os manifestantes, alguns dos quais tinham as mãos no ar, e muitos foram mesmo alvejados nas costas quando tentavam fugir dos tiros. Segundo a lei do Burkina Faso, os militares não podiam sequer ter sido autorizados a agir na dispersão de manifestações.

“Disparar sem aviso contra manifestantes pacíficos que claramente não representavam nenhuma ameaça para ninguém constitui um inaceitável e revoltante uso de força excessiva que provocou numerosas mortes e centenas de feridos”, avalia o investigador da Amnistia Internacional para a África Ocidental, Gaëtan Mootoo.

Aquela tentativa para esmagar protestos legítimos e escudar a Administração do então Presidente Blaise Compaoré de contestação resultou na mais violenta vaga de repressão em muitas décadas levada a cabo pelos militares no Burkina Faso. Morreram pelo menos dez pessoas naquelas manifestações, centenas foram feridas – “e os soldados, assim como os oficiais no comando, suspeitos de envolvimento naquelas mortes e ferimentos têm de ser levados a tribunal”, insta o perito.

Além do uso de munições reais, foram também usados bastões e cordas para espancar indiscriminadamente manifestantes e transeuntes, incluindo crianças. Pelo menos um jornalista foi igualmente agredido por soldados.

Na mais recente missão de investigação ao país, a equipa da Amnistia Internacional visitou um dos principais hospitais da capital e recolheu provas de listas clínicas que confirmam 33 mortes ocorridas na repressão dos protestos, assim como a natureza dos ferimentos infligidos. Essas provas demonstram ainda que algumas das pessoas apanhadas na repressão apresentavam ferimentos de tiros no tórax e nos braços.

Manifestantes marchavam de mãos abertas no ar

A investigação da Amnistia Internacional recolheu provas credíveis de que a 30 de outubro e 2 de novembro de 2014, soldados, na maioria membros do regimento de segurança presidencial, usaram força excessiva para parar os manifestantes nas estradas que conduzem ao edifício do Parlamento e à residência do irmão do Presidente.

Os manifestantes marchavam de forma pacífica, muitos com as mãos erguidas no ar para mostrar claramente que não tinham armas, quando foram alvejados pelos militares, pela polícia e pela guarda presidencial.

As provas obtidas pela Amnistia Internacional mostram que as forças de segurança não agiram em legítima defesa. Não foram feitos quaisquer avisos nem tão pouco tentativas de negociar com os manifestantes, nem de dispersar a multidão de outras formas. Pelo contrário, uma testemunha explicou aos investigadores da organização de direitos humanos: “Se as forças de segurança tivessem disparado tiros de aviso, nós teríamos ido embora”.

Outra testemunha descreveu como um dos manifestantes, Tibo Kabré, de 46 anos, foi alvejado quando se encontrava mesmo ao seu lado na marcha, ao aproximarem-se dos soldados posicionados na estrada em direção ao Palácio Kosyam, residência oficial do chefe de Estado.

“Erguemos as mãos para mostrar que não estávamos armados e começámos a cantar o hino nacional, algumas pessoas gritavam ‘Fora com Blaise [Compaoré, o então Presidente do país]!’ E, de repente, os soldados desataram a disparar contra nós, houve uma debandada, e havia gente a correr em pânico em todas as direções, pessoas a caírem mesmo à minha frente. Tibo Kabré foi gravemente ferido e teve de ser levado para o hospital de Yalgado. Morreu pouco depois de lá chegar”, contou.

A investigação da Amnistia Internacional indica também que três presos foram mortos por guardas prisionais a 30 de outubro na prisão central de Ouagadougou, e dois outros morreram devido a desidratação e sufocação ao fim de três dias de estarem confinados às suas celas.

O governo de transição criou um comité ad hoc para avaliar as violações de direitos humanos cometidas na esteira da “revolta popular”, mas o organismo não recebeu competências nem responsabilidades para conduzir investigações nesta matéria. A Amnistia Internacional insta a que seja formada uma comissão de inquérito imparcial para proceder às investigações aos factos ocorridos e às violações cometidas.

“No processo de virar a página na história do Burkina Faso, as autoridades de transição têm de garantir que estas graves violações de direitos humanos são investigadas de forma independente e imparcial. Todos os suspeitos de terem morto e ferido os manifestantes têm de ser responsabilizados”, sustenta o investigador da Amnistia Internacional para a África Ocidental. “É imperativo que sejam tomadas medidas urgentes para asseverar que todas as vítimas e seus familiares recebem a verdade, justiça e compensação”, remata Gaëtan Mootoo.

 

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